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O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça pediu vista do processo que pode descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal no Brasil quando o placar estava 5 votos a 1 a favor da descriminalização.
Com o pedido de vista, o julgamento é paralisado para que o ministro tenha mais tempo para analisar o caso. Segundo o regimento interno da Corte, ele terá até 90 dias para analisar os autos. Após este período, o processo volta para a pauta de julgamentos.
Antes do voto de Mendonça, Cristiano Zanin votou contra a descriminalização da maconha para uso pessoal. “A mera descriminalização do porte de drogas para consumo, na minha visão, apresenta problemas jurídicos e ainda pode agravar a situação que enfrentamos nessa problemática do combate às drogas. A descriminalização, ainda que parcial das drogas, poderá contribuir ainda mais o agravamento desse problema de saúde”, acrescentou”, afirmou Zanin.
“Pelos dados que disponho, noto que os países que optaram pela descriminalização do uso de drogas editaram leis específicas para disciplinar conjuntamente a forma de aquisição de tais substâncias”, complementou. Zanin defendeu que a legislação questionada no caso é a única a conter “parâmetros relativamente objetivos para diferenciar, na atualidade, a situação do usuário do traficante”.
Mesmo com o pedido de vista, a ministra Rosa Weber, que conduzia a sessão, decidiu antecipar seu voto, no sentido da pró-descriminalização. Ela informou que estava inclinada a acompanhar o voto inicial de Gilmar Mendes, que ampliava a descriminalização para outras drogas, mas que achou adequado restringir-se apenas à maconha.
Rosa Weber ainda pediu aos ministros Kassio Nunes Marques e Luiz Fux que antecipassem seus votos mesmo com o pedido de vista já solicitado – assim, caso um dos ministros acompanhasse o relator já seria possível formar maioria pró-descriminalização mesmo com o pedido de vista. Mas os dois não quiseram apresentar seus posicionamentos sobre o tema antecipadamente.
A Corte retomou o julgamento em questão nesta quinta-feira (24). Com a antecipação de voto de Rosa Weber, o placar está em 5 votos favoráveis à liberação e 1 contrário. No início da sessão, Gilmar Mendes ajustou seu voto para acompanhar o entendimento dos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes, que já haviam votado pela descriminalização apenas da maconha para uso pessoal.
Se confirmada a descriminalização, STF irá na contramão de entidades médicas, que apontaram graves riscos
Na última quinta-feira (17), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) se manifestaram de forma contrária à descriminalização da maconha no Brasil. As entidades sustentaram que a descriminalização da maconha resultaria no aumento do consumo e no prejuízo à saúde tanto individual quanto pública, além de fortalecer as atividades do narcotráfico. Ambas as instituições apontaram riscos consideráveis associados ao consumo da droga, mesmo sob pretexto "medicinal".
Segundo as entidades, a maconha “causa dependência gravíssima, com importantíssimos danos físicos e mentais, inclusive precipitando quadros psicóticos (alguns não reversíveis) ou agravando sintomas e a evolução de padecentes de comorbidades mentais de qualquer natureza, dificultando seu tratamento, levando a prejuízos para toda a vida”.
O CFM e a ABP destacaram, ainda, que não há precedentes históricos ou evidências científicas que apoiem os benefícios da legalização de substâncias ilícitas. “Pelo contrário, é nos países com maior rigor no enfrentamento às drogas que há diminuição do número de casos de dependência química e de violência relacionada ao consumo e tráfico dessas substâncias”, declararam.
Comunidades terapêuticas que tratam dependentes químicos também se manifestaram ao STF contra a medida. Em junho, um grupo de 11 dessas entidades enviou ao Supremo uma série de estudos recentes, ligados a centros de pesquisa de várias partes do mundo, mostrando efeitos adversos de políticas de descriminalização adotadas em outros países.
Parlamentares da oposição se posicionaram contra a descriminalização
Nos últimos dias, deputados e senadores à direita, que fazem oposição ao governo Lula, posicionaram-se contra a eminente decisão do Supremo pela descriminalização da droga. Em coletiva de imprensa na tarde desta quarta-feira, parlamentares da bancada conservadora criticaram a forma “açodada” com que o STF estaria conduzindo um assunto que deveria ser debatido e votado no Congresso Nacional.
À Gazeta do Povo, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) considerou “gravíssima” a tentativa do STF de descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. “É um tema que atinge tanto a população numa escala tão gigantesca provocando perda de vidas e destruição de famílias. Pessoas que não têm nada a ver com a droga morrem em decorrência de usuários. Vamos legalizar isso?”, disse. “A boca de fumo não vende no atacado, ela vende no varejo em pequenas quantidades, então não vai prender mais ninguém. Então é muito grave”, complementou.
Na terça-feira (22), o senador Magno Malta (PL-ES) declarou que “descriminalizar a maconha é um ataque direto às famílias que sofrem cuidando de um viciado”. Ao fazer clara referência à forma controversa como o STF tem tratado temas como drogas e censura, o senador disse ser “no mínimo curioso que as instituições brasileiras achem as redes sociais mais perigosas do que uma droga que é produzida e vendida pelo narcotráfico”.
“Descriminalizar a maconha é um ataque direto às famílias que sofrem cuidando de um viciado. Não assumem a responsabilidade de assistir a essas pessoas, apenas executam uma agenda perversa que já se mostrou muito danosa em diversos países”, escreveu o senador em seu perfil na rede social X, antigo Twitter.
Tolerância sem precedentes
Como mostrado pela Gazeta do Povo, há um crescimento sem precedentes na criação de obstáculos ao combate ao tráfico de drogas no Brasil por parte do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma série de decisões recentes proferidas pelas duas Cortes demonstram maior tolerância ao tráfico de drogas. Entre as decisões estão a anulação de provas diversas de crimes de tráfico e a soltura de criminosos condenados, alguns deles líderes de facções.