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O livro mais famoso de Ayn Rand, Atlas Shrugged, completou sessenta anos de seu lançamento. A pergunta ficou martelando na cabeça de milhões de pessoas, a ponto de ter sido o título dado à primeira edição publicada no Brasil: Quem é John Galt?

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Como autor de um livro sobre o Objetivismo e as ideias de Ayn Rand, faço aqui minha singela homenagem a esta data. Tenho algumas ressalvas hoje ao conceito do “egoísmo racional” da filósofa russa, acho que ela colocou a Razão (com R maiúsculo) num perigoso pedestal, seus ataques ao cristianismo me soam injustos e até infantis às vezes, e seu libertarianismo é intransigente e utópico.

Sua própria vida foi a prova contra essa razão toda dominando as paixões: ela era uma apaixonada, e isso ajudou a moldar muitas de suas ideias, em parte uma racionalização aos seus impulsos e desejos (como na questão do amor e sexo, com o caso amoroso por anos com Nathaniel Branden, com o consentimento de seu marido e da jovem esposa de Branden, que deu uma “surtada” depois). Seus personagens também se apaixonam por razões que a própria razão desconhece, ao contrário do que sua filosofia racionalista sugeriria.

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Nada disso, porém, tira o fascínio que tenho pela novelista. Li todos os seus livros. Atlas Shrugged não é o melhor, e do ponto de vista literário é fraco inclusive. Seus heróis são idealizados demais, irreais, e o discurso de John Galt é maçante, ocupando dezenas de páginas (parece Fidel Castro, só que com uma mensagem decente). Mas creio que Rand fez uma coisa ao menos com maestria: dissecou como poucos a essência do Mal.

Em A Nascente, Ellsworth Toohey é o típico intelectual niilista, ressentido, rancoroso, que odeia por odiar e, portanto, precisa destruir tudo aquilo que é bom, melhor, mais elevado. Quantos não são exatamente assim? Como explicar o relativismo exacerbado do pós-modernismo sem essa psicologia como pano de fundo? Leia Rand e conheça os inimigos da liberdade em sua alma!

Ayn Rand já foi acusada de ser uma autora de “autoajuda para empresários”, por enaltecer bastante o papel do empreendedor e justificar seu egoísmo. Mas, em que pesem seus excessos, sua mensagem é uma que continua não só válida, como necessária no mundo de hoje: não devemos colocar como a prioridade de nossas vidas os outros, uma abstração qualquer coletiva, pois o coletivismo transforma o indivíduo de carne e osso num simples meio sacrificável.

A excêntrica Ayn Rand não teve filhos, e por isso deixou uma grande lacuna em sua filosofia sobre isso, em minha opinião. Seus heróis tampouco têm famílias. Ela não tinha como saber o que é um amor abnegado, ainda que sempre seja possível falar não em sacrifício, mas em autointeresse, pois é do interesse dos pais cuidar bem dos seus filhos – ou até morrer por eles.

Só que se tudo for considerado por esse prisma, não haverá critério objetivo para definir a diferença moral entre aquele que se sacrifica pelo filho (ou pelo próximo) e aquele que prefere ignorar o filho (ou o próximo): ambos são egoístas em busca de seus próprios interesses. Claro, ela não falava em qualquer interesse, mas sim naquele “racional”, que contribui para a sua boa vida, sua felicidade, sem invadir a liberdade do próximo.

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Ainda assim, uma Madre Tereza de Calcutá será o ícone da irracionalidade para um objetivista fiel, enquanto figuras um tanto execráveis como seres humanos serão heróis, porque foram grandes empreendedores. Podemos entender que mesmo esses tiveram de alguma forma que contribuir para um mundo melhor, ainda que não fosse essa sua intenção. Foram guiados por uma “mão invisível”, como diria Adam Smith.

Mas reparem no critério que usamos para avaliar isso: o bem-geral, o bem-comum. Ele não é louvável por ser um egoísta insensível, mas sim porque seu egoísmo, no livre mercado, acabou produzindo coisas boas para a maioria. Por isso Rand precisa ser lida com moderação, com uma pitada da moral cristã, para que não sirva apenas de pretexto para egoístas que querem dar uma banana para o mundo em volta, confundindo individualismo com sociopatia.

“Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão”, disse com ironia Karl Kraus. “Louco não é o homem que perdeu a razão, mas aquele que perdeu tudo exceto a razão”, resumiu Chesterton. Por falar nesse grande escritor, seu brilhante personagem Padre Brown seria tido como um ser irracional por Ayn Rand, o que parece absurdo para todos que, como eu, aprenderam a admirá-lo.

Feita essa ressalva, Ayn Rand continua atual e deve ser lida. Num mundo em que tantos ainda enxergam o indivíduo, especialmente o indivíduo de sucesso, como um “escravo do todo”, como alguém que deve ser forçado a labutar em prol dos outros ou da sociedade em nome da igualdade, Atlas Shrugged tem muito a ensinar. Como mostra John Stossel nesse vídeo:

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Ayn Rand, confesso, já foi “a” minha maior influência, além da preferida. Não mais. Hoje tenho outros “gurus”, ou professores, que trouxeram uma visão mais conservadora para contrapor a esse libertarianismo radical e individualista demais. Não obstante, ela continua sendo alguém por quem tenho admiração e até certo fascínio e curiosidade. O risco de seita fechada existe, mas com o devido cuidado, o Objetivismo tem muito a agregar.

A começar pelo fantástico ataque que faz aos socialistas igualitários. Afinal, quem é John Galt?

Rodrigo Constantino