Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal
O maior conflito sul-americano completou 148 anos de seu término neste início de março. Mesmo após tanto tempo, o Estado brasileiro ainda paga pensão para as famílias de 5 militares que lutaram naquele conflito.
Aproveitando o aniversário do armistício, vale desmistificar um pouco do que eu e, provavelmente, você, aprendemos na escola sobre a Guerra do Paraguai. Isso porque dois livros influenciaram muito a narrativa de que o Paraguai era uma potência emergente conduzida por Solano López, e que, temido pelo imperialismo Inglês, o Brasil foi estimulado a dizimar a população paraguaia, tornando pobre o que antes era um país próspero. “A Guerra do Paraguai, Grande Negócio”, escrito por León Pomer, e “Guerra do Paraguai: Genocídio Americano”, de Julio José Chiavenato, compõem obras que o escritor Leandro Narloch definiu como sendo “mais roteiro de ficção que pesquisa historiográfica”, apesar de muito influenciarem nossos livros didáticos sobre aquele conflito.
Maldita Guerra, de Francisco Doratioto, representa uma historiografia moderna, mais distante de interesses políticos por detrás da produção de narrativas – presentes na produção das obras de Pomer e Chiavenato. Pautado em relatórios estatísticos, cartas trocadas por agentes do conflito e se debruçando em arquivos, Doratioto conclui que as duas obras em questão não se baseavam em fontes primárias, mas sim na opinião política dos autores. Seu livro apresenta desde a tempestade iniciada no Prata, estopim da guerra, até detalhes do desenrolar do teatro da guerra, passando pelo fracasso da tentativa de guerra-relâmpago paraguaia e pela construção do Mito do Herói Solano López, na verdade um totalitário.
Apesar de a obra destruir pontos importantes da narrativa criada por Pomer e Chiavenato, os livros de história brasileiros não se atualizaram. Isso a despeito do próprio León Pomer já ter admitido publicamentehá décadas que escreveu coisas em sua obra das quais não possuía evidência alguma.
Baseado na obra de Doratioto, separamos 5 fatos sobre o conflito para que, ao menos, você saiba a verdade sobre o que ainda está pagando.
1) Ao desafiar o Brasil, Solano López era tão doido quanto Kim Jong Un ameaçando os EUA
O Brasil era 22 vezes mais populoso que o Paraguai. Solano López, um ditador com uma personalidade paranoica, acreditava que o Brasil invadiria seu país após o término do conflito da Guerra do Uruguai, iniciado em 1864. Apesar de melhor organizado militarmente, a chance de vencer o conflito seria em caso de uma guerra rápida, destoando muito do desenrolar dos fatos daquela guerra.
A explicação do porquê de tantas decisões equivocadas que foram tomadas em sequência por López não é difícil de entender. As decisões de um governante tendem a ser moderadas por alguns agentes, como imprensa e partidos de oposição. Contudo, não havia isso no Paraguai de Solano. O país possuía apenas um jornal, que era estatal; não havia partidos políticos de oposição, tampouco tradição diplomática em sua política externa.
A força bélica paraguaia consistia em 77 mil homens, mais que o quádruplo da brasileira (18 mil) quando iniciado o conflito. A reação tupiniquim foi lenta, demorando cerca de 5 meses, mas, a partir dela, ficou claro que o Paraguai perderia a guerra. Mesmo após tudo indicar isso, Solano insistiu nela por ainda 4 anos.
2) O Paraguai não era desenvolvido na época da guerra (e não é pobre hoje por causa dela)
O Paraguai do século XIX era rural, atrasado e burocrático. Faltava ao país liberdade econômica para atingir qualquer nível de desenvolvimento sustentável. Para se ter ideia, cerca de 90% de suas terras pertenciam à família do ditador Solano. O modelo de desenvolvimento econômico era tão opressor aos negócios que para ingressar em determinadas atividades econômicas era preciso autorização do Estado.
O motivo da falta de competitividade econômica não era segredo: em 1820, o pai do Solano, José Gaspar Francia, expulsou todos os empresários do país. O motivo? Temia ser deposto. Assim, ¾ do que o Paraguai consumia tinha de vir de países estrangeiros. Para se ter ideia, o Uruguai, que tinha metade da população paraguaia, exportava 6 vezes mais.
A imagem de Francisco López como um herói se dá em larga medida em razão de um livro encomendado por seu neto e que foi escrito no início do século XX com o intuito de melhorar a imagem do ditador e, eventualmente, reaverem as terras da família que haviam sido confiscadas após a guerra. É a criação de narrativas com finalidade política.
Certamente um conflito bélico pode atrasar o desenvolvimento de um país, mas atribuir a pobreza presente do Paraguai a uma guerra que ocorreu há 150 anos não faz sentido. A Alemanha é um dos países mais ricos do mundo, tal como o Japão, e eles foram totalmente devastados por um conflito que ocorreu há 7 décadas.
Ao longo do século XX, o Paraguai se caracterizou pela instabilidade política e por instituições extrativistas. Contudo, reformas econômicas no início deste século significaram um timming point: a partir da redução de burocracia e impostos, além de uma abertura comercial e governos responsáveis fiscalmente, o jogo virou: o aumento de produtividade paraguaia está possibilitando um crescimento sustentável. Na última década ele foi de 5,8% – quase 5 vezes superior ao crescimento brasileiro verificado no mesmo período.
3) A Inglaterra tinha uma política de “não intervenção” no continente sul-americano
Segundo o diplomata inglês da época Richard Francis Burton, os políticos da Câmara dos Comuns nem sequer possuíam conhecimento do que seria “Paraguai”. Pode parecer bizarro, mas eles viviam no Século XIX: além de não ter internet, tratava-se de um país pobre, distante e isolado.
Os ingleses até tentaram evitar o conflito por meio do representante britânico Edward Thornton. Ele escreveu ao governo Paraguaio no intuito de apaziguar a situação e sugeriu uma reconciliação, pedindo para que uma guerra não fosse iniciada. O esforço britânico não era a concretização de ‘Imagine’ de John Lennon, mas sim uma razão econômica: as empresas inglesas eram as que mais investiam em projetos de infraestrutura no Paraguai, Brasil e Argentina. Uma guerra provavelmente faria o dinheiro investido nesses projetos se perder.
4) O Brasil se endividou por causa da guerra
O governo brasileiro despendeu na guerra 614 mil contos de réis. O orçamento anual à época era de cerca de 55 mil contos de réis. Isto é: gastou-se 11 orçamentos anuais com uma guerra de apenas 6 anos.
A maior parte do financiamento da guerra foi custeada pelos próprios brasileiros a partir da emissão de títulos da dívida, sendo os principais credores bancos tupiniquins. Cerca de 8% do valor gasto com a guerra vieram de empréstimos externos.
A indenização cobrada pelo Brasil de 460 mil contos de réis no armistício jamais foi paga pelo Paraguai. Posteriormente, Getúlio Vargas perdoou a dívida oficialmente em 1930.
5) Não houve genocídio nenhum
Há uma enorme dificuldade em se calcular a porcentagem dos paraguaios mortos porque ninguém sabe quantos paraguaios existiam antes da guerra. Com toda a tecnologia do século XXI, já é difícil para o IBGE contabilizar a população brasileira a cada 10 anos, imagine o Paraguai fazer isso em meados do século XIX.
No censo paraguaio de 1846, foi estimado que o país tinha 250 mil habitantes; na demografia de 1857, o número supostamente saltou para mais de 1,3 milhões. Um número inaceitável para a historiadora americana Vera Reber. Segundo ela, para eles serem confiáveis, deveria haver um crescimento anual de absurdos 17%. Com o uso de metodologia da história demográfica, baseada nas taxas históricas de crescimento populacional paraguaio, além de compará-las com o restante da América Latina, a estudiosa concluiu que o Paraguai tinha, por ocasião do início da guerra, entre 285 mil a 318 mil habitantes. Ela calcula, portanto, que as perdas humanas com o conflito seriam em torno de 8% da população; exagerando nos números, 18%. Não deixa de ser um número bastante elevado, mas bastante diferente dos 95% e até 99% comumente alardeados. Vale ressaltar que entre um a dois terços das mortes no conflito não se deu por conflitos armados, mas por doenças, fome ou frio, sobretudo pela dificuldade logística da guerra.
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