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“A inveja pública é como o ostracismo, que eclipsa os homens quando eles crescem demais”. (Bacon)

Em The Ethics of Redistribution, Bertrand de Jouvenel mostra com sólidos argumentos como a inveja pode estar por trás das políticas de redistribuição de renda através do aparato estatal. Ele cita um exemplo dos comunistas franceses que deram caros presentes para seu líder, aparentemente indo contra os próprios valores comunistas, explicando que as pessoas têm sido mais generosas com aqueles que julgam melhores e com seus líderes. O burguês apresentaria duas convicções básicas que diferem desse sentimento popular: sente que não deve sua riqueza a favores e se considera livre para gastá-la consigo mesmo, da forma que preferir, normalmente secreta. É precisamente o reverso da atitude que justificaria uma renda excepcional sob a ótica popular. O povo quer sentir que essa renda é um presente dele, e quer demandar que os beneficiários façam um espetáculo de gala.

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Por isso que o empresário que compra um iate é menosprezado, enquanto um presidente que vive no luxo, com roupas caras feitas de tecido egípcio, carro próprio para a cadela e viagens com avião novo, é admirado. Mesmo que seja um ex-operário eleito com o discurso de redução da desigualdade material. Quando o príncipe Felipe de Borbón e Letizia Ortiz se casaram, o evento contou com a mobilização de mais de 17 mil policiais e 200 atiradores de elite, que ajudaram na segurança, custando aos cofres públicos uma quantia estimada entre 6 a 8 milhões de euros. Segundo a imprensa espanhola, o custo total do casamento superou os 20 milhões de euros. Uma união entre dois indivíduos acabou se tornando um espetáculo público, financiado pelo bolso dos “contribuintes”. O povo, ainda que forçado a pagar pela festa, aplaude o espetáculo. Mas não faltariam críticas ácidas se um empresário pagasse do seu próprio bolso por uma festa milionária fechada. Seria acusado de fútil, insensível, e esfregariam na sua cara toda a miséria existente à sua volta, ainda que ele não tenha culpa dela.

A mensagem de Jouvenel fica mais clara nesta passagem: “A ingrata brutalidade dos reis em direção aos financiadores que os ajudaram sempre ganhou os aplausos populares. Isso talvez esteja relacionado ao profundo sentimento de que indivíduos não têm direito de serem ricos por eles mesmos e para eles mesmos, enquanto a riqueza dos governantes é uma forma de gratificação pessoal para as pessoas que pensam neles como o ‘meu’ governante”.

O livro de Jouvenel enfoca tanto a questão moral como os resultados das políticas de redistribuição de renda. O autor mostra como a iniciativa privada é afetada em diversos campos da vida social, podendo levar à destruição do homem independente e ao enfraquecimento da sociedade civil. As medidas de redistribuição de renda não têm como evitar a expansão burocrática e seus poderes discricionários, tornando praticamente impossível a reconciliação com o império da lei, fundamental para uma sociedade livre. Hayek focou bastante na questão do conhecimento limitado das autoridades. Como saber quanto da renda de alguém veio da pura sorte, do acaso, do mérito, do esforço ou da inteligência? Seria justo alguém ser rico por pura sorte? Mas ora, seria justo, da mesma maneira, alguém já nascer bonito, com genes bons, com voz possante, ou numa família rica? Os igualitários pretendem, num complexo de deus onisciente, solucionar o que seria uma “injustiça” cósmica. Moldariam a sociedade de acordo com um padrão pessoal de justiça, dando total ênfase na questão material apenas.

A redistribuição começou com um sentimento de que alguns possuem muito pouco e outros muito. Tirar desses que têm muito para dar aos que têm pouco seria vantajoso e “justo”, com justiça aqui significando apenas uma emoção arbitrária sobre um padrão pessoal de distribuição de riquezas. Do ponto de vista utilitarista, não há como medir as satisfações subjetivas das pessoas, sendo impossível verificar se a utilidade geral aumentou ou diminuiu com tal expropriação dos mais ricos. Hayek mostrou que essa linha de raciocínio, de retornos decrescentes por unidade monetária, onde o rico não teria a mesma utilidade que o pobre com 10 unidades extras, levaria ao oposto do defendido pelos “redistribucionistas”. O rico precisaria, por essa linha, de mais unidades monetárias ainda para manter a mesma satisfação. Teríamos que falar em imposto regressivo em relação à renda, não progressivo. Parece evidente que descartar de vez essa “lógica” utilitarista é o ideal, para evitar absurdos.

Na prática, é inviável executar essa redistribuição de renda tirando somente dos realmente ricos. Deixando de lado a injustiça em discriminar os mais ricos, ferindo a isonomia de tratamento, tal medida é totalmente ineficaz. Acaba que a classe média tem que ser vítima também. No fundo, quem ganha são os burocratas do Estado. Ocorre uma transferência de renda de todos para o governo. A centralização é o resultado inevitável das políticas de redistribuição. O Estado, que vai tirando mais e mais da classe média e alta, em nome dessa maior igualdade material, acaba tendo que compensar em parte, oferecendo serviços, substituindo as funções de poupança e investimento, garantindo subsídios etc. A conseqüência é um enorme avanço do papel estatal na economia, ameaçando as liberdades individuais. Marx sabia disso, e defendeu um imposto bastante progressivo como meio para o proletariado tomar, pela via política, todo o capital da burguesia, centralizando todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado.

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Bertrand de Jouvenel foi, ao lado de Hayek, um dos que melhor mostraram os resultados perversos e inexoráveis das medidas de redistribuição de renda pelo Estado, resultando na atrofia da responsabilidade individual e na hipertrofia da burocracia e do governo centralizador, sem que as minorias mais pobres fossem de fato beneficiadas.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.