A Operação Tris in Idem, deflagrada nesta sexta-feira (28) e que afastou Wilson Witzel (PSC) do cargo de governador do Rio de Janeiro, marca o que pode ser o fim de uma meteórica trajetória política de um outsider que prometia acabar com a corrupção, mas que agora é acusado de estar envolvido num grande esquema de desvios de recursos públicos.
Eleito com a promessa de “enquadrar corruptos”, o ex-juiz federal Wilson Witzel é suspeito de participar de um suposto esquema de corrupção envolvendo a instalação de hospitais de campanha para combate ao novo coronavírus no Rio de Janeiro. Na decisão em que decretou o afastamento de Witzel, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves afirmou que o governador comandava uma “sofisticada organização criminosa”.
Witzel foi uma surpresa nas eleições de 2018 para o governo do estado. Ele começou a disputa com 1% das intenções de voto, em agosto daquele ano. Dois meses depois, terminou o primeiro turno com 41% dos votos, isolado em primeiro lugar. No segundo turno turno, venceu Eduardo Paes (DEM).
Além de Paes, o ex-juiz deixou para trás importantes figuras políticas do estado na disputa, como o senador Romário (Podemos) e o ex-governador Antony Garotinho, que acabou sendo impedido pela Justiça Eleitoral de concorrer. Até a véspera da eleição, as pesquisas mostravam que o segundo turno seria disputado entre Paes e Romário, mas Witzel passou os dois na reta final.
Entre as promessas de Witzel estavam “enquadrar os corruptos” e dar carta branca para a polícia atirar em criminosos. Quando ainda era candidato do PSC, ele esteve no ato em que bolsonaristas quebraram uma placa em homenagem a vereadora Marielle Franco (Psol). Ela foi assassinada em março de 2018 e o crime ainda não foi solucionado.
Após romper com Bolsonaro, Witzel alega perseguição política
Entre as explicações para a rápida ascensão de Witzel durante a campanha ao governo do Rio está a aproximação dele com o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro – que também defendia a agenda anticorrupção. Filho do presidente, o hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) chegou a fazer aparições públicas com Witzel durante a campanha.
Já eleitos, Witzel e Bolsonaro romperam a parceria das urnas. Witzel anunciou que gostaria de ser candidato à Presidência em 2022; e o presidente passou a se contrapor ao governador.
A crise causada pela pandemia do novo coronavírus acelerou a ruptura. Em maio, Witzel já havia sido alvo da Operação Placebo. A Polícia Federal realizou buscas em endereços ligados ao governador. O episódio levantou a suspeita de que bolsonaristas teriam tido informações prévias da PF a respeito das investigações contra Witzel e que Bolsonaro poderia estar interferindo na Polícia Federal para obter informações de aliados.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) afirmou, um dia antes da deflagração da ação de maio, que a PF estava prestes a deflagrar operações para investigar irregularidades cometidas por governadores durante a pandemia.
"A gente já teve algumas operações da Polícia Federal que estavam ali, na agulha, para sair, mas não saíam. E a gente deve ter, nos próximos meses, o que a gente vai chamar, talvez, de Covidão ou de não sei qual vai ser o nome que eles vão dar mas já tem alguns governadores sendo investigados pela Polícia Federal", disse a parlamentar. Bolsonaristas argumentavam à época que investigações de corrupção não saíam do papel por causa do ex-ministro da Justiça Sergio Moro – que deixou o cargo em abril acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF.
Na ocasião, Witzel alegou perseguição política. Ele disse estranhar o fato de deputados bolsonaristas terem conhecimento das investigações da PF.
“Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará”, disse Witzel. Ele ainda afirmou que "a interferência anunciada pelo presidente da República [na PF] está devidamente oficializada".
O ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitou ao Ministério Público Federal a apuração sobre o suposto vazamento da operação de maio.
Witzel é alvo de processo de impeachment
Em junho, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) abriu um processo de impeachment contra Witzel. O principal argumento do pedido de afastamento do governador é justamente as suspeitas de corrupção na área da saúde pela qual ele foi afastado do cargo nesta sexta-feira (28). A decisão de abrir o processo foi unânime na Alerj e contou com o voto inclusive de aliados do governador.
Em julho, atendendo a um pedido da defesa do governador, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, dissolveu a comissão especial da Alerj que conduzia o processo de impeachment do ex-juiz.
A defesa de Witzel questionou o rito usado pela Alerj para conduzir o processo e argumentou que houve descumprimento de jurisprudência criando uma comissão especial sem votação e sem proporcionalidade de partidos.
Toffoli determinou que outra comissão seja constituída, seguindo a proporcionalidade de representação dos partidos políticos e blocos parlamentares e que haja votação plenária dos nomes, ainda que o escrutínio seja simbólico.
O caso agora é relatado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, que ainda não tomou uma decisão sobre o caso.
Política de segurança polêmica
A postura de Witzel na gestão da segurança pública do Rio de Janeiro merece um capítulo à parte na trajetória política do governador.
Recentemente, o STF decidiu impor limites à política de segurança pública de Witzel de forma permanente.
O relator do caso, Edson Fachin, votou para limitar o uso de helicópteros nas ações policiais apenas para os casos de extrema necessidade. Fachin também quer que o estado do Rio oriente seus agentes de segurança e profissionais de saúde a preservar todos os vestígios de crimes cometidos em operações policiais, com o objetivo de evitar a remoção indevida de cadáveres e o descarte de peças e objetos importantes para investigações.
A decisão foi tomada em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pelo PSB em 2019, logo após a morte da menina Ágatha Félix. Com 8 anos, ela foi atingida nas costas por um disparo feito pela PM em uma favela do Rio de Janeiro.
O PSB argumentava na ação que o governador estimula o conflito armado e “expõe os moradores de áreas conflagradas a profundas violações de seus direitos fundamentais”.
“Ao assumir o governo do estado em janeiro de 2019, a atual chefia do Poder Executivo deu continuidade ao trabalho de segurança pública que vinha sendo empreendido pelo Exército e foi além: adotou a política de tolerância zero com meliantes que ameaçam o direito de ir e vir da população com armas de grosso calibre. Isso não é violar, com o respeito devido, preceito fundamental da Constituição Federal de 1988”, argumentou Witzel ao STF.
Essa política de segurança já havia sido anunciada na campanha eleitoral. “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”, disse Witzel em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ele também afirmou: “Está de fuzil? Tem de ser abatido”.
Em agosto do ano passado, já como governador, Witzel comemorou a ação da polícia que terminou com a morte de um sequestrador na Ponte Rio-Niterói. O governador foi ao local de helicóptero, abraçou os policiais e vibrou com a ação dos agentes de segurança.
O sequestrador anunciou o sequestro do ônibus da linha 2520D da Viação Galo Branco, que saiu do Jardim Alcântara, em São Gonçalo, em direção a Estácio, na região central do Rio. Depois de quase duas horas de negociação, o sequestrador não fez nenhuma demanda específica para liberar os reféns. Por volta das 9h da manhã, ele desceu do ônibus, jogou um casaco para os policiais e, quando ia subir a escada da porta de entrada do veículo, foi atingido por tiros disparados por atiradores de elite posicionado em cima de caminhões de bombeiros. Três atiradores estavam posicionados para a ação.
Perfil de Witzel antes de entrar para a política
Ex-titular da 6.ª Vara Federal Cível, o juiz Wilson Witzel deixou a magistratura em março de 2018, mesma data em que se filiou ao Partido Social Cristão (PSC). Ele atuou por 17 anos como magistrado, julgando processos criminais em varas do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Witzel também atuou em varas de execução fiscal e foi presidente de turmas recursais do Rio de Janeiro entre 2014/2016.
Nascido em 1968 em Jundiaí (SP), é formado em Agrimensura pela Escola Técnica Estadual Vasco Antonio Venchiarutti, e trabalhou como topógrafo na construção de estradas em São Paulo. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 19 anos após concluir o curso de formação de oficiais da Marinha do Brasil.
Começou a vida pública como 2.º tenente de artilharia do Corpo de Fuzileiros Navais, foi servidor do município no Previ Rio e também defensor público do Estado. Em 2001, ingressou na magistratura. De 2014 a 2016, ele exerceu o cargo de presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes).
*Com informações de Estadão Conteúdo
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