O terremoto de 1755 abalou muito mais do que construções lisboetas; colocou em xeque várias crenças e abalou a confiança de muita gente no futuro e em Deus. No mesmo ano de 1757, dois livros similares na forma, porém com diferenças essenciais na mensagem, foram publicados.
Um deles por Voltaire que, com seu Cândido, zombou do otimismo de seguidores de Leibniz, que acreditavam que este era sempre o melhor mundo possível. O outro por Samuel Johnson que, com seu Rasselas, O Príncipe da Abissínia mergulhou nas questões do sentido da vida.
Enquanto Voltaire apelou ao sarcasmo, tentando ferir com uma espécie de revolta juvenil aqueles que procuravam opções metafísicas para obter algum consolo em uma vida aparentemente sem sentido e repleta de desgraças, Johnson preferiu uma conversação mais elevada, demonstrando uma sensibilidade que me parece bastante superior.
Para começo de conversa, se o personagem principal de Voltaire foi expulso do castelo a pontapés e só aí iniciou suas aventuras, o Rasselas de Johnson, que vivia em um “vale de alegrias” como um príncipe, com todas as necessidades supostamente atendidas, resolveu sair por conta própria para conhecer o mundo em busca de sentido. Sentia-se aprisionado mesmo com todos os apetites saciados e com farta diversão diária.
As angústias eram interiores, um estado de espírito constante, um alerta do autor para aqueles que esperam encontrar a perfeição, a felicidade plena, algo que simplesmente não nos foi dado como alternativa. Voltaire parece gritar com o “mundo” ou com Deus por todas as nossas agruras e sofrimentos, enquanto Johnson parece adotar uma postura de maior resignação e aceitação dos sofrimentos inevitáveis da vida humana.
Rasselas viaja por vários países e conhece inúmeros estilos de vida diferentes. Em alguns casos, ele realmente parece acreditar ter encontrado a resposta para a felicidade. Mas logo depois se dá conta de que não era bem assim, que as aparências enganam, que a realidade era mais trágica. Estamos fadados a uma sensação de insatisfação crônica, a sempre ansiar por mudanças, por algo que não temos. É o que nos move.
Quando Rasselas visita as pirâmides do Egito, conclui que foram feitas como monumento a essa eterna insatisfação humana, como prova de que nunca ninguém terá tudo de que precisa ou aquilo que deseja, sendo levado até mesmo a sacrificar vários escravos em trabalho árduo apenas para atender seus caprichos fúteis.
Os diálogos são muito interessantes, e há o confronto entre diferentes opções de vida. O casamento com dores ou o celibato sem prazer, a juventude ou a velhice, ter filhos mais cedo ou mais tarde, a reclusão intelectual ou a busca por diversão na companhia dos outros, a vida humilde campestre ou no luxo das cidades. Em cada alternativa, um problema diferente. Não há uma única escolha certa e perfeita.
Um sábio parece oferecer uma receita quase mágica, pois garante que é possível domar as emoções com o uso da razão, e realmente demonstra ter pleno controle das suas. Rasselas fica muito impressionado, e decide consultar mais vezes o sábio, que aceita, sorridente, o ouro pago como recompensa pelo príncipe.
Até o dia em que Rasselas o encontra desolado, em um estado de espírito sombrio. Havia perdido sua filha preferida, acometida por uma febre. Mas e aquela conversa de controle das emoções com base na razão? O sábio reconhece que é impossível ser confortado por qualquer argumento racional em um momento daqueles, e Rasselas decide partir. Era um falso profeta, era apenas um homem comum, como todos os outros.
Em suas várias experiências, ele encontrou obstáculos à felicidade, viu a inveja, o rancor, a futilidade. Quando se uniu a um grupo jovem, sentiu-se revigorado, com mais energia, entorpecido pelo dia a dia mais leve e solto. Até perceber que aquilo também era extremamente limitado, que seria ridículo manter um estilo de vida assim no futuro. Seus risos eram sem motivo, seus prazeres eram grosseiros e sensuais, e Rasselas logo ficou enjoado daquilo.
Em suma, Johnson, tido como um dos homens mais sábios e virtuosos de seu tempo, não oferece fácil conforto ao leitor, nem uma receita única para a felicidade. Mas tampouco ridiculariza aqueles que tentam encontrar alguma paz de espírito em crenças metafísicas, diante de um mundo que pode ser bem trágico.
Andamos em uma corda bamba, com uma natureza humana complexa, e podemos apenas tentar fortalecer nossas virtudes e evitar certos vícios, mas não devemos esperar grandes apoteoses ou um controle total de nosso destino. Concordo com a análise comparativa que Theodore Dalrymple faz de ambas as leituras e autores: Johnson parece estar em um estágio mais amadurecido do que Voltaire. Sua reação ao mesmo fenômeno trágico demonstra isso.
Em tempo: o livro foi escrito em apenas uma semana para pagar os custos do funeral de sua mãe. Obra de um verdadeiro gênio!
Rodrigo Constantino
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