Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.

A perigosa retórica de Joe Biden

Ouça este conteúdo

Quando não está propondo aumento de imposto em casa, Joe Biden costuma circular por aí distribuindo gafes perigosas. O presidente americano mostrou fraqueza militar desde o começo, deixando claro que não haveria uma possibilidade de entrada dos Estados Unidos na guerra, mas agora tenta recuperar o terreno perdido com sanções econômicas e uma retórica inflada.

O problema é que essa retórica em nada ajuda. Biden tem todo o direito de repudiar a figura de Putin - qualquer pessoa sensata o abomina - mas deve levar em conta aqui a "arte da guerra", assim como conselhos de militares e diplomatas experientes. Eis o fato: a Rússia está perdendo a guerra. Ao menos sob a ótica de Putin. E é preciso explorar esse momento para oferecer uma saída "honrosa" ao tirano...

A menos que o intuito de Biden não seja esse, e sim derrubar mesmo Putin. Quando Biden chama Putin de "açougueiro" num desabafo em resposta ao jornalista, ele está agindo como um adolescente impulsivo, não o líder do mundo livre. Quando ele diz que vai responder "na mesma moeda" se Putin usar arma química, ele precisa explicar isso melhor. E quando ele afirma que Putin "deve sair", ele oferece ao ditador russo justamente a narrativa que ele sempre desejou.

Afinal, Putin usou como pretexto para a guerra a narrativa de que a OTAN é expansionista e agressora e pretende chegar à fronteira da Rússia para derrubar o regime atual. Todos sempre negaram isso, mas se Biden afirma que Putin deve sair, então ele endossa o discurso "golpista". A Casa Branca teve de tentar remendar a fala do presidente, alegando que era "sair da Ucrânia", mas ninguém caiu nessa. Biden quer a queda de Putin, mas é preciso tomar cuidado com as palavras.

Zelensky tem aproveitado o momento de relativa força ucraniana para colocar concessões na mesa, como a neutralidade de seu país. Qualquer acordo terá gosto amargo para o Ocidente, não resta dúvida. Mas quem imaginou algo diferente? Putin está acuado com seu cálculo equivocado, e é um tirano com o controle de seis mil ogivas nucleares. Quando alguém assim está contra a parede, será que o ideal é pressionar ainda mais e sinalizar que só sua saída do poder resolve a crise?

Nunca deixe o inimigo sem saída. Se Putin achar que o Ocidente vai articular por sua queda, então ele não terá mais nada a perder e poderá intensificar os ataques à Ucrânia, inclusive com armas biológicas ou atômicas. Biden precisa ser mais prudente aqui. Não eram os democratas que falavam que Trump era um bufão e que eles eram os "adultos na sala"? Está faltando Biden provar isso, pois ele mais parece um birrento disputando o poder das palavras, em vez de usar da estratégia militar e diplomática mais avançada.

Funcionários do governo americano apressaram-se a recuar sobre a sugestão de que a mudança de regime na Rússia estava entre os objetivos da assistência dos EUA à Ucrânia. A embaixadora dos Estados Unidos na Otan, Julianne Smith, sugeriu (de maneira bastante plausível) que as palavras de Biden representavam “uma reação humana baseada em princípios” ao seu encontro no início do dia com centenas de refugiados ucranianos desesperados. Mas a geopolítica não é para ongueiros humanistas, e sim para estrategistas.

Agora está claro que Putin não pode alcançar seu objetivo inicial: derrubar rapidamente o governo de Volodymyr Zelensky e instalar um regime marionete em Kiev. Embora seja muito cedo para saber com certeza, declarações recentes de autoridades russas sugerem que Putin está adotando o Plano B – protegendo as regiões de Donetsk e Luhansk, bem como a ponte terrestre costeira para a Crimeia. O general Kyrylo Budanov, chefe de inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, concorda com essa avaliação.

Como diz William Galston no WSJ: "É concebível, mas improvável, que se o Ocidente expandir o escopo e acelerar o ritmo das entregas de armas, as forças da Ucrânia possam expulsar completamente os invasores russos de suas terras. Neste ponto, no entanto, o resultado mais provável é que ambos os lados fiquem aquém da vitória total e que um impasse se instale, com a Ucrânia governando o oeste e as forças russas ocupando o leste. Isso criaria o que o general Budanov chama de 'Coreia do Norte e do Sul na Ucrânia'. E depois?

Galston conclui: "O resultado mais provável, acredito, é um armistício nos moldes do acordo que encerrou a fase de tiroteio da Guerra da Coreia, deixando as grandes questões sem solução. Zelensky diria ao seu povo que se recusou a ceder uma polegada do território ucraniano, enquanto Putin diria que havia alcançado seu objetivo principal – proteger os ucranianos que se identificam linguística e culturalmente com a Rússia de um governo 'nazista' opressivo".

Ninguém sabe como essa confusão vai terminar. Mas não parece inteligente usar justamente o momento em que Putin se sente mais acuado para mencionar o desejo de derruba-lo do poder. Até porque isso pode até mesmo unir os russos. Quase nenhum russo vai gostar do líder do maior inimigo da Rússia ditando como ou por quem o país deve ser governado.

A intenção de torna-la uma nação livre e democrática, o que demandaria a saída de Putin, pode ser nobre. Mas Biden não está num concurso para Miss Universo, e sim no comando da maior máquina militar do planeta. É importante que ele saiba usar essa posição com sabedoria e cautela, para obter os melhores resultados possíveis do ponto de vista ocidental.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros