Já disse antes e repito: em minha visão de mundo, que julgo razoável, haveria espaço legítimo para três grandes vertentes políticas, compostas pela social-democracia de centro-esquerda, o liberalismo e o conservadorismo democrático de direita. Um país civilizado deveria contar com esses três grandes grupos “ideológicos”, rejeitando o radicalismo e o extremismo tanto de esquerda como de direita. Socialismo? Não há espaço para ele num mundo civilizado e democrático. Fascismo? Idem. E assim os três grandes representantes das diferentes visões de mundo debateriam de forma civilizada e disputariam o poder pelas vias democráticas.
Infelizmente, estamos longe disso. No Brasil, o que é tido como centro ou moderado é a esquerda dos países civilizados, e praticamente não há representantes efetivamente liberais ou conservadores entre os partidos ou políticos. Somente no Brasil um partido como o PSDB seria “acusado” de neoliberal ou de direita. Os tucanos são de centro-esquerda, defensores de várias bandeiras claramente “progressistas”. FHC foi um intelectual socialista fabiano, e conseguiu evoluir em muitos aspectos, mas guardou o ranço esquerdista, cujo DNA está em todo o partido.
Em sua coluna de hoje no GLOBO, FHC apresenta vários argumentos sensatos em relação ao quadro caótico de nossa política hoje, mas não consegue esconder sua visão “progressista” de mundo. Ela é, como já disse, legítima numa democracia, mas seria, em qualquer país avançado, tida como o que é: de esquerda. Nenhum liberal, muito menos um conservador, endossaria certas bandeiras vistas como louváveis pelo ex-presidente. Por exemplo:
Espera-se das oposições que sejam progressistas também no campo comportamental: que não defendam a redução da maioridade penal, mas, sim, a extensão da pena dos menores infratores em dependências que sejam condizentes com a dignidade humana; que apoiem como legítimo e justo o casamento entre pessoas do mesmo sexo; que não fujam ao debate sobre as drogas, que não temam proclamar que o encarceramento dos usuários é parte do problema, e não da solução; que sejam assertivas na luta pela igualdade de gênero e contra o preconceito e a discriminação racial, com o uso adequado de cotas e demais medidas compensatórias; e que não aceitem retrocessos legais na questão das terras indígenas.
Ou seja, se dependesse de FHC, a oposição ao PT não deveria defender a redução da maioridade penal, deveria pregar o casamento gay (diferente de união civil), empenhar-se na legalização das drogas, aderir aos movimentos das “minorias” que enxergam o mundo em classes coletivas e aplaudir até mesmo as cotas! Diz isso um ex-presidente que, de fato, iniciou várias dessas medidas estatizantes, segregando o país com base em grupos e deixando de lado a menor minoria de todas: o indivíduo.
Não me entendam mal: são bandeiras legítimas num debate democrático. Mas são de esquerda. Aqui nos Estados Unidos são os Democratas que endossam essas bandeiras, e são vistos claramente como de esquerda. Por outro lado há os Republicanos, inclusive a ala mais radical do Tea Party, condenando abertamente a agenda “progressista”. Ou seja, há um debate civilizado aqui entre esquerda e direita, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a esquerda civilizada é vista como direita, e os revolucionários bolivarianos do PT são tidos como “moderados”.
Outra prova de como o Brasil está distante do razoável é a reverência com a qual Obama é tratado por veículos tidos como de direita no país. Aqui nos Estados Unidos Obama é visto como de esquerda, e da ala mais radical da esquerda. Afinal, foi fortemente influenciado por professores marxistas. Claro, uma vez no poder precisou ser mais realista, enfrentar as fortes barreiras institucionais que limitam o estrago causado por uma pessoa. Mas as grandes “conquistas” de Obama, pela ótica da direita local, foram tornar os Estados Unidos mais próximos apenas de dois países no mundo, Cuba e Irã, e centralizar o poder, indo contra o federalismo. Já o editorial do GLOBO, que quando fala de economia brasileira acerta quase sempre, tece inúmeros elogios ao presidente americano:
Obama avançou em áreas há muito estagnadas. É o caso do aquecimento global. […] Simbolicamente, no entanto, a maior guinada de Obama foi o degelo diplomático com Cuba, pondo fim ao último resquício da Guerra Fria no continente. […] Também representou um passo inédito a reaproximação dos EUA com o Irã, mediante a negociação de um acordo nuclear que visa a conter a capacidade do país persa de produzir a bomba atômica e evitar uma corrida armamentista na região. A iniciativa substitui o confronto por uma aposta no diálogo.
[…]
Onde não houve consenso, Obama legislou por atos do Executivo. Outros temas foram parar na Suprema Corte, como a abrangência do Obamacare, o sistema de saúde lançado por ele. O Judiciário americano, aliás, talvez influenciado pelo ímpeto do presidente, aprovou itens da agenda democrata, como a universalização do casamento gay no país.
Ainda há muito a avançar, como mostram questões como racismo, controle de armas, imigração, entre outras. Mas o legado que Obama prepara aponta um bom caminho.
Ou seja, justamente aquelas coisas que os americanos mais conservadores enxergam como fraqueza e erros de Obama, são as elogiadas pelo editorial do jornal, que é visto como de direita no Brasil (só por condenar o PT). Os Democratas devem perder as próximas eleições (tomara), em boa parte por esses equívocos de Obama. Mas no Brasil não há, na grande imprensa ou na política, aqueles que apontam para Obama como um esquerdista um tanto radical, como ele é visto por aqui por milhões de pessoas.
Tudo isso só comprova a falta que faz, no Brasil, uma direita mais forte e organizada. É verdade que ela está em ascensão, que temos nas vozes de Ronaldo Caiado e Onix Lorenzoni, do DEM, mensagens mais firmes de direita, ou que mesmo dentro do PSDB haja um grupo tentando remar mais contra a maré vermelha. Mas falta muito ainda para termos uma Fox News com o peso e a influência que ela tem aqui nos Estados Unidos, para se contrapor a uma CNN esquerdista. Falta muito para termos um partido Republicano que confronta com coragem e determinação as pautas “progressistas”. E falta, claro, a percepção de que a social-democracia é uma alternativa legítima no debate, mas que ela tem viés esquerdista, não de direita.
FHC, PSDB, editorial do GLOBO (nem vou incluir o da Folha, pois esse é esquerdista com vontade): todos são adeptos de uma agenda “progressista”, querem legalizar drogas, desarmar a população inocente, usar o estado para controlar o “aquecimento global”, pregar cotas ou movimentos organizados de “minorias” cuja visão de mundo é coletivista e segregacionista. São, insisto, bandeiras legítimas no debate. Mas por favor: são bandeiras de esquerda! E no Brasil eles são “acusados” de representar a direita, o que comprova todo o nosso atraso intelectual e ideológico.
PS1: A Veja, tida como de “ultra-direita” pela esquerda nacional, tem em seus quadros blogueiros realmente liberais ou conservadores, mas tem também social-democratas como Caio Blinder. Ou seja, é um veículo plural, com algum viés ligeiramente maior à direita, e isso basta para ser demonizada de “extremista” pelos verdadeiros extremistas de esquerda, que bancam os moderados.
PS2: Como prova de que nossa “direita” se aproxima da esquerda radical nesse aspecto, basta ver como há sintonia entre o editorial do GLOBO e a opinião do socialista revolucionário Verissimo, que teceu inúmeros elogios a Obama em sua coluna de hoje pelos mesmos motivos apresentados pelo jornal. O jornal deveria rever seus pontos quando concorda com um petista desses, não é mesmo?
Rodrigo Constantino
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