Feriado, o leitor tem direito de descansar. Mas celebrar? O que exatamente? Getulio Vargas? Jango? JK? O regime militar? Sarney? Collor? FHC? Lula e Dilma? Pois é. Parece haver pouco motivo para festa, não é mesmo? A história de nossa “república” é uma sequencia de horrores, de populismo, de positivismo, de golpes e corrupção.
Bruno Garschagen, autor de Parece de acreditar no governo, é um monarquista assumido, e chama a “proclamação da República” de “o maior golpe político da história do Brasil”. Eis seu texto publicado no Facebook:
Não compreendo a celebração da mentira que se convencionou chamar de “proclamação da república”. Porque a república presidencialista no Brasil foi imposta em 15 de novembro de 1889 com um golpe militar que derrubou a Monarquia Parlamentar Constitucional.
Desde lá, tivemos 34 presidentes e sete constituições. Assim como voltaria a acontecer em 1964, o golpe militar contou com o apoio das elites militar, política, econômica e intelectual. Diz-se que naquele 15 de novembro de 1889 o Brasil dormiu monarquista e acordou republicano. Era melhor o país não ter dormido.
Encerrava, assim, com imerecida desonra, a nossa Monarquia, que em três ocasiões (1834, 1837, 1881) reformou o seu modelo político para se adequar aos desafios da época e estava prestes a realizar a quarta reforma, com o Gabinete Ouro Preto, quando foi derrubada.
A república nasceu, portanto, maculada. Fruto de um golpe militar, jamais conseguiu superar as virtudes construídas pela nossa Monarquia e as vicissitudes de sua origem jacobina. Com a república, o que era ruim não era novo, e o que era novo virou tragédia.
A história da república presidencialista brasileira é, também, uma sucessão de golpes e do desenvolvimento de uma tradição política autoritária. A república começou com duas ditaduras (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). A República Velha terminou em estado de sítio seguido de um golpe militar. A Era Vargas começou com um golpe eufemisticamente chamado de “Revolução de 1930” e sediou um golpe dentro do golpe em 1937, eufemisticamente batizado de “Estado Novo”, que de “novo” não tinha nem o ditador. Outro golpe ocorreu em 1945 para afastar Getúlio Vargas do poder e novas eleições foram convocadas. Em 1964, um contragolpe impediu o golpe orquestrado pelas forças ideológicas e políticas que sustentavam o governo de João Goulart. Entre 1964 e 1984, também houve golpes dentro do golpe. Golpe, portanto, não é novidade na história política republicana do Brasil.
Alguns apoiadores do golpe de 1889 perceberam muito cedo o tamanho do problema que ajudaram a criar. O sentimento de muitos que apoiaram a derrubada da Monarquia foi, aliás, semelhante ao expresso pelo jornalista e político Quintino Bocaiúva, polemista inveterado, republicano fervoroso. Em carta à Princesa Isabel, Bocaiúva pediu perdão a Deus pelo que fez para o advento da república e se disse surpreso pelo fato de o povo não “ter cortado a cabeça de quantos” como ele que haviam cometido “tão funesto erro”.
A república presidencialista permitiu o crescimento do Estado e do poder do governo e contribuiu decisivamente para esvaziar do imaginário popular o sentido de dever e de responsabilidade existente durante a Monarquia e o substituiu gradualmente pela ação do governo. A consequência foi o aumento do estatismo na elite política e no imaginário popular.
Para impor culturalmente o novo modelo político num país majoritariamente monarquista, os republicanos fizeram tudo o que podiam para destruir quaisquer traços e símbolos públicos e imaginários da Monarquia. Nesse processo, a bandeira foi modificada, diversas datas cívicas foram criadas, tudo foi feito para tentar destruir de cima para baixo a identidade cultural e política monárquica cravada no espírito, no coração e na mente dos brasileiros.
Com isso, os republicanos sepultaram não só a Monarquia Parlamentar Constitucional, mas a parte benéfica de sua experiência de quase sete décadas de Brasil independente, incluindo a tentativa de desenvolver um governo representativo para delimitar o poder de cooptação pelo estado patrimonial. A república destruiu a herança e o espírito de continuidade que fornecia aquilo que Edmund Burke chamou de “um princípio seguro de conservação e um seguro princípio de transmissão; sem de todo excluir um princípio de melhoramento”, elementos capazes de manter “a união do passado e do presente, da tradição e do progresso” (“Reflexões sobre a Revolução em França”, Tradução de Ivone Moreira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015).
Lamentavelmente, nos restou não um legado virtuoso, mas uma infame caricatura criada pela ignorância e a ridicularização de um período relevante e fascinante da história brasileira.
Não, não houve “proclamação da república”. Houve golpe. O golpe mais nefasto da história do país e cujas consequências sociais, políticas e econômicas sofremos nos afetam até hoje.
Paulo Eduardo Martins é outro que não demonstra muita empolgação com essa data. Ele desabafou: “Sem meias palavras: a proclamação da república é, de cara, a agressão direta a D. Pedro II, um dos homens mais respeitados neste planeta em sua época. Tem gente que ainda comemora essa merda”.
Ele ainda publicou um texto dos tempos de jornalista, em 2013, quando Dilma ainda era a “presidenta”, e chamou o 15 de novembro de “dia da desgraça nacional”:
Não há o que comemorar. O 15 de novembro de 1889 é o dia em que o Brasil que podia dar certo começou a morrer. D. Pedro II caiu e junto com ele foram-se os valores que davam rumo ao país.
O golpe que derrubou a monarquia foi coisa de meia duzia de positivistas, republicanos sem púbico, que deram um chute em nossos pais fundadores e fizeram do Brasil um país malcriado.
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