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A doença do Brasil: o centralismo tribal

Qual a grande vantagem do sistema capitalista de livre mercado? Sua descentralização impessoal, em síntese. Milhões de indivíduos, movidos por seus próprios interesses e guiados por uma “mão invisível” acabam produzindo um resultado mais eficiente e benéfico para a imensa maioria. Esse sistema de trocas é impessoal, ou seja, não compramos ou vendemos para o outro olhando cara e coração, suas intenções, cor da pele, credo religioso, mas sim o mérito, o valor subjetivo.

É justamente tal impessoalidade que incomoda muita gente, em especial dos “intelectuais” românticos. Eles gostariam de ver a boa intenção nas trocas, o altruísmo, a camaradagem. Não entendem que isso seria matar a galinha dos ovos de ouro, voltar para um tribalismo onde o conhecimento pessoal limitava sobremaneira as trocas. Não dou crédito com base na confiança das regras impessoais do jogo, e sim na afetividade. Ora, só dou crédito, então, para poucos amigos!

Essa mentalidade tribal leva ao escambo, contra o lucro impessoal do capitalismo. É muito mais limitado, restringindo as trocas possíveis na economia. E está por trás do patrimonialismo também, pois a coisa pública (república) acaba vista como “cosa nostra”, e a patota no poder como uma grande famiglia. Eu só favoreço os “meus”, e daí surge o privilégio (de prive leges, leis privadas). É um sistema condenado à ineficiência e à corrupção, pois calcado na camaradagem, não na confiança no próprio sistema impessoal.

Esse tem sido um dos temas mais presentes nos trabalhos do antropólogo Roberto DaMatta, e, com base em fala de Mujica, foi também o assunto de sua coluna de hoje. Abaixo, alguns trechos interessantes:

O Brasil é doente, diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai José Mujica, numa entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição do dia 24 do corrente. Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros rodados na vereda política e tendo como norte a irmandade esquerdista latino-americana, a patologia nacional brasileira tem como centro o “tráfico de influência” que seria uma “tradição” do nosso sistema político. Concordo em gênero, número e grau com Mujica.

[…]

A lógica do dar e receber (ou do dar para receber) é o coração do “favor”. Se eu te faço um favor, se eu te devo favores, esses favores nem sempre se encaixam nas divisões ideológicas e jurídicas que regem o Brasil como país.

[…]

Num nível tudo parece muito simples: gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais, esquecendo a força dos velhos costumes, os quais têm o poder das velhas tecelagens, como revela Mujica.

Tanto no plano econômico quanto no político, as regras são claras e formais. Mas o mundo das “influências” advindas da casa, uma ética da reciprocidade interfere com a do Estado e distorce o chamado “espirito do capitalismo”. Nessa tecelagem, a empresa não visa ao lucro, mas ao emprego para os amigos e recursos para o partido.

[…]

É impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil liquidar essas sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes que prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo sentido, não temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito imprescindível para uma vida igualitária e democrática — republicana.

Em suma, precisamos deixar de ser uma grande tribo controlada por “caciques e amigos” e nos transformar, de fato, numa República com regras impessoais, válidas igualmente para todos, com ampla liberdade individual e um sistema dominado pelas trocas voluntárias.

Rodrigo Constantino

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