Finalmente terminei o terceiro livro da trilogia 1Q84, de Haruki Murakami, grande escritor japonês da atualidade. Recomendo. Muito bem escrito, envolvente, criativo, onírico e sensível. O autor nos leva em sua viagem para um mundo com duas luas habitado por seres pequeninos, envolto em mistério em uma bela história de amor e nostalgia.
Não é por acaso que Aomame, personagem principal (junto com Tengo), lê Em busca do tempo perdido, de Proust, em determinado momento. Trata-se da busca de um tempo, ou melhor, de um “algo” perdido o qual precisamos, muitas vezes, fazer o luto para seguir em frente. Murakami fez o seu justamente escrevendo esse maravilhoso livro.
Mantemos a chama desse sentido de plenitude acesa em nossas vidas. É a força que nos move. Quando Tengo estava prestes a reencontrar Aomami, menina que aos 10 anos segurou suas mãos de uma forma que encheu de sentido sua vida solitária, ele mesmo refletiu sobre os riscos de finalmente se encontrar com seu passado imaculado:
“O certo talvez fosse não nos encontrarmos”, pensou Tengo, olhando para o teto. “Talvez fosse melhor ficarmos separados um do outro guardando, com carinho, o desejo de um dia nos reencontrarmos. Poderíamos viver para sempre com esse desejo em nossos corações. Um desejo a acalentar o âmago de nossos seres, mantendo acesa uma singela mas importante fonte de calor. Uma pequena chama que as palmas das mãos cuidadosamente protegem da ação do vento. Que, ao receber os ventos violentos da realidade, poderia facilmente se extinguir”.
Ah, a realidade! Esta ingrata e imperfeita realidade! Que destroça as utopias, os sonhos de perfeição, de completude. A vida não basta, e por isso existe a arte, a literatura. É lá que vamos burlar a realidade, transfigurá-la, moldá-la a nosso bel prazer, acrescentar até mesmo uma segunda lua no céu. Tudo pode na literatura, ao contrário da vida real. Murakami sabe disso, pois ele é Deus em sua própria história. Pode criar, modificar, e tentar resgatar o que for daquelas sensações perdidas ou latentes em seu ser. Ocorre, finalmente, o reencontro deles:
Voltaram a ser um menino e uma menina de dez anos. Um menino solitário e uma menina solitária. A sala, após as aulas, no início da estação de inverno. Os dois não tinham forças nem conhecimento para saber o que deveriam oferecer ao outro e o que buscavam no outro. Nunca ninguém os amou de verdade, e nunca eles amaram alguém de verdade. Nunca abraçaram alguém e nunca ninguém os abraçou. Eles não sabiam para onde aquele acontecimento os conduziria. Naquele momento, haviam dado o primeiro passo dentro de um quarto sem portas. Não podiam mais sair dali. E, tampouco, alguém poderia entrar. Naquele momento, não sabiam que aquele era o único local de absoluta plenitude existente no mundo. Um local isolado, que não podia ser manchado pela solidão.
O amor, ainda que inventado, vence a solidão, e dá sentido à vida. E agradecemos a escritores como Murakami, por torná-la mais rica, mais incrível, mais bela, ao acrescentar esta segunda lua, menor e esverdeada, ao lado da tradicional, isolada no céu da realidade.