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Concluí nesta quarta a coluna semanal que escrevo para a revista Oeste, e o tema foi a visão revolucionária jacobina do ministro Barroso. Hoje, ao acordar, deparo-me com um texto de vossa excelência publicado na revista Direito e Práxis, e reproduzido no site Conjur. Cada linha exala arrogância e comprova minha tese.

Alguns acham que Barroso é cínico, mas esse seria o cenário menos pior. A alternativa mais assustadora é se ele for um jacobino mesmo, alguém imbuído da crença sincera de que fala em nome do Bem e do Progresso, e que pretende "empurrar a história" nesta direção.

Mesmo quando Barroso era elogiado por alguns direitistas por conta de sua postura "lavajatista", eu sempre mantive os dois pés atrás. Cheguei a compara-lo ao PSOL do STF, enquanto Gilmar Mendes, que já bateu boca com Barroso e foi chamado de "pessoa horrível" pelo colega, seria uma espécie de MDB ou PSDB lá dentro. O que assusta mais?

Vamos ao texto do ministro, sobre o populismo, o autoritarismo e a "resistência", tudo isso sem sequer uma autocrítica diante de um espelho. Para começo de conversa, esses nossos ministros já opinam demais sobre política, o que considero bastante inadequado. Mas a única vantagem disso é que permitem uma análise sobre suas visões de mundo. No caso de Barroso, é algo bem assustador. Vejamos:

Nada obstante, a maior parte das democracias do mundo reserva uma parcela de poder político para um órgão que não é eleito, mas que extrai sua legitimidade da competência técnica e da imparcialidade. Trata-se do Poder Judiciário, em cujo topo, no caso brasileiro, está o Supremo Tribunal Federal. Desde o final da 2ª Guerra Mundial, praticamente todos os Estados democráticos adotaram um modelo de supremacia da Constituição, tal com interpretada por uma suprema corte ou por um tribunal constitucional, encarregados do controle de constitucionalidade das leis e atos do Poder Executivo. Foi a prevalência do modelo americano de constitucionalismo, com a superação da fórmula que predominara na Europa, até então, que era a supremacia do Parlamento. 

Em primeiro lugar, o Poder Judiciário é ocupado por gente técnica e imparcial na teoria apenas. Na prática, sabemos que existem muitas indicações políticas, especialmente no STF, e que os "pais fundadores" dos Estados Unidos, reconhecendo tal risco, sempre se preocuparam com o mecanismo de freios e contrapesos. Ou seja, cabe ao Senado a sabatina séria para filtrar os incapazes ou parciais demais, e depois o poder de, eventualmente, retirar os juízes que abusam de seu poder por meio do impeachment. A Constituição é soberana, não necessariamente a Corte Suprema, que deve ser guardiã da Carta Magna, mas não goza de elasticidade infinita para sua "hermenêutica", ou seja, para interpretar leis de forma a, na prática, criá-las!

Cabe a essas cortes e tribunais protegerem as regras do jogo democrático e os direitos de todos contra eventuais abusos de poder por parte da maioria, bem como resolver impasses entre os Poderes. Em muitas partes do planeta, elas têm sido um importante antídoto contra o autoritarismo.

Barroso ignora o risco de quando a própria Corte Suprema abusa desse poder, que é exatamente o que temos visto no Brasil. Ruy Barbosa já alertava para a pior tirania de todas, do Poder Judiciário, pois não há a quem recorrer. E quando, em vez de antídoto ao autoritarismo, a própria Corte Suprema se mostra autoritária, desrespeita as leis, persegue opositores políticos? Pois é...

Além disso, a democracia é feita de um debate público contínuo, que deve acompanhar as decisões políticas. Um debate aberto a todas as instâncias da sociedade, o que inclui movimentos sociais, imprensa, universidades, sindicatos, associações, cidadãos comuns, autoridades etc.

Mais uma vez, a teoria é bonita, mas e a prática? Como anda a liberdade de expressão no Brasil? O debate é mesmo aberto a todos, ou há censura prévia, controle em nome do combate às "mentiras" e ao "discurso de ódio", com claro viés de calar o espectro conservador?

Em seguida, paulatinamente, vêm as medidas que pavimentam o caminho para o autoritarismo: concentração de poderes no Executivo, perseguição a líderes de oposição, mudanças nas regras eleitorais, cerceamento da liberdade de expressão, enfraquecimento das cortes supremas com nomeação de juízes submissos e expurgo dos independentes, novas constituições ou emendas constitucionais com abuso de poder pelas maiorias, inclusive para ampliação do período de permanência no poder, com reeleições sucessivas.

Concentração de poderes no Executivo, de fato, é sempre uma ameaça, por isso é importante descentralizar esse poder por meio do federalismo. Mas e a concentração de poderes no STF? Não é uma ameaça? Hoje, no Brasil, quem tem demonstrado mais poder? Basta pensar na quantidade absurda de interferências supremas indevidas basicamente inviabilizando o governo Bolsonaro em várias áreas, não porque são medidas inconstitucionais, mas porque o atual STF discorda delas! E quem tem sido perseguido, até preso? Não são os bolsonaristas, mesmo quando gozam de imunidade material parlamentar, pelo "crime" de opinião? Quem interferiu no processo legislativo para fazer lobby e impedir mudanças legítimas no processo eleitoral?

Após longa "explanação" sobre populismo, autoritarismo e extremismo, Barroso começa a chegar no alvo claro de todo seu arrazoado teórico:

Como se procurou demonstrar acima, populismo, extremismo e autoritarismo são fenômenos distintos, apesar de eventuais superposições. Ultimamente, porém, têm andado juntos, ameaçando a subsistência de inúmeras democracias. Em casos mais agudos, podem degenerar em fascismo. Episódios como o Brexit, a eleição de Donald Trump e a reação à sua derrota mostram que nem mesmo democracias consolidadas escapam dos vendavais contemporâneos.

O que teve de fascista no Brexit? A eleição de Trump demonstrou mesmo que a democracia americana não escapou de um "vendaval" autoritário? Não foram seus opositores que demonstraram incrível autoritarismo ao longo de todo seu governo para tentar derruba-lo de qualquer jeito, ainda que utilizando o aparato estatal de forma indevida para tanto? Barroso vira sua metralhadora giratória para as redes sociais em seguida:

Anteriormente à internet, a difusão de notícias e de opiniões dependia, em grande medida, da imprensa profissional. Cabia a ela apurar fatos, divulgar notícias e filtrar opiniões pelos critérios da ética jornalista. Havia, assim, um controle editorial mínimo de qualidade e de veracidade do que se publicava. Não que não houvesse problemas: o número de veículos de comunicação é limitado e nem sempre plural, as empresas jornalísticas têm seus próprios interesses e, além disso, nem todos distinguiam, com o cuidado que se impõe, fato de opinião. Ainda assim, havia um grau mais apurado de controle sobre aquilo que se tornava público. A internet, com o surgimento de sites, blogs pessoais e, sobretudo, das mídias sociais, possibilitou a ampla divulgação e circulação de ideias, opiniões e informações sem qualquer filtro. A consequência negativa, porém, foi que também permitiu a difusão da ignorância, da mentira e de atentados à democracia.

Que saudade essa gente tem dos tempos em que havia uma hegemonia esquerdista na imprensa! Era tudo tão mais fácil, não é mesmo? Ninguém precisaria ficar sabendo que o grosso da população rejeita as atitudes arrogantes e autoritárias... do próprio STF! Era bem mais fácil controlar as narrativas e, assim, a "opinião pública". A tentação pela regulamentação se torna evidente no parágrafo seguinte, em que o ministro diz: "Por isso mesmo, em diversas partes do mundo, legisladores e reguladores discutem a melhor forma de exercer o controle da internet, sem comprometer a liberdade de expressão". Sei...

Aproximando-se da conclusão, Barroso começa a soltar mais sua visão esquerdista da sociedade:

Sem mencionar as políticas de austeridade pregadas por organizações internacionais e países com liderança econômica mundial, que reduzem as redes de proteção social. Por fim, as causas culturais identitárias: há um contingente de pessoas que não professam o credo cosmopolita, igualitário e multicultural que impulsiona a agenda progressista de direitos humanos, igualdade racial, políticas feministas, casamento gay, defesa de populações nativas, proteção ambiental e descriminalização de drogas, utilização da ciência como critério informador de políticas publicas, entre outras modernidades. Estas pessoas, que se sentem desfavorecidas ou excluídas no mundo do "politicamente correto", apegam-se a valores tradicionais que lhes dão segurança e o sonho da recuperação de uma hegemonia perdida.

São essas as pautas que esses "alienados" pouco "refinados" terão de engolir, se não quiserem ser rotulados de fascistas pelos "cosmopolitas". Quem não defender o modelo de "Welfare State" e a mentalidade "woke", com suas baboseiras identitárias, será colocado no rol dos atrasados autoritários que flertam com populistas. Barroso já admitiu que pretende "empurrar a história", ou seja, ele considera o papel de guardião da Constituição algo muito comezinho, insignificante, trivial. Não estaria à altura de um ser tão ungido, especial, iluminado e esclarecido como ele.

É por isso que, se tiver de rasgar a Constituição para criar leis e, assim, mostrar aos reles mortais ignorantes e obtusos o caminho do Progresso, Barroso nem pisca os olhos. Ele tem a consciência tranquila dos jacobinos revolucionários, que não tinham dúvidas ou receios nem diante do banho de sangue das guilhotinas. Era tudo redentor demais para a Humanidade. E quem não está disposto a quebrar uns ovos, jamais vai fazer uma bela omelete!

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