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50 anos de Maio de 68: da revolução libertina ao estado paternalista controlador

Meio século de loucura. A revolução libertina/libertária de Maio de 68 completa suas “bodas de ouro”. Quantas drogas consumidas, quantos sonhos utópicos sonhados, quanto romantismo libertário – ou seria liberticida? E qual foi o resultado concreto, além das boas músicas do Pink Floyd? O que a geração LSD efetivamente conquistou? Será que os ataques revoltados dos “hippies pacifistas” contra o “sistema” surtiram o efeito desejado?

Creio que não. Diria que o tiro saiu pela culatra. Do “é proibido proibir” chegamos a um sistema cada vez mais controlador e moralista, que se mete em tudo na vida dos outros, que banca o Grande Irmão, o paizão dos “súditos incapazes”, que define o que devemos comer, quais palavras podemos usar, como dizer Feliz Natal (trocando pelo vago “Boas Festas”), que distribui “soma” para aplacar as angústias existenciais, que só aumentaram.

Toda aquela “liberdade” prometida para isso? A “libertação” sexual nos trouxe à ideologia de gênero e ao banheiro trans? O hedonismo irresponsável pariu apenas famílias desestruturadas e aumento no consumo de drogas e de suicídios de jovens? Para os conservadores, tudo isso era esperado. Os conservadores podem ser os “chatos”, mas eles estão com a razão, como lembra Roger Scruton. Seus alertas se mostraram válidos, mas os libertinos jamais escutariam esses “tiozões” pentelhos: estavam encantados demais com as possibilidades infinitas de seus devaneios.

A juventude, que seria a “vanguarda do futuro”, foi estimulada, “empoderada” (argh!) pelos líderes do movimento revolucionário daquela época. E aonde isso levou? Dediquei um capítulo longo em Esquerda Caviar só para falar desse uso que os socialistas fazem dos mais jovens. Eis alguns trechos:

O rock pode ser protesto legítimo, ou pode ser convite às drogas. Um fato, contudo, é inegável: a rebeldia da juventude tem seu valor, mesmo que alimentada por letras e músicas que estimulem um comportamento irresponsável e imediatista. Dosar esse ímpeto rebelde, em busca de tantas certezas, com o equilíbrio da maturidade é uma arte complicada, não livre de inúmeros riscos.

E esses surgem justamente quando as utopias simplistas viram crenças fanáticas, quando os jovens acabam vítimas de oportunistas de plantão, que utilizam o romantismo típico da juventude como massa de manobra para seus objetivos pérfidos. A contracultura pariu inúmeros “gurus” que levaram a juventude ao caminho errado, que influenciaram negativamente toda uma geração. Os jovens são presas mais fáceis desses malucos ou oportunistas.

Tanto é assim que os demagogos são os primeiros a defender o direito de voto dos mais jovens, inimputáveis para certos crimes, mas “responsáveis” na hora de escolher o governante. Como resumiu François La Rochefoucauld: “A juventude é uma longa intoxicação: ela é a razão em estado febril”. Michael Oakeshott, em Ser conservador, apresenta excelentes argumentos de por que os jovens devem se manter afastados da política:

Os tempos de juventude de toda a gente são um sonho, uma loucura deliciosa, um doce solipsismo. Nesse tempo, nada tem uma forma fixa, um preço fixo; tudo é possível e vive-se numa felicidade a crédito. Nada há que se especifique de antemão; cada coisa é o que se pode fazer dela. O mundo é um espelho em que procuramos o reflexo dos nossos próprios desejos. A tentação das emoções violentas é irresistível. Quando somos jovens, não estamos dispostos a fazer concessões ao mundo; nunca sentimos o contrapeso de algo nas nossas mãos – a menos que seja um bastão de críquete.

Os demagogos da esquerda caviar, entretanto, ignoram esse alerta e enaltecem a participação do jovem na política. A Argentina da populista Cristina Kirchner investiu nessa trajetória recentemente, com a suposta meta de “ampliar a democracia”. Kirchner estava em busca da “fonte da juventude”, e não digo isso por causa daquele botox todo; o que procurava era o voto das presas mais fáceis para seu sensacionalismo. O jovem costuma comprar com maior facilidade os dogmas da esquerda.

Ao depositar na juventude o poder e a sabedoria para a revolução, a esquerda caviar faz o jogo dos líderes autoritários. Nelson Rodrigues escreveu sobre o assunto em 1968, auge da idealização do jovem:

Afirma-se que a juventude invade a história e começa a fazer história. Mas em vão procuramos, em qualquer povo, o líder jovem, uma massa jovem e decisiva. Há a Guarda Vermelha. Mas essa tem, exatamente, a idade do seu chefe, Mao Tsé-Tung. É a juventude mais senil que já apareceu na Terra.

Hoje vemos que pouco mudou nesse sentido: a esquerda continua usando os jovens, como faz o Partido Democrata com os alunos de Parkland para sua causa desarmamentista. E o tédio, a falta de propósito ou sentido em suas vidas, ainda leva muitos jovens ao extremismo político, em busca de emoção, de aventura, da sensação de estar vivo. Também tratei disso no livro:

Para muitos estudantes, o discurso sensacionalista e revolucionário de esquerda pode ser também uma estratégia para conquistar corações, para “pegar” as meninas mostrando seu lado mais “humano”, contra os “mauricinhos” egoístas que só pensam em trabalhar. Nada como uma camiseta do Che e um bagulho no bolso, com a fala meio arrastada, para derreter o coração de uma patricinha entediada. Arnaldo Jabor, que tem feito um mea culpa de sua juventude comunista em suas colunas, confessou:

Pouquíssimas moças “davam”, na época anterior à pílula; transar para elas era um ato de coragem política. Nossas cantadas tinham uma base ideológica; famintos de amor, usávamos Marx para convencer as meninas.

Woodstock, Fórum Social Mundial, palcos para “revolucionários” destilarem suas soluções mágicas contra os males do mundo, atacarem todo o “sistema”, posarem de altruístas voltados somente para as vítimas desse sistema perverso, e tudo isso entre um tapa e outro na “pantera”, após fazer sexo com alguma mulher fácil e “progressista” da turma.

Os “revolucionários” de Maio de 68 mostraram como uma turma rica e alienada pode ter necessidade de dar vazão à sua “pulsão de morte” destruindo as coisas em volta, atacando a própria riqueza que usufruem, mas desprezam. Querem ser os heróis dos “oprimidos” e injetar um pouco de adrenalina em suas vidas tediosamente confortáveis, porém vazias e fúteis. E querem apagar o passado de vergonha, como interpretou Nelson Rodrigues:

Eis o que me ocorreu: a França tem todo um potencial de heroísmo inédito, frustrado. Não fez a guerra, e repito: os outros lutaram por ela. Os alemães perfuraram Sedan e deslizaram em solo francês. E todo o povo, com atraso de vários anos, precisa sentir-se herói. Cada carro virado é um tanque alemão. Os franceses estão fazendo a guerra. Essa ferocidade tardia, espetacular, é uma vingança contra a capitulação.

O dramaturgo brasileiro ainda espetou os “revolucionários” daquela época: “Fazer greve na França é muito menos arriscado do que atravessar uma rua na Guanabara”. Os “heróis” da época clamavam por algumas cacetadas da polícia, e aqueles que eram presos temporariamente contavam vantagem sobre os demais. Era motivo de orgulho ostentar uma prisão, mas eles sabiam que, no fundo, não corriam risco real nesse sistema “repressor”.

Maurice Jouyex, revolucionário sindicalista dessa época, deu voz ao sentimento de muitos quando escreveu sobre sua experiência pouco tempo depois:

Para mim, militante revolucionário, era algo incompreensível: era de fato uma brincadeira, uma vontade de fazer qualquer coisa, a vontade de mandar à merda o pai, a mãe, o professor e os políticos.

E o manifestante atual, jogando pedras nos policiais e depredando patrimônio público, pensa que inventou a roda! Trata-se apenas de um farsesco revival desse clima revolucionário de outrora, quando vários jovens de classe média canalizavam para os protestos sua fúria da vida. Qualquer semelhança com as manifestações de junho no Brasil não é mera coincidência.

Após tanta “liberdade”, qual foi a colheita? Um estado cada vez maior, mais intervencionista, paternalista, inchado e controlador. Uma geração mimizenta, de marmanjos que bancam as vítimas, flocos de neve que buscam “lugares seguros” em universidades, que se julgam alvos de “microagressões” e acham que têm o direito de nunca se sentir ofendidos. Uma taxa de suicídio crescente, um consumo de drogas fora de controle. Alguém surpreso? Não quem entendia o alerta de Edmund Burke:

A sociedade não pode existir, a menos que um poder que controle a vontade e o apetite seja colocado em algum lugar, e quanto menos exista interiormente, mais dele existirá exteriormente. Está ordenado na constituição eterna das coisas, que homens de mentes intemperantes não podem ser livres. Suas paixões forjam seus próprios grilhões.

Os revolucionários de Maio de 68 eram contra quaisquer freios, que chamavam de “moralismo”. Eram rebeldes flertando com a “liberdade plena”, e detonando os valores morais, a família tradicional, o estigma social, tudo aquilo que servia como fator civilizacional do homem (e da mulher). Não suportavam o “mal-estar na cultura”, ignorando que ser humano é ter esse mal-estar em si, como Freud sabia, a alternativa sendo abandonar a civilização e mergulhar na barbárie, tal como uma besta selvagem. “Live and let live”… rumo ao abismo!

O “progresso” dos “progressistas” é rasgar séculos de domesticação do animal homem e transforma-lo num bonobo. E chamaram a isso de avanço! Essa loucura sob o manto de ideologia completa meio século de vida. E não deixa saudades. Mas seus herdeiros intelectuais ainda estão por aí, espalhados, vagando como zumbis e insistindo no erro. E pior: como os filhotes de Foucault inventaram que a loucura não existe, ou é a norma, e que precisamos combater a “microfísica do poder”, os malucos assumiram o controle do hospício e trancaram os médicos e os sãos nas jaulas.

Parabéns, geração de Maio de 68! Vocês conseguiram. Só não se sabe muito bem o quê, até porque estavam doidões demais para refletir sobre esses “detalhes” bobos…

Rodrigo Constantino

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