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Ideologia e práticas de Lula têm por base as da antiga União Soviética, dizem analistas corroborando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Ideologia e práticas de Lula têm por base as da antiga União Soviética, dizem analistas corroborando o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.| Foto: Karol Santos/ PT Brasil

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou nesta semana que o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "vive as narrativas da União Soviética". Ele criticava o apoio do Brasil ao ditador Vladimir Putin em uma entrevista ao apresentador de TV Luciano Huck que foi publicada na terça-feira (27) pelo jornal O Globo. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo disseram que a avaliação do ucraniano está correta, não apenas em relação à política externa do Brasil, mas também ao apontar a influência que o ultrapassado modelo soviético ainda exerce no pensamento do petista.

"Ele [Lula] pensa na Rússia como se hoje ainda existisse a União Soviética", disse Zelensky na entrevista. O presidente ucraniano também criticou o alinhamento do Brasil a outras ditaduras: China, Irã e Coreia do Norte.

Segundo o senador Eduardo Girão (Novo-CE), o alinhamento ideológico de Lula, do PT e de seus aliados de esquerda com a ex-União Soviética é antigo e passa principalmente pelo regime de Cuba, que foi o principal país aliado da URSS na América Latina. "O alinhamento com a Rússia apenas ficou mais evidenciado com a vergonhosa posição favorável ao ditador Putin na guerra contra a Ucrânia", disse o senador.

O consultor independente Antônio Flávio Testa concorda que Lula mantém essa ideologia, inclusive aquela instaurada pelas ditaduras latino-americanas mantidas pelo antigo regime soviético. “O PT, o Foro de São Paulo e seu líder maior, Zé Dirceu, sonham em instalar o modelo cubano no Brasil”, enfatiza.

Mas o regime de Putin está hoje muito mais alinhado com a mentalidade do império russo (1721-1917) do que com a ex-União Soviética, que apoiou a esquerda da América Latina, segundo o analista de riscos Nelson Ricardo Fernandes Silva, da ARP Consulting. "Hoje em dia na Rússia ninguém está interessado em fazer revolução ou mudar o status quo da classe trabalhadora. Um exemplo disso é a religião ortodoxa, que não era tolerada na União Soviética e hoje tem posição de destaque", afirmou.

Em um ensaio entitulado "Sobre a unidade histórica entre russos e ucranianos" publicado em 2021, Putin lançou as bases teóricas para a invasão da Ucrânia. Usando argumentos históricos falsos, ele defende que territórios que pertenciam ao império russo no século 17 e foram desmembrados pela URSS em repúblicas soviéticas deveriam ser restituídos à Rússia moderna. Putin é um grande crítico do "desmembramento" que restituiu à Ucrânia, por exemplo, a península da Crimeia. Além de mirar a Ucrânia, ele faz referências à Transcarpátia (Rutênia) e à Bessarábia, que hoje fazem parte da Eslováquia, Romênia, Moldávia e Polônia. Analistas ocidentais relacionam esse texto oficial ao imperialismo russo do governo Putin.

O apresentador Luciano Huck assumiu o discurso do governo Lula afirmando a Zelenski que o Brasil se nega a tomar partido na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Mas o presidente ucraniano classificou o posicionamento do governo brasileiro como retórica política. "Não é uma fala honesta. Não é honesta nem conosco nem com o povo brasileiro. Porque todo mundo sabe quem iniciou essa guerra", disse Zelenski a Huck.

Brasil apoiou plano de paz da China que favorece a Rússia

Oficialmente, o Ministério das Relações Exteriores ainda defende que o Brasil mantém uma posição neutra. Contudo, o país assinou neste ano um tratado com a China apoiando o plano de paz de Pequim para o fim da guerra. Esse plano não prevê a devolução dos territórios ucranianos anexados por Moscou e é repudiado pela maior parte da comunidade internacional por levar em conta apenas os interesses da Rússia.

Sobre o plano chinês, Zelensky afirmou: "É apenas uma declaração política, só para dizerem que não estão alheios à guerra, mas é apenas algo no papel".

O deputado federal General Girão (PL-RN) esteve neste mês na Ucrânia em visita oficial. "Eu lamento que o Brasil esteja mudando a postura em relação à diplomacia que sempre foi feita, de não intervenção. E o Brasil com essa postura do presidente Lula (...) quase que se posicionando a favor de um dos lados da guerra, no caso, a favor da Federação Russa. Esse é um posicionamento que a gente tem e que eu espero que a negociação de paz possa voltar a acontecer", disse o General Girão.

O deputado federal Alfredo Gaspar (União-AL) afirmou à Gazeta do Povo que os ucranianos acreditam que Lula e o Brasil não estão do seu lado na guerra. O parlamentar também integrou uma missão oficial da Câmara dos Deputados neste mês para entender a realidade dos brasileiros que residem na região e avaliar o papel do Brasil no processo de paz.

Ele disse que, durante sua viagem, entendeu que os ucranianos esperavam que o Brasil adotasse, no mínimo, uma posição neutra. “A decepção com as atitudes do governo Lula em relação à invasão da Ucrânia, sequestro de crianças e adolescentes, além de estupros de mulheres, é bem latente”, disse o parlamentar.

Gaspar afirmou que o apoio brasileiro à proposta de paz da China foi o que mais contrariou os ucranianos. “Não fala em soberania, integridade territorial, devolução de áreas ocupadas. Acordo bom para o invasor”, concluiu.

Zelensky menciona alinhamento do Brasil com ditaduras

Durante sua conversa com Huck, o presidente ucraniano ainda afirmou que o Brasil, “um grande país democrático”, se alinha a governos não democráticos, como a própria Rússia, a China, a Coreia do Norte e o Irã. Ele disse que isso é normal quando se trata de relações comerciais e econômicas. “Mas estamos falando sobre uma guerra, não é sobre relações econômicas. É sobre geopolítica, é sobre valores, é sobre pessoas. É sobre democracia, propósito e liberdade”, disse Zelensky.

O analista político Fidelis Fantin afirma que a avaliação de Zelensky faz todo sentido. Na visão dele, Lula por vezes demonstra inclinação a ideias autoritárias.. “Combina com Rússia, China, Irã e Venezuela. É com esses ditadores que ele tem afinidade”, afirmou.

Mas os analistas Antônio Flávio Testa e Nelson Ricardo Fernandes Silva fizeram uma ressalva ao entendimento de Zelensky sobre o cenário preocupante do regime brasileiro, que o ucraniano classificou como “grande país democrático”. Na opinião deles, o Brasil é visto internacionalmente como uma democracia, mas internamente há o entendimento de que esse status quo é ameaçado por ações de censura, decisões arbitrárias do Judiciário e do Executivo, entre outros fatores.

Nesse sentido, um questionamento deixado pelo líder ucraniano, também poderia ser visto como mera retórica. Ao comentar o alinhamento do Brasil com Rússia, China, Irã e Coréia do Norte, Zelensky pergunta se o "Brasil vai engolir esses quatro aliados ou esses quatro aliados vão engolir o Brasil?". Ou seja, se a democracia brasileira teria fôlego e força suficientes para influenciar essas nações, ao invés de ser influenciada por esses regimes ditatoriais.

Narrativa da União Soviética permanece na ideologia de Lula

O cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira afirma que Lula de fato “tem uma cabeça, constituída no século 20, quando ainda existia a União Soviética”. Ele destaca que essa formação ocorreu devido a leituras marxistas-leninistas que trazem temas como a ditadura do proletariado e a ideia de que a União Soviética era um marco, um avanço no processo dos direitos dos trabalhadores.

Apesar do baque sofrido nos anos 90, com a queda da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), alguns partidos de esquerda atualizaram seus dogmas. Cerqueira cita, por exemplo, que legendas como o PCB se aproximaram da social-democracia e da centro-esquerda, deixando de existir e formando outras legendas.

O PT de Lula pareceu seguir esse caminho, mas retroagiu especialmente depois do impeachment da ex-presidente DIlma Rousseff. Também no sentido inverso, o PCdoB, que manteve a linha stalinista, não se atualizou. O cientista político lembra que o partido é um grande parceiro do Lula e, inclusive, o atual ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino já foi militante da legenda por anos.

“Então a ideologia política do Lula é essa ideologia ligada à ideia da luta de classes. Essa ideia de um Estado que liberta os trabalhadores, de um Estado que é pesado, de um Estado que é interventor, de um Estado socialista”, afirmou.  

O cientista político Valdir Pucci afirma que o PT, assim como outros partidos de inspiração socialista ou comunista, nasceu antes da queda da antiga União Soviética. Ou seja, o partido foi criado dentro da conjuntura na qual o mundo era “dividido” entre um lado comunista e socialista, da Cortina de Ferro, que reunia os países alinhados à União Soviética, e o mundo livre ocidental, como eram chamadas as democracias que tinham os Estados Unidos como líder. O Brasil se inseria nesse bloco ocidental.

Pucci ainda destaca que a visão política de Lula e do PT é de que o modelo comunista ou socialista é o melhor, tendo por base o Estado forte e interventor, haja visto o apoio do Brasil à Venezuela, por exemplo. Segundo ele, o PT ainda traz no seu DNA e, portanto, na sua gênese, muito desta ideia de que um país só pode evoluir sob a mão forte do Estado, que deve ser o interventor na economia para garantir o desenvolvimento econômico e social, por meio da redistribuição de renda.

“Esse DNA, ele continua muito forte dentro do PT, aí uma influência desse pensamento soviético, vindo da expansão e do crescimento econômico da União Soviética no século 20”. Ainda assim, como partido, o PT teria se inspirado mais no Solidariedade da Polônia, de origens sindicalistas, do que no Partido Comunista da União Soviética.

Fala de Zelensky não deve trazer repercussões para o Brasil

Segundo Testa, tirando “o amor do Lula e do PT por ditaduras”, na realidade, o que move as nações são interesses comerciais e geopolíticos. Sob essa ótica, as falas de Zelensky seriam inócuas para a imagem do país e para sua relação com as nações democráticas.

Além disso, o consultor destaca que a Ucrânia, em muitos aspectos, é cria da antiga União Soviética e que, por essa razão, está longe de viver uma democracia pujante, com manipulação em eleições e morte de opositores. Ele afirma que o país ainda sofre muita ingerência interna da Otan, além dos resquícios das práticas soviéticas. “Não existe liberdade de expressão de fato”, afirmou.

Outro ponto destacado é que até mesmo democracias tradicionais como os Estados Unidos e a França se veem com governos que estão avançando cada vez mais sobre as riquezas nacionais. E que esses governos também contam com a cooperação “submissa” do Planalto.

“Nos EUA, grande símbolo da democracia, vimos que é controlado por oligarquias financeiras e que matam opositores, desde sempre”, afirmou em referência à tentativa de assassinato sofrida pelo candidato à presidência Donald Trump. Os regimes mais democráticos, na sua visão, seriam de alguns países escandinavos e de outras partes da Europa.

Fidelis Fantin também destaca que, apesar do progressismo existente na Europa e que acaba por levar junto a Ucrânia, os países europeus ainda são muito mais democráticos que o eixo de ditaduras que Zelensky relacionou ao Brasil – China, Coreia do Norte e Irã.

Neutralidade retórica de Lula é alvo de ataque de ditadores latino-americanos

Ainda que alinhado a regimes ditatoriais, Lula adota retórica democrática em seu dia a dia. Mas, da mesma forma que sua posição dúbia foi contestada por Zelensky, ditadores latino-americanos também têm criticado o presidente brasileiro.

Na segunda-feira (26), o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, afirmou que Lula era um “bajulador” dos EUA, por pedir que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela divulgue as atas de votação que, segundo o colegiado, comprovariam a vitória de Nicolás Maduro na eleição presidencial venezuelana de 28 de julho.

“Se você quer que eu te respeite, me respeite, Lula, se você quer que o povo bolivariano [venezuelano] te respeite, respeite a vitória do presidente Nicolás Maduro. Não seja bajulador”, afirmou Ortega.

Ao contrário do que colocou Ortega, que esperava um apoio aberto do mandatário brasileiro à suposta reeleição do ditador venezuelano, Cerqueira avalia que, ao reiterar o pedido pelas atas, Lula acaba por apoiar o processo eleitoral na Venezuela que é “claramente viciado”. 

O cientista político explica que o regime de Maduro é típico da antiga escola da extrema esquerda do século 20, o que o aproxima do governo Lula. Cerqueira ainda avalia que, esse tipo de alinhamento, assim como os colocados por Zelensky, corroboram a visão de que a política externa brasileira está perdendo “um ar de ser neutra, equilibrada e pragmática". 

Ao contrário, estaria assumindo um contorno mais ideológico e, portanto, mais "enviesado”, o que não deixa de prejudicar a presença diplomática do Brasil em todo o mundo. Ou, como afirmou o deputado Alfredo Gaspar, "mais uma vez, a política externa de Lula toma o bonde para o lado errado da história".

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