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"A cidade do Rio é a barbárie", desabafa Zé Padilha
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José Padilha em LA. Fonte: TRIP

O “brain drain” continua com força, e o Brasil cada vez perde mais capital humano, gente que prefere ir produzir riqueza em outros lugares mais civilizados. O diretor de cinema José Padilha foi um desses, e partiu com a família para Los Angeles, em busca de segurança e paz para trabalhar. Em entrevista à revista Trip, fez alguns desabafos sobre a situação do Rio de Janeiro em particular e do Brasil em geral, lamentando a passividade da população diante do quadro assustador.

Algumas pessoas acham que quem vai embora do Brasil, por um tempo ou de forma definitiva, não pode mais criticar o país. Vejo alguns comentários do tipo aqui no blog. Balela! Então os venezuelanos e cubanos todos refugiados aqui na Flórida devem se abster de criticar seus respectivos países, tomados por uma máfia socialista e transformados em feudo das oligarquias políticas? Criticar é um direito cívico, e não é preciso estar inserido no caos para ter voz.

Quem olha de fora, olha com um olhar mais distante, e por isso mesmo consegue sentir melhor as diferenças entre os países civilizados e os latino-americanos fracassados. A escolha de sair é legítima, pois ninguém precisa ser mártir. Proteger a família é um dever de todo pai e mãe. E Padilha sofreu na pele o risco da insegurança carioca. Sua decisão é legítima, e ele tem todo direito de meter o malho nos que ficam, pois a cegueira tem sido realmente impressionante. Abaixo, alguns trechos da entrevista:

Conversando com gente de cinema, produtores etc., eles têm uma ideia de que o Brasil é uma economia que está crescendo porque as bilheterias estão crescendo no Brasil. Eles imaginam que a economia está bombando, como bombou há oito anos. Não percebem o que está acontecendo porque a deterioração do Brasil foi muito rápida e tão aguda que a mídia daqui não acompanhou. Então, quando eles me falam “e o Brasil está bombando”, eu falo “não está, não”, tem aquela cara de espanto: “Como? O que aconteceu?”. A minha experiência é que as pessoas não acompanham o Brasil, é quase desimportante para o americano normal.

[…] 

Só uma pessoa completamente alienada da realidade pode tentar imaginar que um brasileiro consciente não vai ficar chateado com o que está acontecendo no Brasil, ou vai achar que o Brasil está bem, que o Brasil está no caminho certo.

[…] 

O primeiro motivo pelo qual eu vim pra cá, e acho que nunca falei isso pra ninguém, aconteceu na época em que o Tropa de elite 2foi lançado. Estava na minha produtora, no Jardim Botânico, e um belo dia alguém ligou e perguntou se eu estava. A secretária respondeu: “Ah, o Zé tá sim, tá numa reunião”. E a pessoa: “Ah, tudo bem, só estou checando porque a gente marcou uma reunião”. Dez minutos depois, na minha pequenininha rua no Jardim Botânico, entraram duas motos pela contramão, e está tudo filmado, pararam em frente à produtora, um carro parou na esquina e o cara tocou a campainha e perguntou por mim. Minha secretária, esperta pra caramba, se ligou e disse que eu não estava, e os caras, armados, ficaram insistindo uns 3, 4 minutos para entrar. E eu dentro da produtora, olhando na câmera e pensando: os caras vieram me sequestrar, né? Olhei em volta, o que eu tenho aqui? O Marcos Prado, meu sócio, tinha acabado de filmar Paraísos artificiais e tinha um arbalete, uma arma de mergulho, de pescar. Peguei o arbalete porque, se os caras entrassem, eles iam me pegar. Eu rindo, mas rindo de nervoso, né?

[…]

O Brasil perdeu a sensibilidade para o absurdo. A cidade do Rio de Janeiro é a barbárie. Outro dia me deu vontade de chorar. Estava lá no jornal a foto de um médico morto, na Lagoa Rodrigo de Freitas, a facadas, para roubar a bicicleta dele. Duas semanas antes, o marido da minha irmã estava andando de bicicleta na Lagoa e foi esfaqueado, roubaram a bicicleta, e ele passou a noite no hospital. Tenho outro amigo, arquiteto, cujo filho sofreu a mesma coisa. Vamos fazer um paralelo: é como se a gente estivesse no Central Park, em Nova York, e as pessoas que estão andando de bicicleta fossem esfaqueadas. Sabe o que ia acontecer? Ia fechar o Central Park, ia ter quinhentos policiais, não ia acontecer. Porque o sujeito que está em Nova York consegue ver o absurdo, a gente não consegue mais ver o absurdo.

[…]

É evidente que quem estava apoiando a campanha da Dilma apoiava um governo que ia morrer nos próximos seis meses. Já era claro o tamanho da corrupção. No minuto que você aceita que vai associar o seu nome a bandidos, você já perdeu porque o seu parâmetro ético e moral já desceu a tal nível que virou discussão de malandro de botequim. E discussão de botequim o Lula ganha porque ele é malandro de botequim.

Sim, o Brasil perdeu a sensibilidade para o absurdo, pois passou a considerar normal o que não é. Mas só para não cair num fatalismo paralisante, gostaria de lembrar que Nova York nem sempre foi assim. Na década de 1980, antes da “tolerância zero” e tudo mais, o Central Park citado era um caos, o metrô era um perigo, havia pichação para todo lado e bastante violência, gangues, etc. A cidade deu um jeito nisso sem aliviar para o lado do bandido, sem enxergá-lo como uma “vítima da sociedade”, sem discursos românticos de esquerda, mas sim com presença ostensiva da polícia e punição severa para criminosos, inclusive os pequenos delitos.

O Rio e o Brasil ainda têm jeito, mas é preciso começar a fazer as coisas certas, abandonar a retórica sensacionalista típica da esquerda e o viés justiceiro típico de uma ala da direita, e passar a endossar uma política de império das leis. Não podemos ficar passivos diante de tudo que acontece, achar normal tanta violência, tanto crime. Não podemos jogar para abstrações como a “sociedade” ou o “sistema” a responsabilidade por tais coisas. São indivíduos que agem, que escolhem agir, e a impunidade deve ser combatida com firmeza. Ou isso, ou perderemos cada vez mais gente para os países desenvolvidos.

PS: Padilha comenta sobre sua fase de mercado financeiro, como se fosse um mecanismo de transferência de riqueza dos pobres para os ricos, um Bolsa Família às avessas. Ele está parcialmente enganado. Sim, por um lado, o governo acaba pagando caro para se financiar, e isso favorece quem tem investimentos, os “rentistas”, enquanto penaliza os pagadores de impostos da classe média. Mas isso não é culpa dos ricos, e sim do governo populista e perdulário. A solução não é condenar o mercado, e sim os gastos públicos descontrolados, uma bandeira da esquerda, que odeia o “ajuste fiscal”. Governo com finanças ruins é governo dependente de financiamento, e terá que pagar caro por ele. Não vamos atacar o termômetro, e sim a causa da doença.

PS2: Padilha, assim como seu amigo Wagner Moura, que foi morar na Colômbia, tem todo o direito de sair do Brasil, mas não deveria jamais aplaudir partidos ou candidatos socialistas como o PSOL e Freixo, pois isso é pura hipocrisia. Por que não vão para Cuba ou Venezuela, então? Por que buscam refúgio no capitalismo americano? Wagner Moura, por exemplo, que “odeia” a ganância capitalista e “adora” o socialismo, esteve nesse último feriado em um hotel fazenda chamado Fazenda do Serrote, em Minas Gerais. Coisa de “bacana”, como diria Ancelmo Gois. Ele ficou no melhor, maior e mais novo quarto (nem está no website do hotel), que se chama Tocaia Grande. Não é um quarto… é uma casinha! Um quarto menor custava R$ 8 mil pelo feriado. Certamente o dele foi bem mais! E claro, ele foi no Land Rover Discovery 4 dele com a babá dos filhos a tiracolo! Mas condena a ganância capitalista…

Rodrigo Constantino

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