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À beira do abismo: o excesso de intervenção estatal e suas mazelas

Companheiras de ideologia

O tema da coluna de hoje de Henrique Meirelles na Folha foi a crise argentina, que voltou às páginas dos jornais por conta de novo risco de calote. Enganam-se aqueles que ficam surpresos, ou que culpam os bodes expiatórios de sempre: capitalismo, neoliberalismo, ataque especulativo, etc. A crise era previsível e foi fabricada em casa, pelo governo Kirchner.

Infelizmente, a América Latina adora insistir em modelos equivocados, que depositam papel demasiadamente relevante ao estado na condução da economia. Há, na região, uma forte descrença em relação ao funcionamento do livre mercado, e uma contraditória e até esquizofrênica fé na capacidade do estado, visto como ente clarividente e onipotente. Diz Meirelles:

É preciso notar como certas visões de políticas econômicas não se deixam alterar pelos fatos, vistos como meros aborrecimentos no meio do caminho. Nesses casos, ideias preconcebidas de que um Estado pródigo e interventor é o melhor condutor do crescimento predominam sobre resultados concretos e a experiência histórica.

A crise argentina é clássica na medida em que o governo interveio diretamente na economia, procurando ditar o comportamento de empresas e consumidores. A experiência histórica mostra que finanças públicas desequilibradas, incerteza regulatória e distorções nos sistemas de preços criadas pelo governo são os maiores causadores de baixa produtividade, decadência econômica e crises.

O exemplo da nação vizinha deve servir como eloquente prevenção contra a tentação da excessiva intervenção do governo no funcionamento da economia. Aprofundar medidas equivocadas para resolver problemas só aumenta aqueles que se quer resolver.

O que Meirelles chama a atenção é de extrema importância. Sabemos que o governo Dilma tem flertado com vários métodos aplicados por Kirchner, e que o exemplo catastrófico dos nossos vizinhos não tem servido como alerta suficiente a este governo atual.

Meirelles, como todos sabem, foi figura essencial para garantir a credibilidade da gestão macroeconômica da era Lula, que começou a desandar de verdade a partir do segundo mandato, especialmente quando as comportas dos cofres públicos foram abertas para estimular o crescimento e ajudar a eleger Dilma.

Em suas colunas dominicais na Folha, o ex-presidente do Banco Central tem demonstrado uma visão bastante liberal de economia, oposta a tudo aquilo que a presidente Dilma representa, com seu nacional-desenvolvimentismo intervencionista.

Espanta, portanto, o fato de que Meirelles, do PSD de Kassab, tenha preferido permanecer na coalizão que defende a reeleição de Dilma, em vez de fechar acordo com o PSDB, bem menos afastado dessa visão econômica mais liberal. Nossa política é mesmo uma “suruba”, sobrando “pragmatismo” e faltando aproximação com base programática e ideológica.

Meirelles deveria considerar o ponto de Ferreira Gullar, que, em sua coluna no mesmo jornal hoje, falando sobre as vaias à Dilma e a reação de Lula, disse: “Que esperança pode representar um partido que, após doze anos de governo, levou o país à inflação e paralisou o crescimento econômico? A esperança não pode estar em reeleger quem fracassou e, sim, em mudar o que não deu certo”.

Rodrigo Constantino

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