A coisa mais revoltante no Brasil nem é o esquerdismo hegemônico, e sim a insistência nos mesmos personagens de sempre, como se nada se aprendesse com o tempo, como se o país estivesse condenado ao feitiço do Dia da Marmota, acordando todo dia no mesmo dia. Aqueles que não aprendem com o passado estão condenados a repeti-lo, como alertou George Santayana.
Pensei nisso ao ver essa singela homenagem de Marcos Lisboa, no site de Geraldo Samor, aos 90 anos de Delfim Netto. Sim, Delfim, o mesmo do regime militar, do governo FHC, dos governos Lula e Dilma. O mesmo que ronda o poder feito uma mosca apetitosa há décadas. Esse Delfim ainda merece elogios! Diz Lisboa:
Pode-se discordar de Delfim. Pode-se criticar muitas de suas escolhas na vida pública. A ditadura foi deplorável. Em vários momentos, critiquei severamente opções de política econômica que ele defendeu com o maneirismo usual. Mas não se pode deixar de ler Delfim.
O velho economista conhece o seu ofício. Em sua longa carreira, quase toda fora da universidade, Delfim permaneceu atento à pesquisa acadêmica e a seus resultados sutis. Um dos seus esportes prediletos é criticar propostas ligeiras que desconhecem a complexidade dos casos particulares ou pouco embasadas pelas evidências.
Deve-se discordar de Delfim, e o único ofício que ele realmente conhece é o de se manter no poder “no matter what”, a mesma “habilidade” de um José Sarney. Que o homem tem inteligência, isso ninguém nega; mas que ela jamais é utilizada para análises isentas em prol do país, isso é um fato que pode ser constatado facilmente. Foi ignorado por Lisboa, porém:
Aos 90 anos, Delfim ainda impressiona pelo seu vigor em continuar a se atualizar sobre a produção acadêmica em economia e a contribuir com o debate público. Ele e Affonso Celso Pastore. Não obstante as suas muitas diferenças, ambos surpreendem por continuarem a ler com cuidado os trabalhos mais recentes depois de vidas tão longas e carreiras tão bem-sucedidas.
[…]
Delfim tem o mérito adicional da prosa sinuosa, elegante e sutil. Sua crítica parece um truque de mágico. Convida-nos a olhar sua mão direita, quando a surpresa vem pela esquerda. Com discrição paulista, tão diferente dos arroubos cariocas, resta sempre a dúvida sobre quem o velho economista está a criticar. Em algumas de suas colunas, acho que fui a vítima. Não havia jeito. Terminava de lê-las rindo-me a roldão.
O mago da dialética engana ou surpreende justamente porque não tem compromisso com os fatos, com a verdade, com a lógica. Depende do chapéu que ele resolveu usar, a quem pretende agradar. Tem o dia do médico e o dia do monstro, como já apontei aqui:
Hélio Beltrão, ao tomar conhecimento da homenagem de Lisboa, desabafou: “É inacreditável que esta eminência parda ainda seja bajulada hoje em dia. Um cara que todos sabem que recebeu propina adoidado desde o governo militar, destruiu nossa economia, e se aliou a todo governo de ocasião. Não há ninguém mais repugnante no establishment”. O professor Antony Mueller acrescentou com uma objetividade alemã: “A incapacidade de aprender é impressionante”.
Somos um país que ainda dá destaque para as opiniões de uma Maria da Conceição Tavares, apesar de tudo, até daquele choro de emoção com o congelamento de preços do Plano Cruzado. Somos um país que ainda dá destaque para as opiniões de um Bresser-Pereira, apesar do plano fracassado que leva seu nome e dos elogios que ele fez ao regime de Chávez na Venezuela. Mas Paulo Guedes, o doutor por Chicago, liberal que condenava cada um desses planos terríveis e apontava os caminhos certos? Esse é radical demais, ignorado, ainda mais agora que foi apontado como eventual ministro da Fazenda de Bolsonaro.
O Brasil passou por tanta coisa, tanto plano econômico terrível, insistiu tanto nos mesmos erros… e vamos enaltecer a figura mais repetida nessa história econômica das últimas décadas, aquele que estava sempre por perto?! É como aquela piada de judeu, do velho Jacó em seu leito de morte, lembrando que a companheira Sarah estava com ele em todos os momentos difíceis: quando a lojinha pegou fogo, quando o filho adoeceu, quando foram à falência, quando perderam a casa. Caramba, Sarah, vai dar azar assim no inferno!
Delfim Netto não é azarento; ao contrário, apesar de tudo que fez, das acusações de corrupção, da proximidade com o poder, está aí, firme e forte, completando 90 anos e ainda ocupando espaços na mídia com suas “análises imparciais”. E sendo bajulado por nossos “liberais” ainda por cima. Azarento é mesmo o povo brasileiro!
Rodrigo Constantino