Muitos comparam Bolsonaro com Trump, mas ambos são bem diferentes, em que pese a semelhança do fenômeno de suas eleições. Há, sim, denominadores comuns, como a narrativa contra uma mídia partidária, o nacional-populismo contra as elites do establishment, e a resistência contra o socialismo e o politicamente correto.
Mas Trump é um empresário outsider, enquanto Bolsonaro viveu por três décadas no Congresso e colocou, com o peso de seu sobrenome, três filhos lá também. O presidente brasileiro gosta de se espelhar bastante em Trump, mas esse é o momento para ele realmente fazer isso, se quiser driblar os golpistas, cada vez mais assanhados e com amplo apoio na imprensa.
O presidente americano também desmereceu a ameaça do coronavírus no começo, mas logo percebeu a dimensão do problema e adaptou discurso e postura. Seu vice Mike Pence, figura da maior seriedade, foi destacado para liderar a força-tarefa de combate ao vírus, e Trump mesmo assumiu o papel de comandante em chefe numa guerra. Tem agido como estadista, e foi reconhecido até na CNN.
Continua duro com jornalistas que insistem em picuinhas numa hora grave dessas, rebatendo com firmeza as questões sobre o "vírus chinês". Ao mesmo tempo, soube suavizar o discurso contra o maior parceiro comercial. E, mais importante, tem focado bastante na necessidade de retomar a produção, já que a economia é crucial, mas faz isso sem ridicularizar a "gripezinha".
Bolsonaro, por outro lado, demorou muito a perceber o tamanho do problema, e agora vem correndo atrás do prejuízo. Mas precisa fazer isso com certo tato, demonstrando uma capacidade de liderança que, até aqui, não está nada evidente. E precisa fazer aquilo que já deveria ter feito desde o começo, e que Trump fez: livrar-se da ala mais radical e tóxica.
O que fornece munição aos opositores é justamente essa turma. As falas do seu guru e dos olavistas em geral são terríveis, para dizer o mínimo. Negam o tamanho do problema, reduzem tudo a uma histeria que, por mais que presente, está longe de ser completamente infundada. Ridicularizar as preocupações com o coronavírus, que já fez até o Japão adiar as Olimpíadas, algo com precedente só em tempos de guerras, é um tiro no pé.
Essa parte podre contamina o todo, e a postura do próprio presidente, especialmente no começo, não ajuda muito. Isso tem dado munição aos "liberais" assanhados com a possibilidade de impeachment. A resposta do governo em geral não tem sido desastrada ou sequer insatisfatória, e o problema é realmente inusitado e cria desafios novos. Mas imagem importa, e se Trump assumiu o figurino de comandante firme e prudente, ainda falta muito para Bolsonaro chegar lá.
Um primeiro passo seria, sem dúvida, ele finalmente abandonar os fanáticos que encaram tudo como uma guerra tribal ou escárnio, e adotar um tom bem mais sério. Trump é um tanto fanfarrão, meio bufão, mas Reagan já foi visto assim, e antes dele Churchill. Foram os momentos difíceis que fizeram deles estadistas.
Se Bolsonaro tem ainda alguma pretensão de se tornar um, então precisa mudar de postura o quanto antes, livrar-se dos bajuladores irresponsáveis, e liderar com bom senso o complicadíssimo equilíbrio de lutar para salvar vidas, impedir a implosão do sistema de saúde e ainda manter boa parte da economia em funcionamento. Um desafio homérico, que não poderá ser realizado por "mitadas" em redes sociais.
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