Os jornalistas brasileiros da grande imprensa nem tentam esconder: torceram de forma escancarada pela vitória do aborto na Argentina, e depois comemoraram em suas redes sociais. Não são apenas cabelos vermelhos: são ideologias vermelhas.
Para esses jornalistas, o aborto é uma luta das mulheres contra o obscurantismo religioso dos homens, e como os homens “reacionários” dominam a política, segundo eles, é difícil “avançar” nessa pauta.
Tem uma emissora em que todos os envolvidos no debate e na cobertura da votação tratavam como uma obviedade o progresso com o aborto, e colocavam como oponentes apenas homens neandertais que ainda acreditam no cristianismo (e na vida humana sagrada desde a concepção).
Os telespectadores ficam totalmente sem direito ao contraditório. Não há alma viva nesses “debates” para apresentar o outro lado, tido como coisa de extremista maluco. Tanto discurso pela pluralidade, mas vemos apenas uma hegemonia de esquerda.
Luta das mulheres? Curioso: tem muito homem que prega o aborto, e tem muita mulher do lado da marcha pela vida, contra o assassinato de bebezinhos no útero. Classificar dessa forma binária e simplista é coisa de quem quer realmente debater e focar em argumentos? Mas é justamente a postura da grande imprensa, que depois acusa os demais de Fake News.
Felizmente há exceções na mídia, e a Gazeta do Povo é o melhor exemplo. Em seu editorial de hoje, o jornal paranaense ressalta seu compromisso com o valor da vida humana, e entende o perigo que é essa banalização do aborto, como se fosse simplesmente como cortar uma unha, eliminar um parasita incômodo:
A proteção da vida humana desde a concepção, uma consequência lógica do reconhecimento da dignidade intrínseca de cada ser humano, sofreu duas duras derrotas em poucos dias. Em 25 de maio, na Irlanda, a população, em referendo, aprovou, com dois terços dos votos válidos, uma mudança na Constituição do país permitindo que o Parlamento legisle sobre o tema da forma que bem entender – até então, o aborto era ilegal no país exceto nos casos de risco de vida para a mãe. E nesta quarta-feira, a Câmara dos Deputados argentina aprovou, por 129 votos a 125, um projeto de lei que permitirá o aborto no país até a 14.ª semana de gestação. Em ambos os casos, o ataque contra a vida ainda não está sacramentado, mas o contexto político não permite nutrir muitas esperanças.
Apesar de a religião católica ter sido, por muito tempo, um forte componente da identidade nacional irlandesa, os escândalos de abusos sexuais cometidos por sacerdotes e encobertos por bispos demoliram a autoridade moral da Igreja Católica no país, um fator que colaborou para o resultado do plebiscito, além do apoio avassalador de partidos e líderes políticos – incluindo o primeiro-ministro Leo Varadkar – ao “sim”, opção que permitiria a mudança na legislação. Após o resultado do referendo, o governo quer enviar ao Parlamento uma proposta permitindo o aborto em qualquer situação até a 12.ª semana de gestação. Entre a 12.ª e a 24.ª semana, o aborto estaria liberado em caso de má-formação fetal, risco para a vida para a mãe ou algum outro risco para a saúde da mãe (um conceito bastante arbitrário). Depois da 24.ª semana, o aborto só seria permitido em caso de má-formação fetal.
Esse tipo de proposta deve ser aprovado pelo Parlamento. Durante a campanha do referendo, nenhum dos principais partidos irlandeses se opôs à legalização: o Sinn Féin fechou questão pelo “sim”; Fianna Fáil e Fine Gael não adotaram posição única, deixando seus parlamentares e filiados livres para votar de acordo com sua consciência, mas vários de seus principais líderes se colocaram publicamente do lado pró-aborto, incluindo o primeiro-ministro Varadkar, que é do Fine Gael. Por isso, apenas uma reviravolta surpreendente poderá impedir que o Legislativo irlandês torne o aborto legal no país.
E, caso isso aconteça, não apenas a vida dos nascituros passa a estar sob ameaça no país; a liberdade religiosa também será atacada. Depois do resultado do referendo, Varadkar já deixou claro que a objeção de consciência se aplicará apenas a indivíduos, mas não a instituições. Médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde podem se recusar a fazer um aborto, mas um hospital pertencente a alguma igreja ou instituição religiosa, ou que tenha um ethos religioso que inclua a posição pró-vida, terão de realizar o procedimento se houver, em sua equipe, médicos dispostos a tal. Uma flagrante violação a direitos básicos e que já gerou discussões acaloradas nos Estados Unidos, onde o chamado “Obamacare” (a lei que ampliou o acesso da população americana a planos de saúde) chegou a forçar entidades religiosas a bancar contracepção (e, dependendo da interpretação da lei, até mesmo medicamentos abortivos) a seus funcionários. Em outubro de 2017, uma medida do presidente Donald Trump restaurou a liberdade dessas instituições, protegendo ainda outras empresas cujos proprietários também tenham restrições morais a certas práticas.
Na Argentina, após a votação na Câmara, o Senado ainda tem de dar seu aval ao projeto, e os líderes das duas maiores bancadas na casa disseram ao jornal Clarín que o texto deve ser aprovado. Com isso, a última barreira estaria no presidente Mauricio Macri, que se diz pró-vida e poderia vetar a lei. No entanto, Macri preferiu a covardia, tendo afirmado que, se o Congresso aprovar a legalização do aborto, ele sancionará a lei – ou seja, não usará uma prerrogativa que a legislação lhe confere nem mesmo quando se trata de impedir um ataque contra a vida humana.
Só podemos lamentar essa crescente perda de sensibilidade em que eleitores e eleitos se tornam incapazes de ver no nascituro alguém merecedor de todo o respeito e proteção. O aborto nada mais é que a eliminação deliberada daqueles que são os mais indefesos e inocentes dos seres humanos, e essa ofensiva mundial por sua legalização nos lembra que também no Brasil os defensores da morte trabalham. Aqui, no entanto, usam uma estratégia diferente: como a população e os congressistas rejeitam amplamente qualquer proposta de legalização, os abortistas contam com o Judiciário, sabedores de que têm a simpatia e mesmo o apoio explícito de vários ministros do Supremo Tribunal Federal. Que eles tenham a sensatez de reconhecer que uma liberação por via judicial seria não apenas uma intromissão inaceitável nas atribuições de outro poder, o Legislativo, mas, acima de tudo, seria um atentado contra a dignidade inviolável de um ser humano cujo direito à vida existe desde o momento da concepção.
Rodrigo Constantino
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