Em sua coluna de hoje na Ilustrada da Folha, João Pereira Coutinho, hipocondríaco assumido, relata com humor um caso de uma amiga apavorada com um suposto linfoma e retroalimentada, pela internet, por todo tipo de paranoia. O ocorrido ilustra bem uma doença típica da modernidade: o excesso de diagnose, ou pior, de autodiagnose.
Em vez de procurar um médico especialista, com experiência e conhecimento, a amiga preferiu passar noites em claro confirmando nas redes sociais seus “sintomas”, segura de que tinha pouco tempo de vida. Chegou a pedir para que nosso ilustre colunista cuidasse de seu filho de 8 anos, caso morresse de fato. Não era nada demais, mas foi assim que Coutinho descobriu os “cibercondríacos”. Diz o autor:
Sou um hipocondríaco profissional há 37 anos. E qualquer hipocondríaco profissional sabe que só existe uma coisa pior do que as doenças; é a informação sobre elas.
Porque um hipocondríaco profissional é um camaleão natural: se ele ler literatura médica com regularidade, ele pode ter câncer à segunda-feira, esclerose à terça, insuficiência renal à quarta e princípios de Alzheimer à quinta. Ou talvez à sexta, já não sei bem.
É o famoso “quem procura, acha”. Ou, se não achar, cria algum sintoma. Com a internet, essa postura passou a ser exponencial, criando o que Coutinho chamou de hipocondríacos amadores, para diferenciá-los dos profissionais, que já sabem que devem evitar as bulas dos remédios a todo custo, como um alcoólatra evita uma simples cerveja.
O paralelo que o escritor português traça entre o fenômeno e a “morte de Deus” na era moderna é interessante. Já que não existe mais a “vida eterna”, então o corpo passou a representar tudo, de forma doentia. Diz ele:
Com o declínio das religiões tradicionais no Ocidente e o fim de qualquer possibilidade de transcendência, tudo que resta aos homens modernos é a tirania da imanência: os seus corpos, as suas patéticas carcaças -e o medo permanente de que a Deusa Saúde, a única que resistiu no Panteão, os possa atraiçoar a qualquer momento.
Por isso imagino esses hipocondríacos amadores, com brinquedos no pulso, no peito ou nos olhos, em vigilância permanente, medindo o comportamento do corpo com paranoica obsessão.
Não há muito como discordar de que existe uma onda de paranoia crescente com doenças e uma busca irracional, pois fadada ao fracasso, pela saúde perfeita. Pesquisas e mais pesquisas apontam os vilões do momento: o açúcar, o café, o tomate, o ovo, cada um tem seu momento de glória ou cai na lista negra. O sucesso dos alimentos orgânicos – para quem pode pagar por eles – ilustra bem o fenômeno.
Imaginar pessoas se monitorando o tempo todo, mandando dados para o celular, obtendo diagnósticos imprecisos, trocando informações nas redes sociais, realmente parece a visão do inferno. Falo, naturalmente, dos excessos. A ciência está aí para nos servir, e teremos vários casos positivos para relatar, até de vidas salvas graças a isso.
Mas a paranoia é inegável. A saúde perfeita é uma ilusão. Pior que isso: é uma ilusão que aprisiona e prejudica bastante a qualidade de vida da pessoa. Viver contando calorias e dissecando cada ingrediente da embalagem deve ser um pesadelo, assim como ficar o tempo todo checando se está com algum “sintoma” fora do normal. Coutinho conclui de forma brilhante:
Mas o futuro é dos amadores: gente tão preocupada em ser saudável que passará pela vida na perpétua condição de doentes.
Creio que é mais saudável viver sem tanta obsessão pela saúde perfeita.
Rodrigo Constantino
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