Não sou daqueles que gostam de culpar nossos colonizadores por todos os nossos problemas atuais, pois não é razoável que tanto tempo depois isso ainda sirva de desculpa para tudo. Mas uma coisa sem dúvida herdamos dos portugueses: o relativo desprezo pelo trabalho. Trabalhar era coisa de escravo, enquanto os demais iriam apenas usufruir de funções mais “nobres”.
Segundo conta Jorge Caldeira em sua brilhante biografia sobre o Barão de Mauá, o Imperador D. Pedro II jamais perdoou o empresário por tê-lo feito se curvar com uma pá de prata em um gesto simbólico na cerimônia de inauguração de uma estrada de ferro em 1852. Aquilo simbolizava trabalho, o que Mauá, formado desde cedo no comércio por um inglês, reverenciava, enquanto a aristocracia portuguesa abominava.
Já os anglo-saxões desde cedo venceram esse preconceito, especialmente os calvinistas. O trabalho passava a ser visto como algo louvável, capaz até mesmo de garantir seu lugar no paraíso. O sucesso profissional era visto, então, como prova do valor do indivíduo. Todos estão familiarizados com a tese de Weber.
Pois bem: sou da opinião que ainda não abandonamos completamente aquela velha herança lusitana, o que o próprio Portugal já fez. No discurso sim, concordo que todos condenam a preguiça, a vagabundagem, o parasita. Mas na prática enaltecemos pouco o verdadeiro trabalho, e não falo apenas do braçal, mas também (e principalmente) daquele intelectual, inovador, que gera riquezas para uma sociedade, especialmente na era da informação.
Senão, vejamos: por que o lucro, fruto desse trabalho criador de riquezas, é tão punido por aqui, tanto nas narrativas que tripudiam dos ricos como se exploradores fossem, como nos pesados impostos que incidem sobre eles? Por que tanta gente fala o tempo todo em emprego, mas não necessariamente em trabalho, dissociando uma coisa da outra? Não são poucos os que querem somente um emprego, ou seja, um cargo remunerado, sem ter que entregar valor em troca, sem levar em conta o mérito e as escolhas voluntárias dos consumidores.
Não me entendam mal: não estou dizendo que brasileiro não trabalha. Trabalha sim, e muito, em condições absurdas e às vezes desumanas. Enfrenta horas de caos no trânsito, por exemplo. Mas creio ser inegável essa tendência que predomina em certas áreas e certos discursos, essa postura que se não é majoritária, certamente é grande o suficiente para influenciar todo o sistema e prejudicar os verdadeiros trabalhadores.
O Brasil ainda não abraçou com vontade a ética do trabalho, aquela que para de olhar para o estado como o garantidor de todas as conquistas, e passa a olhar para o indivíduo como o único responsável por seu próprio futuro, devendo assumir as rédeas de seu destino em um ambiente de mais liberdade e menos paternalismo. Aqui ainda achamos que as “conquistas trabalhistas” são uma bênção, não uma maldição para os próprios trabalhadores, cujo rendimento depende, em essência, de sua produtividade, não das benesses legais.
Falamos em trabalho e podemos pensar em quem usa trabalho ou trabalhador em suas siglas: partidos de esquerda que usam os trabalhadores para se dar bem e conquistar poder, mas que na prática tomam medidas prejudiciais aos trabalhadores de verdade; sindicatos cujos líderes vivem cheios de regalias enquanto endossam essas mesmas medidas; populistas que falam muito no trabalhador, mas nunca trabalharam na vida. É muita retórica, pouco resultado.
Chega! O que precisamos é de um ambiente mais liberal para que os trabalhadores possam prosperar, criar riquezas, investir em produtividade, produzir o progresso material que reduz o desconforto natural da vida humana. Necessitamos de uma ética do trabalho já, em vez de esse culto ao emprego, como se o governo fosse a locomotiva do progresso, como se bastasse distribuir cargos e benesses para o país crescer de forma sustentável. Precisamos de mais Adam Smith e menos Marx, de mais Ayn Rand e menos Piketty! É preciso ensinar a pescar e deixar a pesaria livre de amarras burocráticas e estatais, não distribuir os peixes que os pescadores pescaram, o que gera um terrível mecanismo de incentivos distorcidos.
Que esse dia do trabalho sirva para nossa reflexão sobre quem realmente valoriza o trabalho, e quem apenas explora a causa do trabalhador com viés populista e marxista para se dar bem na vida sem trabalhar de verdade, somente mamando nas tetas estatais.
Rodrigo Constantino