O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), postou em seu perfil no Twitter, às 18h12 de segunda-feira (4), uma mensagem em que falava de sua participação no evento WTM London, uma feira internacional na capital britânica sobre turismo. Às 19 horas, a postagem tinha 24 respostas. Apenas três falavam sobre turismo. Do restante, a quase totalidade era para chamar o governador de “traíra” ou adjetivos similares.
O teor das mensagens é um exemplo de como está a imagem de Witzel perante o eleitorado do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Os dois políticos são de direita e defendem bandeiras similares para áreas como segurança e costumes. Mas a afinidade entre eles se rompeu a partir de setembro e, quando ainda se cogitava uma conciliação, a eclosão de novas informações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol) enterrou de vez a possibilidade de uma aproximação.
Bolsonaro atribuiu a Witzel o vazamento à imprensa das investigações sobre o crime que citaram uma suposta conexão entre ele e o caso – o porteiro do condomínio onde mora o presidente e também um dos acusados pelo homicídio teria dito que o “seu Jair” autorizou a entrada de outro suspeito pelo assassinato. A informação motivou uma reportagem da TV Globo, veiculada na última terça-feira (29), que acabou desmentida pelo Ministério Público do Rio. A tentativa de associar Bolsonaro ao assassinato de Marielle despertou a ira dos bolsonaristas.
O presidente foi categórico ao citar a possível responsabilidade de Witzel no episódio: “quem está por trás disso? Eu não tenho dúvida: governador Witzel”, afirmou à imprensa no sábado (2). Bolsonaro relatou ainda ter sabido, pelo governador, da possível menção ao seu nome no dia 9 de outubro, durante uma solenidade em que ambos participaram.
O presidente chegou a dizer que Witzel seria “amiguinho” do delegado responsável pelas investigações, o que motivou críticas de instituições representativas da categoria. Bolsonaro falou também que Witzel está com “sonho e obsessão” de se tornar presidente da República.
O governador nega as acusações. Witzel disse que “jamais vazou” qualquer tipo de informação e que as primeiras declarações fortes de Bolsonaro, emitidas pelo presidente ainda na Ásia, eram resultado de fortes emoções. Nos últimos dias, o governador acionou seu gabinete de segurança institucional para investigar a autoria de uma montagem em vídeo que circula na internet acusando Witzel de agir para derrubar Bolsonaro.
Antigos aliados rejeitam governador
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) apoiou Witzel na eleição de 2018. Ele era um dos candidatos que esteve ao lado do hoje governador naquele ato em que foi exibida uma placa quebrada que trazia o nome da vereadora Marielle. Para o parlamentar, as chances de reaproximação entre Witzel e os bolsonaristas hoje são quase nulas.
“Nada na vida é irreversível. Mas podemos dizer que hoje não há o menor espaço para diálogo”, disse o deputado à Gazeta do Povo. Para Silveira, Witzel “não soube pesar” seus posicionamentos e as críticas que vêm recebendo nas redes sociais são fruto deste contexto: “para cada ação, há uma reação”.
Outro antigo parceiro de Witzel que hoje rejeita o governador é o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ). O deputado é do mesmo partido de Witzel, mas já anunciou que deixará a legenda e migrará para outra sigla, pela qual deve ser candidato à prefeitura do Rio de Janeiro no próximo ano.
Em entrevista ao canal Terça Livre, Otoni disse que “Witzel tem sede de poder”. O deputado afirmou que o governador foi lançado candidato às pressas pelo PSC: “não deu tempo para a gente conhecer quem era o Wilson”. Otoni, na entrevista, não qualificou Witzel de traidor. “Eu creio que ele não é um traidor, e sim um aproveitador. Porque ele nunca acompanhou o pensamento da direita”, declarou.
Otoni ainda disse que Witzel tem utilizado uma réplica da faixa presidencial em reuniões privadas. “Ele coloca a faixa e começa a arrotar arrogância”, afirmou. Segundo o deputado, o presidente Bolsonaro “nunca confiou” em Witzel. “Ele nunca quis tirar uma foto com o Wilson. Apenas liberou os filhos”, disse.
Desavença começou em setembro
A parceria entre Witzel e Bolsonaro começou a se romper em setembro, após o governador conceder entrevista à Globonews em que deu duas declarações que desagradaram os bolsonaristas. Uma foi a de que tinha o interesse em ser o próximo presidente da República. Embora Bolsonaro tenha dito no período eleitoral que não pretendia ser candidato novamente, outras manifestações indicaram ideias no sentido oposto e a fala de Witzel foi interpretada como se ele estivesse se lançando como adversário.
A outra declaração controversa foi a que Witzel disse não atribuir a Bolsonaro sua vitória na eleição de 2018. Segundo o governador, o presidente não indicou, em nenhum momento, qual era seu candidato na disputa pelo governo fluminense, e por isso os méritos pela conquista eram do próprio Witzel.
De fato, Bolsonaro optou pela neutralidade em uma corrida que contou também com nomes como Eduardo Paes (DEM) e Romário (Podemos). Mas Witzel viu um crescimento vertiginoso em seus números – passou de desconhecido a líder do primeiro turno em questão de horas – após desenvolver agendas em conjunto com Flávio Bolsonaro, filho do presidente e então candidato ao Senado.
Quando as falas vieram à tona, Flávio conduziu o rompimento entre PSL e PSC no âmbito local – o senador é o presidente do seu partido no Rio de Janeiro. O diagnóstico da época, porém, era de que a briga não iria adiante. Membros de PSC e PSL entendiam que os grupos precisavam um do outro e que a ruptura não faria bem para nenhum dos lados.
De lá até os dias atuais, entretanto, muitas coisas mudaram. O PSL passa por uma crise que deve culminar com a saída de Bolsonaro do partido, segundo o próprio presidente. E o caso Marielle transformou críticas internas em declarações fortes à luz do dia.
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