Por Percival Puggina
No Brasil, por força do modelo institucional presidencialista, o presidente é considerado pelo eleitor como um todo-poderoso. Parcela significativa da sociedade espera que ele detenha aquele poder absoluto capaz de resolver absolutamente tudo. De preferência sem marola e sem mexer em coisa alguma.
Não é por outra razão que tantos são contra privatizações. O brasileiro ama seu patrão estatal e está convencido de que o Estado é o único generoso num mundo de ganância privada. Nessa perspectiva, o Estado zelaria pelo social, ao passo que as organizações privadas cuidariam do individual. Por mais que a realidade o conteste, os cidadãos brasileiros (ou a maior parte deles) acreditam que o que transcorre fora do setor público é periférico e inspira suspeitas.
Totalitária, igualmente, é a visão que o STF tem de seu poder, numa situação que se agrava quando os ministros se veem como Poder Moderador da República, função que sequer existe em nosso modelo institucional e, se um dia for criado, não será composto por magistrados.
Tais pontos de vista conduzem a uma centralização sob a qual nos fomos “adestrando”, aprendendo a esperar do Estado e a pagar, numa boa, pelo que dele não se recebe. Preferimos o calote a sacudir o jugo.
Também é nitidamente totalitária a crescente atribuição de ações ao Estado, impulsionadas pelos governos, notadamente pelos governos da União. Qualquer criança poderia entender, numa aula de OSPB, que quanto mais centralizada for a atuação do setor público, menor o espaço para a democracia e para a participação dos cidadãos. Centralização é antônimo de democratização. No entanto, em nosso país, vivemos sob o fetiche da unicidade.
Observe, leitor, o exame do ENEM. É o sonho de toda mente totalitária! Um exame nacional, com força suficiente para determinar a direção em que deve andar a visão de história, a compreensão dos fenômenos sociais, o vocabulário adequado à expressão das ideias, bem como para pautar leituras e redações. Não satisfeito o apetite pelo poder, essa alma totalitária cria e edita em 600 páginas uma tal Base Nacional Comum Curricular para viger nos quatro pontos cardeais da diversidade nacional.
Trata-se, na verdade, de uma paixão por qualquer programa ou criação que leve o adjetivo único, ou nacional, ou comum, ou federal. Na esteira aberta pelo SUS já temos o Sistema Único de Assistência Social, o Sistema Único de Segurança Pública. Procure no Google por “programa nacional de” e você vai se surpreender com a variedade da oferta existente.
Saudável, por isso mesmo, a visão adotada pelo governo Bolsonaro, em óbvia inspiração do ministro Paulo Guedes, e expressa no conjunto de projetos recém-encaminhados ao Congresso Nacional. Enquanto buscam sanear as finanças e reduzir a dependência dos entes federados em relação à União, esses projetos cumprem importante papel democratizador exorcizando a alma totalitária de nossa frágil e mal costurada democracia.