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A palavra revolução desperta certo incômodo, e com toda razão. Pensamos logo na Revolução Francesa, que acabou levando ao Terror e à ditadura napoleônica. Ou na Revolução Bolchevique, que em poucos meses degolou mais inocentes do que décadas de regime czarista. Ou ainda na Revolução Cubana, que derrubou um ditador apenas para colocar outro muito pior em seu lugar.

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Mas há ao menos uma revolução que mudou muita coisa, e para melhor. Foi a Revolução Americana. E o livro de Gordon S. Wood sobre ela faz um sucinto relato que merece ser lido por aqueles interessados no assunto. Resgatar as principais origens, os acontecimentos marcantes, e as reformas que se sucederam à Independência Americana é uma forma de preservar os valores da liberdade.

Para começo de conversa, os próprios americanos envolvidos no processo de luta pela independência enxergavam, à época, sua nação emergente como “líder de uma revolução mundial em prol do republicanismo e da liberdade”. Ali se daria uma nova experiência capaz de servir como um farol para o resto do mundo. E, de fato, foi isso que aconteceu. A Revolução Americana inspirou muitos outros povos. Infelizmente, menos do que outros experimentos de viés mais coletivista, como a própria Revolução Francesa.

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No epicentro da revolução estava a insatisfação com o crescente avanço da Coroa Inglesa sobre os bolsos nos colonos americanos, para custear guerras distantes. Além de mais impostos, sem a devida representação política, o governo britânico passou a tolher mais a liberdade dos americanos, interferindo em sua flexibilidade legislativa e nas atividades comerciais. A resistência popular começou a crescer e ganhar força, com ares de rebelião até anárquica em alguns casos.

Além da revolta contra a expansão do poder estatal, os colonos americanos lutavam pelos direitos do homem comum, em detrimento de uma visão mais aristocrática européia. É fato que vários líderes do movimento faziam parte da elite, mas havia também gente simples, alimentando a ideia de que o mérito valia mais do que o berço. Essa poderosa ideia, da igualdade perante as leis, do “self-made man”, tão bem capturada no panfleto famoso de Thomas Paine que incendiou a nação, seria uma mola propulsora como nunca se viu antes.

Apesar de ideias tão revolucionárias, vale notar que não havia uma ruptura drástica com a cultura predominante na Inglaterra como tivemos nas demais revoluções. Esse ponto é importante para explicar porque somente esta revolução deu certo. O conservador Edmund Burke chegou a fazer uma análise na véspera da revolução, em 1775, de que os americanos “temiam o desgoverno a distância e farejaram a aproximação da tirania em toda brisa maculada”, e, por isso, teriam antecipado o sofrimento antes que ele os atingisse.

Ela seria, então, um movimento intelectual e conservador, para preservar antigas liberdades. Há, sem dúvida, grande parcela de verdade nesta visão. O clima de caos instaurado pelas rebeliões crescentes e o avanço do governo britânico fizeram com que as elites americanas quisessem, de certa forma, preservar o máximo possível da liberdade que já desfrutavam. Mas é inegável que ela trouxe enormes mudanças de cunho liberal, que abalaram as estruturas do país, e fizeram o poder e o dinheiro mudarem de mãos em grande velocidade.

Guerra vencida e independência conquistada, a despeito do desprezo que muitos ingleses sentiam pelos milicianos desorganizados da colônia, os americanos libertos partiram para uma nova modelagem da política. No começo, grande parte da energia e da atenção foi destinada ao estabelecimento das novas constituições estaduais. O governo central ou o Congresso não estavam nos planos esperançosos dos revolucionários. Havia enorme desconfiança com todo tipo de poder central.

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Uma confiança extraordinária foi depositada nas assembléias legislativas populares. Não havia um sentimento nacionalista disseminado, e poucos americanos poderiam conceber a criação de uma república continental una e completa. Mas houveram abusos de poder na esfera estadual mesmo assim. Somado a isso, o alto custo da guerra, financiada em boa parte pela emissão desenfreada de papel-moeda, criou um clima de insatisfação após a vitória. Havia, ainda, a dificuldade de fechar acordos comerciais em nível internacional, e vários países europeus se fecharam para os produtos americanos. Teve começo uma forte pressão por algum tipo de consolidação maior do poder na esfera federal.

A Convenção da Filadélfia acabou por criar uma nova Constituição que delegou mais poder ao governo central, após intenso debate filosófico entre federalistas e antifederalistas. Mas mesmo após esta maior centralização de poder, os americanos jamais abandonaram a desconfiança em relação ao governo, e por isso mantiveram diversos mecanismos de pesos e contrapesos para coibir abusos. Mesmo depois de tanto tempo, e após contínuos avanços do poder central, os estados americanos ainda preservam um grau de autonomia de causar inveja mundo afora.

Essa, talvez, seja a grande receita do sucesso americano. Eles foram capazes de contrabalançar um excesso de otimismo esperançoso de liberais como Paine e Jefferson com o maior ceticismo conservador de John Adams. Eles buscaram um equilíbrio entre a ampla descentralização de poder e certo grau de concessão pragmática à esfera central, ajudando a alimentar o patriotismo dos americanos. Eles depositaram enorme ênfase no homem comum, mas não jogaram no lixo a importância das elites, e sempre desconfiaram da democracia popular sem freios institucionais.

Não é nada fácil replicar essa receita, naturalmente. Nem mesmo os próprios americanos têm se mostrado capazes de sustentar um equilíbrio complexo desses. As liberdades individuais têm sofrido constantes ataques governo após governo. Mas o que foi ali plantado por aqueles homens ainda pode manter a chama da liberdade acesa. Se, com todos os obstáculos e tantos problemas no caminho, eles conseguiram criar algo tão incrível, então não podemos desistir da luta. Ela vale o esforço, como os americanos já demonstraram uma vez.

 

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