Por Percival Puggina
Quando criança, apanhado em alguma travessura de cuja responsabilidade não podia escapar, ouvido o altissonante – “Quem fez isso?” – eu respondia: “Até o maninho. E eu também”. Tenho um amigo que não pode usar seu cartão de crédito porque está sempre com o limite estourado. Ele culpa o cartão por seus problemas. Engraçado? Não. Quando isso se torna habitual, seja individualmente, seja como sociedade, tem-se um problema de natureza moral.
Afinal, o que há com as assustadoras contas nacionais? O mal está no que devemos ou no que gastamos? Tenho certeza de que se gastássemos menos com o supérfluo este artigo estaria tratando de investimentos. Botar a culpa nos outros vai derrubar o futebol como esporte nacional!
O culpado pelo endividamento nacional é quem comprou títulos do governo; a propriedade alheia é a causa dos males do mundo, junto com a globalização, a banca internacional, o neoliberalismo, os EUA, a China. A riqueza cria a pobreza... Temos problemas por conta da dívida e não porque sistematicamente houve excesso de despesa. A lista é infinita.
Ninguém lembra mais, mas entre 26 e 28 de abril de 1999, no Rio de Janeiro, num superlotado Teatro João Caetano, com promoção da CNBB e apoio de outras entidades tão sábias quanto CUT e MST, ocorreram rumorosas sessões de um certo Tribunal da Dívida Externa. O veredicto de seu corpo de jurados concluiu pela obrigação dos credores de cancelar as dívidas dos países pobres. Exigiram “moratória soberana” (haja criatividade!), auditoria da dívida, renacionalização e democratização de empresas estratégicas, e por aí afora. Engraçado? Não. Um grave problema moral. Engraçada é a criança que quando a mãe diz não ter dinheiro para comprar algo pede para ela tirar no caixa automático do banco, logo ali. No mesmo raciocínio se alinham as muitas fragmentações com que minorias buscam atribuir seus problemas à maioria escolhida como antagonista.
O que o Brasil precisa não é de inventar credores e exumar devedores, mas de identificar as verdadeiras razões de seus desajustes sociais e o modo de saná-los. Somos membros de uma sociedade que estampa desníveis infames. A miséria, a ignorância, a falta de oportunidades não têm cor de pele, idade, ou preferência sexual. Agem contra a nação, os poderes de Estado que determinam despesas sem cobertura, ou a corporação que reivindica privilégios.
Ainda esta semana escrevi sobre os problemas da educação no Brasil. Sei porém que, para a maior parte dos que a fazem, a equação se resolve com mais ideologia e mais verbas. Consideram melhor preservar o slogan – Universidade pública gratuita e de qualidade para todos – do que fazer a coisa certa. É mais barato posar de justiceiro com os direitos alheios do que fechar as torneiras pelas quais se esvaem recursos que deveriam servir para acabar com a injustiça ali onde ela crava perversas raízes sobre o destino de milhões de crianças.
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