O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou o afastamento imediato de Wilson Witzel (PSC) do cargo de governador do Rio de Janeiro por suspeita de corrupção, especialmente em contratos públicos na área da saúde para ações de combate à Covid-19. Pelo mesmo motivo, o STJ também mandou prender o presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, que é influente no governo do Rio.
Os mandados judiciais foram cumpridos nesta sexta-feira (28) pela Polícia Federal (PF). Dentre diversos endereços, policiais estiveram no Palácio Guanabara, sede do governo do estado, e no Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador.
Não há ordem de prisão contra Witzel, mas ele ficará afastado do cargo por 180 dias. A Procuradoria-Geral da República (PGR), responsável pela investigação, chegou a pedir a prisão do governador, mas o STJ negou o pedido.
O afastamento do governador foi determinado para impedir a reiteração de crimes e para garantir o aprofundamento das investigações. Na decisão em que decretou o afastamento de Witzel, o ministro do STJ Benedito Gonçalves afirmou que o governador comandava uma “sofisticada organização criminosa” e que a medida cautelar tinha o objetivo de evitar que ele continuasse a “dilapidar o Erário do Estado do Rio de Janeiro”.
Contra quem há mandado de prisão e de busca e apreensão
Além do mandado de prisão contra o Pastor Everaldo, também houve a determinação do STJ para prender mais 17 pessoas – dentre as quais Lucas Tristão (ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio) e Sebastião Gothardo Netto (médico, ex-prefeito de Volta Redonda e um dos principais aliados de Witzel).
O STJ determinou ainda busca e apreensão contra a primeira-dama do estado, Helena Witzel; o vice-governador Cláudio Castro (PSC); o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano (PT); e o desembargador da Justiça do Trabalho Marcos Pinto da Cruz.
Embora seja alvo da operação, Cláudio Castro vai assumir o governo do Rio no período do afastamento de Witzel porque não houve determinação para que ele deixe seu cargo público.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que a Operação Tris in Idem, como foi batizada, cumpre 17 mandados de prisão (6 preventivas e 11 temporárias) e 72 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Distrito Federal e Uruguai.
De acordo com o ministro Benedito Gonçalves, os fatos relevados pela investigação conduzida pela PGR demonstram “especial gravidade e reprovabilidade”. “O grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em pleno pandemia da Covid-19, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas, em total desprezo com o senso mínimo de humanidade e dignidade”, destacou o ministro na decisão judicial.
Como funcionava o suposto esquema de corrupção
A operação desta sexta foi deflagrada a partir de informações fornecidas por Edmar Santos, ex-secretário de Saúde do Rio que firmou um acordo de delação premiada.
Os mandados de prisão e busca e apreensão foram expedidos pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves, relator no tribunal da Operação Placebo – que investiga um suposto esquema de pagamento de propinas para a contratação emergencial de serviços de saúde durante o período da pandemia de coronavírus.
O governo do Rio contratou a instalação e operação de sete hospitais de campanha para tratar pacientes de Covid-19. A maioria nem chegou a ser construída pelas organizações sociais (OSs) contratadas pelo poder público para montar e operar os hospitais.
Mas o esquema investigado, segundo a PGR, não se limitou à saúde e ao período da pandemia. Para o ministro do STJ Benedito Gonçalves, existem indícios de que o esquema de corrupção possa ter desviado recursos que vão além dos destinados ao combate ao novo coronavírus.
Além disso, os investigadores alertam que o esquema foi montado desde o final da campanha eleitoral de 2018, quando houve o acentuado “aparelhamento do Estado – incluindo nomeações a cargos-chave, como Secretários de Estado, de pessoas de dentro do esquema e vinculadas aos (pelo menos) três grupos supostamente criminosos”.
A Procuradoria-Geral da República divulgou nota para o jornal Folha de S.Paulo em que explica como funcionava o suposto esquema de corrupção.
"Segundo apurado pelos investigadores, a partir da eleição de Wilson Witzel, estruturou-se no âmbito do governo estadual uma organização criminosa, dividida em três grupos que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos. Liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais – a exemplo da Secretaria de Saúde – para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas", diz nota da PGR.
"O principal mecanismo de obtenção de recursos financeiros pelos grupos era por meio do direcionamento de licitações de organizações sociais, mediante a instituição de uma 'caixinha de propina' abastecida pelas OSs e seus fornecedores, e a cobrança de um percentual sobre pagamentos de restos a pagar a empresas fornecedoras do estado", informa a PGR.
Segundo a PGR, também estão envolvidos no esquema de propina membros da Alerj e da Justiça.
"O esquema funcionava da seguinte forma: a Alerj repassava as sobras de seus duodécimos para a conta única do tesouro estadual. Dessa conta única, os valores dos duodécimos 'doados' eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores", afirma a nota da PGR divulgada pela Folha de S.Paulo. O duodécimo é um repasse obrigatório do Executivo aos poderes Legislativo e ao Judiciário.
"Até mesmo o Poder Judiciário pode ter sido utilizado para beneficiar agentes com vantagens indevidas. Um esquema arquitetado por um desembargador do Trabalho beneficiaria organizações sociais do grupo criminoso por meio do pagamento de dívidas trabalhistas judicializadas. Essas OSs, que tinham valores a receber do estado, a título de 'restos a pagar', tiveram a quitação das suas dívidas trabalhistas por meio de depósito judicial feito diretamente pelo governo do Rio."
A investigação da PGR indica que a propina era paga por meio de uma advogada ligada ao desembargador Marcos Pinto da Cruz.
Witzel já havia sido acusado anteriormente de receber pagamentos de valores feitos por empresários ao escritório de advocacia de sua mulher, Helena Witzel.
O ministro do STJ Benedito Gonçalves ressaltou em sua decisão que o escritório de advocacia da primeira-dama recebeu aproximadamente R$ 550 mil do grupo criminoso, entre agosto do ano passado e maio desse ano, mesmo sem ter um único funcionário registrado. “O escritório de advocacia da primeira-dama foi contratado para operacionalizar a prática de corrupção e posterior lavagem de capitais”, ressalta o ministro na decisão.
Segundo o jornal O Globo, a PGR afirma que esses valores foram desviados por intermédio de quatro contratos simulados. Desses contratos, três foram firmados com empresas do empresário Mario Peixoto (um dos alvos da operação desta sexta). E um deles com uma empresa ligada a Gothardo Lopes Neto, ex-prefeito de Volta Redonda que também é alvo da operação.
Segundo reportagem do jornal O Globo, um dos três braços do esquema de corrupção era liderado justamente pelo empresário Mario Peixoto. Os outros eram comandados, respectivamente, pelo Pastor Everaldo e pelo empresário da área de ensino José Carlos de Melo, pró-reitor administrativo da Universidade Iguaçu (Unig), uma instituição privada da Baixada Fluminense.
Pastor Everaldo estaria envolvido no mesmo esquema que envolvia a contratação de Organizações Sociais em contratos do governo do Rio. Segundo a delação do ex-secretário Edmar Santos, quem efetivamente mandava da área de saúde do governo do Rio era Pastor Everaldo.
Já José Carlos de Melo, por sua vez, estaria ligado a irregularidades em contratos para a oferta de ensino a distância – que cresceu durante a pandemia.
O que Witzel e Pastor Everaldo dizem
O governador afastado Wilson Witzel fez um pronunciamento na sede do governo em que disse que "governadores são vítimas do possível uso político da PGR [Procuradoria-Geral da República], que quer desestabilizar os estados com investigações rasas". Witzel ainda questionou a atuação da procuradora Lindôra Araújo, chefe da Lava Jato na PGR. "Por que não se faz, como em qualquer outro Ministério Público, a distribuição e não o direcionamento para um determinado procurador?", questinou.
A defesa de Witzel também se manifestou em nota. Disse que "recebe com grande surpresa a decisão de afastamento do cargo, tomada de forma monocrática [individual] e com tamanha gravidade". Informou ainda que os "advogados [de Witzel] aguardam o acesso ao conteúdo da decisão para tomar as medidas cabíveis".
Em nota, a assessoria do presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, informou que ele "sempre esteve à disposição de todas as autoridades e reitera sua confiança na Justiça".
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