Por A Direita no Boteco, publicado pelo Instituto Liberal
O botequeiro raiz bebe de tudo, mas tem sempre sua cerveja do coração. Pode experimentar uma cerveja artesanal, o drink da moda, um chope de produção limitada e até daquela garrafa de procedência duvidosa no final da noite. Porém, naquele boteco tradicional, o roteiro é conhecido. Ao chamar o garçom, são apresentadas as tentadoras opções da casa e, então, a cor, a textura, o aroma, o rótulo e a nostalgia de todos os bons momentos que aquela, a sua cerveja, já proporcionou, invadem logo a mente. Curta crise existencial; mas o general está à espera, não há tempo para vacilar. A dúvida entre o certo e o duvidoso leva ao tradicional recitar: a minha, de sempre! E tal fato, corriqueiro e banal mostra como, mesmo sem querer, somos conservadores.
O leitor pode estar a se perguntar o que teria a ver a simples escolha da cerveja com o conservadorismo? Simples, meu caro, o conservadorismo não é uma ideologia de velhinhos de pijama ou das tias da igreja; uma coisa mofada e antiquada que, aqui e ali, é mal utilizada para justificar o atraso de tantos. Não. O conservadorismo está presente em sua vida, de várias maneiras, quase o tempo todo, moldando a sua vida mesmo sem você se dar conta de que ele está lá. Para entender este paradigma, precisamos começar com uma digressão; analisar a nossa percepção, como observamos, interpretamos e reagimos ao que nos cerca.
Nós sabemos de maneira bastante razoável os fatos que aconteceram no passado. Temos filmes, livros, artefatos, edifícios, ruinas e escavações que nos mostram a sequência mais ou menos lógica que nos trouxe até aqui; ainda que haja severas divergências na interpretação desses fatos que dificultam à História ser chamada de ciência. Ao chegar ao presente, nosso conhecimento diminui sensivelmente, pois estamos humanamente limitados a absorver apenas uma fração dos fatos correntes e não temos o distanciamento necessário para entendê-los; sabe bem quem já teve de discutir a relação. Precisamos assumir que não temos condições de perceber e interpretar tudo que acontece no presente antes que este vire passado e possamos refletir com a vantagem da experiência.
Se não é humanamente possível entender a realidade atual como um todo, menos ainda entender como ela será. Se temos acesso a uma pequena parte do agora; nossa capacidade de antever o futuro é desprezível. Por mais que tomemos alguns eventos como certos para conseguir levar nossas vidas quotidianas – como que o sol amanhã vai nascer no Leste e se por no Oeste –, no que tange às relações humanas precisamos aceitar que é impossível prever o futuro. Mesmo as mais caras pesquisas eleitorais não acertam o resultado de eleições, mesmo os melhores modelos econômicos de qualquer banco ou fundo de investimentos não acertam como a bolsa vai se comportar, mesmo os maiores especialistas não acertam a tabela completa do Campeonato Brasileiro. Falando em especialista, para cada um que acerta sua previsão, dezenas de outros ficam pelo caminho.
Onde esse papo meio etéreo se encontra com o conservadorismo? Começa na tomada de riscos. Se não há como afirmar o que vai acontecer, não podemos assumir que estamos sempre certos e temos de considerar as consequências de resultados adversos. Risco é exatamente isso, o prejuízo que teremos caso aconteça o que não esperamos. Alguns riscos são toleráveis, outros não. Simplificando, sair de casa sem guarda-chuva pode te deixar ensopado ou até levar a um resfriado; já flutuar amarrado em balões de festa pode ter resultados bem mais desagradáveis. Alguns riscos são catastróficos e, inconscientemente no nosso dia-a-dia, os medimos e evitamos antes de tomar as mais variadas decisões.
Se causa apreensão esse quadro caótico, temos, porém, um trunfo. Podemos testar. Podemos fazer uma prova, uma experiência, arriscar apenas uma pequena parte antes de nos comprometermos com o todo. Isso se chama prudência. Pessoas sensatas não embarcam num avião experimental, não se casam antes de namorar, não contratam alguém sem entrevistar, não pulam na piscina antes de olhar a profundidade, não entram no banho antes de sentir a temperatura da água, não pedem uma cerveja desconhecida para o churrasco do sogro. Se nossa experiência confirma a expectativa, ótimo, seguimos em frente. Caso contrário, podemos reavaliar, fazer outros testes ou então desistir da ideia de vez. Perdemos assim algum tempo, talvez algum dinheiro e até tenhamos qualquer frustração; porém, estes prejuízos serão bem menores do que seriam caso tivéssemos nos comprometido com a escolha ruim logo no início.
Cada escolha é um aprendizado. De experiência em experiência, vamos eliminando o que não funciona e mantendo o que é bom, consistente, evoluindo. Não somos condenados a repetir os mesmos erros do passado; mas sim afortunados na oportunidade de reconhecê-los. Não precisamos a todo momento reinventar a roda, pois podemos aproveitar o que já foi feito antes e daí melhorar. Cada ideia já testada é o degrau para a próxima. A Apollo 1 não tinha a missão de chegar à Lua; foi após percalços, diversos testes e melhorias que a número 11 cumpriu o objetivo. O iPhone usou de muitas tecnologias já conhecidas em outros aparelhos e foi só depois do modelo 4 que pegou de vez. As constituições das democracias modernas, nossas tradições e costumes se inspiram em ideias clássicas que vêm desde a Grécia antiga. Mesmo nossa própria língua é algo que vem sendo aprimorado há vários séculos e ainda comporta novidades.
É exatamente no encontro da prudência com a evolução que está o conservadorismo. A síntese de não se arriscar demasiadamente, testar ideias antes de executar, descartar as falhas, aproveitar o que funciona e seguir em frente. É uma filosofia isenta de erros? Não, mas ela os torna menores e remediáveis. O processo do erro não é uma catástrofe, mas se torna uma oportunidade para melhorar. É entender que utopias não existem, mas que podemos ir ao encontro delas com nosso esforço diário. Se em nossa vida particular, familiar e profissional optamos consistentemente por atitudes conservadoras, por que tantos têm resistência em assumi-la como opção política?
Se entendemos o conservadorismo, o que seria sua antípoda? Se pensando conservadoramente elaboramos ideias, discutimos, testamos, aprendemos, aperfeiçoamos e, finalmente, implementamos; teria de ser algo que invertesse essa lógica. Teria que começar com a ideia abstrata, implementá-la rapidamente e só depois verificar se consequências atingiram os objetivos. É uma aposta, uma que pode ter resultados mais adversos que o problema inicial. Verificando tanto a história quanto o cenário político atual, não encontramos melhor candidata do que a mentalidade revolucionária. Consistentemente, vemos belos ideais consumidos pelo próprio processo revolucionário; implementação às pressas, desvirtuação dos princípios, execração de dissidentes e perseguição de opositores. A revolução francesa começou com a ideia de afirmação dos direitos humanos e o fim da monarquia absolutista; porém, desandou na guilhotina e eclipsou num império. Os nazistas sonharam com a grande Alemanha, terminaram com ela dividida em pedaços. A revolução comunista quis libertar a classe trabalhadora e empilhou camponeses mortos.
Sabemos como revoluções começam, mas não temos como saber como irão terminar. Certamente o mundo não é perfeito, há necessidade de melhorias diversas. Entretanto, rejeitá-lo por completo, queimando navios em busca de um futuro idealizado, pode nos levar a uma realidade muito pior do que a de que partimos e sem chances de retorno.
O conservadorismo pode não ser charmoso, não inspirar letras de rock ou filmes independentes, mas é o que torna a vida moderna possível e mantém a civilização funcionando. Ser conservador não é ser atrasado. É sim ser precavido e aceitar que o mundo não funciona sempre como nós queremos, mas que é possível melhorá-lo. É isso que desejo hoje aos meus amigos do boteco: a prevalência do realismo sobre as interpretações simplistas, prudência para evitar o risco catastrófico; evolução para a melhoria contínua e mais uma Original; obrigado.
*Sobre o autor: A Direita no Boteco vem conversar com o leitor como se estivéssemos numa mesa de bar. Descontraidamente, entre uma bebida e outra, vamos aprender alguma coisa sobre liberalismo e conservadorismo.
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