O ministro do STF Cristiano Zanin| Foto: SCO/STF
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O ministro Cristiano Zanin, ex-advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), completará neste sábado (3) um ano como integrante do Supremo Tribunal Federal (STF). No cargo, cumpriu a expectativa de favorecer o governo em questões econômicas e de gestão da máquina federal que chegaram ao tribunal. Por outro lado, não cedeu a apelos por votos ideológicos em algumas pautas defendidas pela esquerda e pelo PT, que já resistiam à sua indicação pelo presidente Lula, no ano passado.

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A decisão mais importante a favor do Executivo foi a liminar que suspendeu, em abril, a continuidade da desoneração da folha salarial de municípios e de 17 setores produtivos. A medida havia sido aprovada no Congresso e tinha forte oposição da equipe econômica, em razão do interesse em elevar a arrecadação. O pedido para suspender o benefício foi apresentado por Lula e atendido por Zanin em pouco mais de 24 horas.

Nessa decisão, o ministro considerou que a lei que prorrogou a desoneração não atendeu à condição estabelecida na Constituição de que, para a criação de despesa obrigatória, é necessária a avaliação do seu impacto orçamentário e financeiro. Escreveu que cabia ao STF conceder a liminar para “preservar as contas públicas e a sustentabilidade orçamentária”, em razão de “desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal constitucionalizado”.

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O governo calculou que deixaria de arrecadar R$ 15,8 bilhões em 2024 com a desoneração, enquanto o Congresso atendeu ao lobby dos setores beneficiados sob o argumento de preservar empregos. Zanin submeteu a decisão a referendo dos ministros e quatro deles – Flávio Dino, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – concordaram com a suspensão. Em maio, porém, o governo pediu a suspensão da liminar (ou seja, a volta da desoneração), após fazer um acordo com o Congresso. Zanin, novamente, atendeu ao pedido.

Zanin ajudou a desarmar "bombas" fiscais bilionárias

Outra ajuda do ministro ao governo ocorreu na reversão de uma decisão do próprio STF que em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), validou a chamada “revisão da vida toda”. Isso possibilitava a aposentados aproveitar contribuições previdenciárias recolhidas antes do Plano Real, de 1994, para calcular os valores de seus benefícios.

A União estimava um impacto de R$ 480 bilhões com essa decisão. No julgamento de outra ação sobre o tema, em março deste ano, Zanin propôs a aplicação obrigatória de uma regra aprovada em 1999, que estabelecia um regime de transição para contribuições anteriores a 1994. A maioria seguiu esse entendimento e impediu, com isso, a explosão de uma bomba fiscal para o atual governo.

Mais uma mão de Zanin ao governo veio em junho, quando ele votou contra a mudança no cálculo de correção do FGTS, de 3% mais TR (Taxa Referencial) para 6,17% ao ano mais TR, como propôs o relator da ação, Luís Roberto Barroso.

Nessa última fórmula, o impacto para o governo passaria dos R$ 661 bilhões. Antes de votar contra, Zanin havia pedido vista, interrompendo o julgamento, o que deu ao governo tempo para negociar com as centrais sindicais uma equação intermediária, que atualizasse os saldos de acordo com a inflação.

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Os votos de Zanin que incomodaram a esquerda e o PT

Na área de costumes, Zanin confirmou, também, a desconfiança da esquerda de que não iria aderir às suas posições, algumas históricas.

No julgamento sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal – sempre tratada pelos progressistas como medida necessária para reduzir o encarceramento, sobretudo de negros e pobres –, Zanin afirmou que não havia nada de inconstitucional na lei que considerava a conduta criminosa.

“A mera descriminalização do porte de drogas para consumo apresenta problemas jurídicos e pode agravar a situação que enfrentamos na problemática do combate às drogas, que é dever constitucional. Não tenho dúvida de que os usuários são vítimas do tráfico e das organizações criminosas ligadas à exploração ilícita dessas substâncias, mas se o Estado tem o dever de zelar por todos, a descriminalização poderá contribuir ainda mais para esse problema de saúde”, afirmou Zanin, em agosto do ano passado.

Ele acabou vencido, ao lado dos ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux. Ainda assim, recebeu críticas dos ativistas de esquerda. “Eu avisei, de progressista Zanin não tem nada e garantismo não vale pra pobre”, postou o advogado e professor Thiago Amparo, conhecido pela defesa da comunidade negra e LGBT.

Ele e outros progressistas também reclamaram de um voto de Zanin contra a equiparação de ofensas a gays, lésbicas, bissexuais, trans, entre outras denominações, ao crime de injúria racial. Como passou a ser atacado, divulgou nota dizendo que dava importância ao tema, mas que não poderia acatar a tese por razões processuais.  

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“O mérito do julgamento não poderia ser alterado por embargos de declaração, que servem apenas para esclarecer omissão, obscuridade, contradição ou erro material no julgado”, afirmou, em referência ao tipo de recurso que pedia a equiparação. A maioria dos ministros entendeu diferente e, por 9 votos a 1, transformou as ofensas em crime.

Em outro caso marcante, Zanin foi criticado por não receber uma ação da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) que denunciava supostas práticas de violência da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra indígenas da etnia Guarani-Kaiowá. A maioria dos ministros aceitou a ação, exceto Zanin, Gilmar Mendes, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.

Ex-advogado de Lula e um dos principais opositores da extinta Operação Lava Jato, Zanin manteve o viés garantista em assuntos criminais. Votou, por exemplo, a favor da implementação do juiz de garantias – um novo magistrado que, nas investigações que tramitam na primeira instância, deve zelar pelos direitos dos alvos, sem julgar o caso no final.

A medida, aprovada no Congresso, foi rechaçada pela parcela da comunidade jurídica que defende a efetividade das punições criminais. Eles entendem que a nova figura judicial pode complicar ainda mais o processo penal.

Ainda assim, foi criticado por criminalistas progressistas por ter votado, no ano passado, contra a conversão da pena de um homem condenado pelo furto de itens avaliados em R$ 100. Em casos assim, o STF costuma aplicar o “princípio da insignificância” e, no processo em questão, a maioria dos ministros acolheu o recurso e concedeu uma pena mais branda ao criminoso.

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Apesar das críticas, Zanin tem apoio no STF

Atualmente, mesmo com essas críticas, Zanin tem apoio dentro do STF – é unânime entre os ministros o respeito pela qualidade técnica dos votos, bem como à polidez e postura amigável do colega –, mas também de advogados lulistas com ações na Corte.

“Ele mostrou que tinha todas as credenciais para receber a honrosa indicação do presidente da República e já está figurando como um dos grandes ministros da Suprema Corte do país, enfrentando com absoluta solidez temas dos mais variados tipos e espécies. Merece nosso reconhecimento e nosso aplauso”, diz o coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho.

Antes da indicação de Zanin para o STF, parte desse grupo, que reúne advogados progressistas e anti-Lava Jato, defendia outros nomes para a vaga deixada por Ricardo Lewandowski.