Evitava tocar no assunto, até por respeito aos familiares e amigos de Marco Archer, condenado em 2004 à pena de morte por ter tentado entrar na Indonésia com mais de 13 quilos de cocaína escondidos em sua asa-delta. “Curumim”, como é conhecido, teria recebido US$ 10 mil para levar a droga do Peru, e o tráfico de drogas é considerado crime gravíssimo no país. Sua execução está prevista para hoje mesmo, daqui a algumas horas.
O que penso disso? Que a punição é exagerada, severa demais, até absurda e bárbara. Do ponto de vista conceitual, não abomino a ideia da pena de morte em si. Roberto Campos resumiu bem a coisa: “Os adversários da penalidade máxima argúem que é sagrado o direito de todos à vida. Exceto, naturalmente, o direito das vítimas à vida. O direito à vida não pode ser incondicional. Só devem merecê-lo os que não tiram a vida dos outros”.
Mas do ponto de vista prático, tenho mil receios contra tal punição. Primeiro, devido ao risco de erro do julgamento, já que se trata de uma pena irreversível. Segundo, pois delega poder demasiado ao estado. Terceiro, pois a prisão perpétua talvez seja uma punição mais adequada a certos tipos, praticantes de crimes hediondos.
No caso de “Curumim”, porém, seu crime não parece nem de perto ter a gravidade suficiente para merecer a penalidade máxima. Sim, tráfico de drogas é crime sério, e tratado com muito rigor na Indonésia. A cocaína pode destruir a vida de muita gente, e conheço casos próximos para saber do que falo. Mas não há coerção envolvida, e o usuário, mal ou bem, procura sua própria destruição. Sem falar de vários que vivem “normalmente” e consomem a droga de forma recreativa. O meio artístico está cheio dessa turma.
Portanto, mesmo do ponto de vista teórico, eu só aceitaria a pena de morte para quem deliberadamente tirou ou arruinou com a vida de inocentes. Assassinos e estupradores, por exemplo. Mas não traficantes. Esses podem merecer, em alguns casos, uma segunda chance, como mostra a história transformada em livro (escrito por Guilherme Fiuza) e depois filme de João Guilherme Estrella.
Acompanho, então, aqueles que repudiam a punição escolhida e a intransigência do governo da Indonésia. Para piorar a situação, o GLOBO mostra hoje a hipocrisia da postura do governo, que trata com inclemência o tráfico de drogas, mas pede clemência para uma cidadã que matou na Arábia Saudita e foi condenada à morte também. Qual crime é mais grave: vender cocaína para quem deseja consumi-la ou tirar a vida da patroa?
Dito isso, gostaria apenas de acrescentar dois pontos finais. Primeiro, “Curumim” pode ser digno de pena, por não ter uma segunda chance, mas não pode ser visto como uma pobre vítima inocente. Conhecia os riscos ex ante, sabia que estava praticando um crime gravíssimo para as leis daquele país, e ainda assim resolveu se arriscar.
Tivesse passado pela polícia local, teria vendido a droga, prejudicado algumas vidas, e curtido seus US$ 10 mil na “malandragem”. Ou seja, vamos condenar o excesso da punição, mas por favor, não vamos transformar em herói criminosos, prática comum no Brasil do PT.
Por fim, uma reflexão aos esquerdistas: nesse momento, uma clareza moral milagrosamente vem à mente a ponto de condenarem o atraso e a barbárie das leis da Indonésia em relação ao tráfico de drogas. Mas logo depois essa clareza se torna flexível, relativista e turva, a ponto de leis mais bárbaras, como a sharia de certos países muçulmanos, serem vistas como “diferenças culturais apenas”. Dois pesos, duas medidas.
O mesmo “intelectual” que repudia a pena de morte por tráfico de drogas e sente compaixão por “Curumim” acaba justificando o terrorismo islâmico que ceifou a vida dos chargistas franceses, pois quem somos nós, afinal, para julgarmos a reação de determinadas culturas frente ao insulto religioso e à blasfêmia? Hipocrisia pura e uma postura insustentável, contraditória.
Aqueles que, como eu, entendem que a punição ao “Curumim” é absurda e bárbara, deveriam lembrar sempre disso: existem culturas mais atrasadas, que ainda praticam atos claramente em confronto com os direitos humanos universais, que deveriam ser válidos para todos. Não dá para julgar atrasada a lei que deverá tirar a vida de “Curumim” hoje e, ao mesmo tempo, justificar culturas que cortam o clitóris de pobres meninas ou apedrejam até a morte adúlteras, não é mesmo?
Rodrigo Constantino
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