Depois da passagem pelo Japão, o presidente Jair Bolsonaro chegou a Pequim, na China, nesta quinta-feira. Ao ser questionado por jornalistas, disse que o Brasil não vai se envolver na guerra comercial entre China e Estados Unidos porque “não é briga nossa”. Ao chegar ao hotel, Bolsonaro foi questionado sobre o encontro com o presidente chinês Xi Jiping, secretário-geral do Partido Comunista. E respondeu: “Estou num país capitalista”. No início de outubro a China comemorou 70 anos da revolução comunista. Na visita, o presidente busca ampliar as relações comerciais entre os países.
Vale separar a análise do que disse o presidente em duas partes, uma sobre o mérito da questão, e outra sobre o intuito dele. A China é dominada pelo PCC há sete décadas. Era um regime totalmente socialista, e isso espalhou apenas miséria e opressão. Desde a década de 1980 o pragmatismo falou mais alto, com Deng Xioping ("não importa a cor do gato desde que ele pegue o rato"). Ali a China mergulhou na globalização, numa economia mais de mercado, permitindo o lucro, a propriedade privada, e ela deslanchou. A miséria foi drasticamente reduzida; a opressão continuou, pois é uma ditadura.
Ainda é uma economia muito dominada pelo estado, que controla empresas, manipula preços importantes como juros e câmbio. É, também, uma economia "pirata", ou seja, não respeita as mesmas regras de direitos e patentes que os países ocidentais seguem. Mas uma coisa é certa: esse maior pragmatismo, esse aceno ao capitalismo, foi o responsável pelo salto de produtividade, que permitiu crescimento elevado e tirou dezenas de milhões da miséria.
Não obstante, a China não é uma economia de mercado. É um país misto, com pitadas capitalistas, mas controle estatal ainda enorme. Um típico "capitalismo de estado". Ou seja, o presidente não está errado, pois a China não é mais um país socialista, do ponto de vista econômico. Não é como a Venezuela, por exemplo. Tampouco é um país com capitalismo liberal, claro.
O outro aspecto é o afastamento de Bolsonaro na guerra comercial entre China e Estados Unidos. É a postura correta. O Brasil precisa colocar seus próprios interesses acima disso. Havia uma ligação ideológica com Trump, com a qual eu até concordo. Mas a diplomacia precisa ser fria, neutra, pragmática. O nosso agronegócio e outros setores exportadores têm muito a ganhar com a parceria comercial com os chineses. E isso precisa ser levado em conta. O presidente foi, portanto, diplomático, pragmático, e está certo.
Há um terceiro ponto, porém, que não pode ficar de fora da análise: a reação que essa declaração pode gerar na ala ideológica do bolsonarismo. Não custa lembrar como os bolsolavistas reagiram quando deputados do PSL foram visitar a China e teceram elogios. Eles foram massacrados como idiotas úteis, ingênuos, comunistas. Bernardo Santoro chamou a atenção para essa dissonância cognitiva agora que é Bolsonaro quem faz o mesmo:
Uma das coisas que eu mais gosto no Presidente Bolsonaro é que ele está sempre testando o "bovinismo" dos seus seguidores ao limite.
Essa frase de hoje, por exemplo, é maravilhosa. No ano passado, alguns deputados do PSL foram à China para ver alguns dos avanços chineses na área de tecnologia. Olavo de Carvalho surtou, chamando os deputados de analfabetos políticos e os criticando severamente.
Diga-se de passagem, alguns dos deputados que hoje se mostram mais fiéis ao Presidente estavam naquela viagem, como Carla Zambelli, Bibo Nunes e Daniel Silveira.
Daniel Silveira, inclusive, foi tratorado pela máquina bolsolavista por ter dito que a China seria um caso de "socialismo light".
Aliás, quem não lembra do meme "Partido do Socialismo Light"?
Agora vemos o próprio Presidente Bolsonaro chamando a China de "país capitalista", em um movimento bem mais ousado do que o do dep. Daniel Silveira.
Vou ficar aqui de boas esperando Olavo de Carvalho e sua militância bolsolavista chamarem o próprio Presidente Bolsonaro de "analfabeto político", dentre outros impropérios impublicáveis absurdamente ditos aos deputados na época.
Devo esperar sentado?
Deve, claro. Cobrar coerência dessa turma é demais da conta. A lealdade deles não é à lógica, aos princípios ou à coerência, e sim ao bolsonarismo. Se eu digo que a China é capitalista, isso prova minha estupidez; se Bolsonaro diz que a China é capitalista, isso é tática inteligente de quem joga xadrez 4D. Ou seja, o que é dito nunca é o mais importante para essa turma, mas sim quem o diz.
Eleição sem Lula ou Bolsonaro deve fortalecer partidos do Centrão em 2026
Saiba quais são as cinco crises internacionais que Lula pode causar na presidência do Brics
Elon Musk está criando uma cidade própria para abrigar seus funcionários no Texas
CEO da moda acusado de tráfico sexual expõe a decadência da elite americana
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS