Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal
São tempos difíceis esses em que vivemos. Não bastasse a maior crise econômica de todos os tempos, há uma séria crise institucional instalada nas entranhas do Estado brasileiro.
Motivados pelo amplo apoio popular à sua atuação no âmbito da Operação Lava-Jato, membros do Ministério Público Federal encaminharam ao Congresso um projeto de lei com dez medidas anticorrupção. Embora houvesse ali algumas propostas claramente antidemocráticas (e antiliberais), que flertavam com a arbítrio, como a possibilidade de utilização de provas ilegais, “quando os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo” (?!), ou o tal “teste de integridade dos servidores públicos, o projeto ganhou forte apoio popular. Enquanto isso, o Poder Legislativo é cada vez mais demonizado, sem que a maioria das pessoas pare para pensar que um legislativo ruim (e até mesmo corrupto), mas em funcionamento, ainda é melhor que nenhum legislativo.
Felizmente, o papel do Ministério Público ainda não é legislar. Essa função é do Congresso. E a Câmara dos Deputados, estritamente dentro das suas prerrogativas constitucionais, ousou, por larga maioria, modificar o texto daquele projeto. Foi o suficiente para gerar muita gritaria e confusão. Membros da Lava-Jato chegaram ao cúmulo de ameaçar uma renúncia coletiva, caso o presidente da república não vetasse parte do texto aprovado pela Câmara, colocando aquela casa em situação de penúria junto à opinião pública. Alegam os promotores que a decisão dos deputados inviabilizaria a Lava-Jato e a luta contra a corrupção. Bobagem. A Lava-Jato vem funcionando muito bem dentro da legislação atual e não seria a alteração no texto das tais “dez medidas” que a impediria de continuar seu trabalho. Há emendas desastradas? Há. Mas nada que não possa ser corrigido pelo Senado ou por vetos parciais do presidente da república. É assim que as instituições e o sistema de freios e contrapesos funciona, e não com edição de leis impostas de cima para baixo.
Enquanto isso, o Senado começa a discutir um outro Projeto de Lei, de autoria do Senador Renan Calheiros, sobre abuso de autoridade, que repousa nas gavetas daquela casa há seis anos, e não tem nada a ver com o texto aprovado na Câmara. O Projeto não é ruim, e até o juiz Sérgio Moro admitiu isso, questionando apenas a oportunidade de votá-lo nesse momento. O projeto foi elaborado por um time de especialistas de respeito, mas o MP e organizações de juízes logo se viram ameaçados e passaram a bradar contra o texto, alegando, adivinhem?, interferência no trabalho do judiciário. Mitologia pura.
Aqueles que hoje dão apoio irrestrito às propostas do MP (incluo aqui alguns liberais) e, consequentemente, ajudam a vilipendiar ainda mais o legislativo tupiniquim, se esquecem de princípio básico, fundamental para os liberais: em qualquer democracia liberal digna desse nome, uma lei de abuso de autoridade é algo não só desejável como absolutamente necessário. Não se dão conta de que nem todos os juízes são o Dr. Sérgio Moro e nem todos os promotores são os da Lava-Jato. Ao contrário, a mídia tem trazido à tona fatos estarrecedores oriundos do poder judiciário, não por acaso o mais nababo dos três poderes. Em resumo, corrupção, abusos, corporativismo, locupletação, etc., não são vícios exclusivos dos poderes legislativo e executivo, muito pelo contrário.
Lembram-se daquele juiz que deu voz de prisão a uma agente da Lei-Seca, que posteriormente ainda foi condenada a indenizá-lo? Pois é… Que empresário nunca foi achacado por um fiscal de tributos corrupto? Que dizer dos donos da Escola de Base, em São Paulo, que tiveram suas vidas viradas do avesso porque alguns policiais e promotores resolveram acusá-los, levianamente, de pedofilia? Aposto que todos os que me leem no momento já sofreram ou conhecem alguém que já sofreu abusos nas mãos de autoridades, sem que, na maioria das vezes, pudesse se defender. Para não falar das sanções absolutamente ridículas que são impostas, principalmente aos juízes, por má conduta, que na maioria das vezes resumem-se ao afastamento compulsório com vencimentos integrais.
Logo, é ótimo que a sociedade, através de seus representantes, coloque cabrestos em todos os agentes públicos, inclusive nos membros do judiciário. Afinal, como nos lembra Lord Acton, é inaceitável que nós julguemos os governantes e os agentes públicos diferentemente dos outros homens, com a presunção favorável segundo a qual eles nunca estão errados ou abusam de seu poder. Não, meus amigos, se há algo de que devemos ter medo é do excesso de poder nas mãos das autoridades.
Vamos combater a corrupção, sim. Vamos apoiar a Lava-Jato, sim. Vamos enquadrar os políticos, sim. Mas sempre usando as armas do Estado de Direito, e nunca esquecendo que a liberdade é um valor inestimável, que demanda permanente vigilância. Nada de atropelar as instituições ou o equilíbrio entre os poderes.
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