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Weston Town Center Weston Town Center

O texto abaixo não é uma ode ao relativismo ou ao subjetivismo exacerbados. Acredito no conhecimento objetivo, na existência de fatos e no mínimo de julgamento imparcial para não me deixar levar pela máxima de gustibus non est disputandum, ao menos não ao extremo de que “vale tudo”. Por exemplo: preferir a Suíça ao Zimbábue não é uma “mera questão de preferência”; se alguém escolher o país de Robert Mugabe, tem sérios problemas mentais e deveria ser internado pelos “homens de branco”.

Minha trajetória tem sido de luta contra o provincianismo, o nacionalismo boboca, o ufanismo cego. Combato o antiamericanismo, a mentalidade do brasileiro que se julga “malandro” e criou um país de otários, mentalidade esta amplificada no meu querido Rio de Janeiro, a “cidade maravilhosa”. Essa coisa de que não devemos criticar nossa cidade ou nosso país serve apenas para preservar mentiras, para impedir mudanças necessárias. Como um pai que finge não ver o problema do filho com as drogas: seria amor?

Dito isso, chamo a atenção para duas coisas: a primeira, a grama do vizinho nos parece sempre mais verde (mas às vezes ela é mesmo); a segunda, dependendo do que está em jogo, alguns fatores subjetivos farão toda a diferença do mundo. Claro, é preciso largar de um básico, do mínimo necessário para uma vida decente, mas a hierarquia das nossas preferências subjetivas importa, e muito, na escolha do nosso destino. Tendemos a exagerar nas expectativas e desdenhar da prática. A fantasia é sempre melhor que a realidade.

A crônica das férias de João Pereira Coutinho, publicada na Folha hoje, está não só divertida, como toca nesse ponto importante: idealizamos alguma coisa, como a vida no campo, bucólica e idílica, pois esta não é a nossa realidade. O “inferno verde” é o nome “carinhoso” da selva para quem vive nela, enquanto os demais, distantes e enfurnados nas cidades barulhentas e poluídas, apenas sonham com aquele “paraíso” longínquo. Coutinho conclui:

Ironia: as minhas férias serviram para eu suspirar por férias. Ou, pelo menos, pela cidade que me acompanha o resto do ano. Por isso, quando a vi ao longe, no dia do regresso, a sensação foi semelhante à de um náufrago que vislumbra uma ilha no horizonte.

No meu caso, uma ilha feita de restaurantes, cafés, pessoas que passam. E até a lentidão do trânsito ganhou aos meus olhos os contornos de uma coreografia digna de Hollywood. “Como é belo esse congestionamento”, pensei, enquanto inalava pela janela do carro o inconfundível odor da podridão urbana.

E quando, na primeira noite depois do regresso, desliguei a luz da mesa de cabeceira, pensei no cão que ladrava lá longe. E adormeci como um bebê, embalado pelas sirenes que passavam embaixo.

Tudo é relativo? Nem tanto, nem tanto. Mas às vezes precisamos de uma pitada de “paraíso” para valorizarmos mais nossa realidade imperfeita. O ser humano é insatisfeito com o que tem por natureza, e é isso que nos impele a querer sempre mais, a mudar. Os europeus sonhavam com o El Dorado, com a vida mansa e tranquila dos índios, com o “bom selvagem”. Como era doce estar longe da barbárie para poder idealizá-la! É o que muitos da elite fazem até hoje com as favelas, as “comunidades” onde as “pragas capitalistas” ainda não chegaram, e todos vivem em comunhão quase perfeita. Sei…

Em tempos em que muitos brasileiros, cansados e desiludidos com o governo petista, pensam em se mandar do país, vale a pena lembrar que nem tudo que reluz é ouro. Um vídeo engraçado de um diário de um argentino no Canadá chegou a mim essa semana, por um amigo bastante provinciano que gosta de tirar sarro da minha nova vida no rancho da Flórida. Vejam:

Pois é: nem mesmo o Canadá é perfeito! Mas como disse ao meu amigo, ainda prefiro o inverno canadense  ao inferno carioca. Uma vez mais: questão de preferências. Para quem não suporta a “malandragem” dos otários, para quem não aguenta viver sob o domínio do “jeitinho”, para quem acha insuportável o trânsito caótico repleto de pedintes que precisam “provar” não serem bandidos, para quem cansa da doutrinação marxista nas escolas dos filhos, para quem não liga muito para carnaval, pagode, futebol e funk, digamos que a escolha não parece tão difícil assim. De um lado, o caos, do outro, a civilização!

Mas não fui encarar o frio canadense, e sim o calor da Flórida, nesse aspecto semelhante ao carioca. Há mais de quatro meses em Weston, posso assegurar que a realidade, até agora, superou as expectativas. Claro, preciso conviver com as aranhas que pululam nas casas perto dos canais que cortam a cidade toda, vizinha de Everglades. O pântano atrai outros bichos também, e já recebi até a visita de um ser rastejante, que após análise minuciosa, verifiquei não se tratar de um invasor petista (não era peçonhento).

Mas o que são cobras e lagartos perto dos marginais do Rio? O que são pequenas aranhas espalhadas pela casa se comparadas aos professores marxistas da minha filha, defensores de Cuba e do PT? Não estou no paraíso, é verdade. Apesar de ter apelidado isso aqui de Truman Show, apelido que, descobri mais tarde, outro brasileiro deu também ao local. É que tudo funciona de forma impecável. A grama está sempre linda, bem aparada. Nas ruas não circulam ônibus com motoristas revoltados, e sim carros decentes que respeitam as regras do trânsito, mesmo quando não tem nenhum policial por perto. Aliás, qual trânsito? Qualquer lugar está a dez minutos de distância.

Entendem porque me sentia no Truman Show? Pensava, no começo, que aquelas pessoas nas ruas faziam parte dos figurantes contratados para me enganar. A agência bancária parece uma casinha de brinquedo, e o gerente quase solta fogos de artifício quando você nela adentra, pois quebra a monotonia de seu dia a dia. Tudo isso a meia-hora da bela praia de Fort Lauderdale, a 40 minutos da mais badalada Miami, e a menos de 3 horas do mundo encantado da Disney, para quem tem filhos.

Ah sim, sem falar do Sawgrass Mills, o templo do consumismo aqui ao lado, onde brasileiros acumulam produtos feito desesperados em suas malas, mesmo com o dólar perto de R$ 4,00, para provar como o Brasil é caro (mas o shopping lotado está mais perto de minha visão de inferno do que de paraíso).

Não busco o paraíso, pois ele não existe. Sei, também, que toda escolha envolve trocas: você abre mão de algumas coisas para ter outras, que valoriza mais. Sei, ainda, que essas preferências são, em grande parte, subjetivas, que dependem do gosto individual. Meu amigo brincalhão gosta de me imaginar naqueles carrinhos de cortar grama, como se esse fosse o único afazer possível numa cidade como Weston. O riso é livre (e há outras possibilidades de hobbies mais agitados, como jogar damas ou montar enormes quebra-cabeças).

Mas quando saio de casa e me deparo com tudo impecável, com a tranquilidade e a segurança que minha família não desfrutava no Rio, quando lembro de que carro blindado é algo inútil e inexistente por aqui, quando penso que instalei um sistema de alarme em casa só para me sentir no mundo real já que a porta pode ficar aberta, quando levo minha filha para uma escola pública onde ela aprende sobre a vida de Thomas Jefferson em vez de as “aventuras” do “herói” Che Guevara, aí me dou conta de que, se o paraíso não existe mesmo, há lugares que ficam perto dele. Sim, com cobras e aranhas, e o espanhol como língua dominante, para lembrar que nada é perfeito. Mas, ainda assim, que espetáculo!

Muitos acham que a grama do vizinho é sempre mais verde. No caso, a grama aqui é mais verde mesmo. Meu desejo é que esse relato ajude os brasileiros a acordar para a sua dura realidade, pois somente assim haverá chance de mudança. Somos acomodados demais. Enquanto os “malandros” acharem que está tudo uma maravilha, pois temos belas praias (com arrastões), lindas paisagens (repletas de favelas dominadas pelo tráfico) e um povo cordial e pacífico (responsável por quase 60 mil assassinatos por ano), não corremos o menor risco de dar certo.

Sempre será possível apelar para o relativismo, apontar para o frio canadense, para os bichos do pântano, e celebrar o carnaval e o futebol. Mas há mesmo quem, em sã consciência, prefira viver no caos social a viver na civilização? Esquecemos o direito básico de ir e vir sem medo de levar uma bala no caminho? Não precisamos idealizar a última para condenar o primeiro.

Pode ser que o paraíso não exista. Já o inferno… assemelha-se muito a um lugar dominado por petistas e marginais que são vistos como “vítimas da sociedade”, não é mesmo? Mas quem sou eu para impor minha visão de mundo aos demais? Tem até quem prefira Cuba aos Estados Unidos (mas curiosamente esses vivem sempre longe da ilha socialista, e tecem elogios de Paris ou Nova York, pois ninguém é de ferro). Enfim, cada um com suas preferências. Alguns apreciam a civilização. Outros acham que a barbárie nem existe, que é um conceito elitista e arrogante. São, normalmente, os bárbaros…

Rodrigo Constantino

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