Alexandre de Moraes resolveu consultar PGR antes de decidir sobre desbloqueio| Foto: ROSINEI COUTINHO/STF
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Desde a última sexta-feira (4), antevéspera do primeiro turno das eleições municipais, a rede social X já havia cumprido todas as determinações do ministro Alexandre de Moraes para voltar ao ar no Brasil. Ainda assim, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) postergou a autorização para a plataforma voltar a ficar disponível dentro do país, basicamente por trâmites burocráticos ou razões meramente formais.

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A suspensão do X durante as últimas semanas coincidiu com o período mais quente do primeiro turno da campanha eleitoral. Como mostrou a Gazeta do Povo, o bloqueio prejudicou o debate público sobre as candidaturas em razão do intenso uso do X por formadores de opinião e também pelos eleitores mais engajados. Advogados e marqueteiros avaliaram que a suspensão do X foi inócua para conter a disseminação de “fake news”, um dos motivos apresentados por Moraes.

Na decisão de 30 de agosto, ele escreveu que a recusa do X em cumprir suas ordens de censura levariam à “manutenção e ampliação da instrumentalização do X Brasil, por meio da atuação de grupos extremistas e milícias digitais nas redes sociais, com massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio, antidemocráticos, inclusive no período que antecede as eleições municipais de 2024.”

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“A tentativa da Twitter International Unlimited Company, em colocar-se à margem da lei brasileira, às vésperas das eleições municipais de 2024, demostra seu claro intuito de manter e permitir a instrumentalização das redes sociais, com a massiva divulgação de desinformação e com a possibilidade da nociva e ilícita utilização da tecnologia e inteligência artificial para direcionar, clandestinamente, a vontade do eleitorado, colocando em risco a Democracia, como já fora tentado no Brasil anteriormente e em vários países do Mundo pelo novo populismo digital extremista”, escreveu Moraes na ocasião.

Desde então, a única medida divulgada pelo ministro, relacionada às “fake news” de campanha dentro do X, foi a notificação do então candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) para dar explicações sobre a publicação, na rede, de um documento falso associando seu adversário Guilherme Boulos (PSOL) ao uso de cocaína.

Não havia relação direta com o processo do X, mas como, segundo a Polícia Federal, postagens também foram feitas na plataforma, Moraes acabou entrando no caso, e ainda mencionou a possibilidade de Marçal ter o registro cassado e ficar inelegível em razão desses conteúdos.

Exigências cumpridas pelo X antes do 1º turno

Ainda na manhã da última sexta (4), os advogados da empresa enviaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do processo, o comprovante do pagamento de todas as multas aplicadas por Moraes, que somavam R$ 28,6 milhões. O valor era maior do que o inicialmente cobrado pelo ministro para desbloquear a rede, de R$ 18,3 milhões, referentes a descumprimento de ordens de suspensão de perfis que, segundo ele, expunham delegados da Polícia Federal a ameaças.

Mesmo com o depósito comprovado numa conta da Justiça na Caixa Econômica Federal, Moraes recusou-se a liberar a rede social de forma imediata, como já havia registrado em suas últimas decisões. Primeiro, ele afirmou que o dinheiro deveria ter sido transferido para uma conta vinculada ao processo no STF no Banco do Brasil. O próprio Moraes determinou que a transferência fosse realizada entre os bancos, mas ainda assim pediu uma manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o desbloqueio.

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Só nesta terça-feira (8) veio a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que disse não ter verificado “motivo que impeça o retorno das atividades da empresa”. “Os motivos que justificaram a decisão de 30.8.2024 não mais perduram. As insubmissões anteriormente verificadas foram cessadas”, escreveu o chefe da PGR a Moraes. Só então, o ministro autorizou a volta do X numa decisão de oito páginas, proferida no final da tarde.

Moraes mandou a Anatel adotar as providências para a volta do funcionamento do X, e a expectativa é que isso só ocorra a partir de quarta-feira (9).

A consulta à PGR ocorre, geralmente, quando há uma questão jurídica controversa a ser decidida. Não era o caso envolvendo o X, em que bastava a comprovação documental das exigências feitas por Moraes, e que vinha sendo apresentada pela empresa desde 18 de setembro.

Nesse dia e nos seguintes, os advogados da empresa mostraram ao ministro a suspensão dos perfis censurados – entre eles, do jornalista Paulo Figueiredo Jr, do senador Marcos do Val, do comentarista político Ed Raposo, entre outros – e também a nomeação de uma representante legal da rede social no Brasil – a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, que já havia trabalhado para o X – com “amplos poderes”, e a função de receber as ordens judiciais.

Todas essas exigências já estavam cumpridas no último dia 4. Uma semana antes, Moraes já havia surpreendido os advogados e executivos da empresa ao cobrar uma multa adicional de R$ 10 milhões, pela volta temporária da rede social por dois dias em setembro – a empresa explicou que isso ocorreu de forma acidental, em razão da troca de servidores para atender aos usuários da América do Sul. Ainda assim, a multa foi cobrada porque o ministro enxergou na medida uma tentativa deliberada de burlar o bloqueio. Ele se baseou numa postagem de Elon Musk, dono da rede, e na nota de um colunista de jornal que acusava essa intenção.

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Os advogados do X ainda informaram a Moraes que a empresa iria pagar todas as multas, mas para isso era preciso que o Banco Central desbloqueasse as contas bancárias da plataforma para receber o dinheiro das sedes da empresa no exterior e poder depositar o valor total no Brasil. O bloqueio havia sido determinado por Moraes para recolher, à força, multas anteriormente impostas. Ele acabou pegando também contas da Starlink, empresa de Elon Musk sem relação com o X.

Vigilância sobre postagens da direita deve continuar

Ainda restará a Moraes o poder de multar, com R$ 50 mil por dia, as pessoas que, durante o período de suspensão, teriam feito “uso extremado” do X. O próprio ministro estipulou a multa, inicialmente para quem usasse “subterfúgios tecnológicos” – como o VPN (Virtual Private Network, tecnologia de segurança para usar servidores fora do país) – para o mero acesso à rede social. A PGR recomendou que a PF levantasse apenas os usuários que postassem, durante a proibição, discursos de “ódio” e “antidemocráticos”, o que deve incluir ofensas ao STF e ao próprio Moraes. A decisão de aplicar a multa, ou não, caberá a ele mesmo.

Com a volta do X ao ar, a expectativa agora é que o ministro mantenha vigilância cerrada sobre as postagens de políticos, militantes e comentaristas de direita que ele já monitorava em seus inquéritos. A diferença é que, agora, o ministro poderá exercer mais pressão pela retirada imediata de suas postagens ou mesmo de seus perfis, sem grande resistência do X.

Desde o fim de 2023, Elon Musk vinha batendo de frente com Moraes em razão dessas ordens, que o empresário critica e afirma que são ilegais, segundo as próprias leis e Constituição brasileiras.

A orientação agora é nunca ignorar as ordens do ministro, mas não deixar de contestá-las, por meio de recursos, quando os executivos da empresa entenderem que elas ferem de forma desproporcional a liberdade de expressão, bandeira internacional de Musk e diferencial do X em relação a outras plataformas.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]