“Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo por ele.” Eis o slogan usado pela nova propaganda da Nike, com o jogador de futebol americano Colin Kaepernick. O jogador, que estava numa fase terrível dentro de campo, avaliado como o pior dos quarterbacks da temporada de 2016, destacou-se por outras “qualidades”: liderou um movimento de protesto contra o presidente Trump e a polícia “racista”, ajoelhando-se durante o hino nacional.
Virou ídolo imediato da esquerda, obcecada em atacar Trump, mesmo que para tanto tenha de cuspir na bandeira americana e abandonar qualquer traço de respeito pelo patriotismo. No caso, o “algo” em que o jogador acredita é no ato de desrespeitar símbolos patrióticos, numa confusão infantil entre presidente e instituições. O “sacrificar” significa se ajoelhar em desrespeito a tais símbolos, enquanto embolsa milhões por ano em sua conta bancária. Vítima? Herói?
Se pararmos para pensar, o slogan da Nike não faz qualquer sentido. Então é louvável alguém acreditar em “algo”, em qualquer coisa, desde que esteja disposto a sacrificar tudo por isso? Nem vem ao caso mostrar que não há sacrifício algum nesse exemplo do jogador. Digamos que ele realmente tivesse sacrificado algo importante: o que mudaria?
Muitas pessoas confundem o martírio ou o dogmatismo com a veracidade da crença. Quantos não repetem por aí que admiram Che Guevara, pois foi alguém que, ao menos, acreditou em sua causa até o fim e morreu por ela? “Se você não descobre uma causa pela qual valha a pena morrer, é porque você não está pronto para viver”, disse Martin Luther King. Mas não há diferença entre as causas de ambos? E isso não importa?
Che Guevara foi um porco assassino que matou em nome do comunismo, ideologia que destruiu incontáveis vidas no mundo todo. Martin Luther King foi um líder do movimento civil que lutou contra leis racistas, citando a igualdade de todos perante Deus, valor presente na Declaração de Independência da América, para alimentar um sonho de viver num país em que as pessoas fossem julgadas pelo caráter, não pela cor da pele. Tanto faz, desde que se esteja disposto a morrer pela causa?
No fundo, a hipocrisia da mensagem fica evidente, pois os mesmos que a repetem não aceitam levá-la às últimas consequências. O grupo Democrats For Trump publicou uma imagem do presidente com o slogan da Nike. Como fica? Se o sujeito estiver disposto a sacrificar tudo por Trump, isso merece aplausos? Podemos ir além, claro: os nazistas que aceitam matar ou morrer por sua ideologia devem ser respeitados, pois ao menos acreditam mesmo em “algo” e sacrificam tudo por ele?
Quando pensamos um pouco mais sobre esse slogan, logo fica evidente se tratar de pura ladainha, de uma frase de efeito criada para “lacrar”, não para inspirar de verdade. Afinal, não é o grau de compromisso com um ideal que faz dele um bom ideal. Há maluco para tudo no mundo. Os fundamentalistas islâmicos certamente acreditam em “algo” com mais fervor do que os “liberais” democratas, e estão preparados para sacrificar suas próprias vidas por essa crença. Isso é um mérito?
“Hey, Nike, ‘sacrificar tudo’ por ‘acreditar em algo’ é morrer enquanto serve seu país para defender todas as nossas liberdades. Não é receber milhões para estrelar sua campanha publicitária. Patético.” Essa foi a merecida resposta que Clay Travis deu ao novo anúncio da empresa. Os soldados patriotas que arriscam suas vidas para defender os valores americanos de liberdade: esses, sim, merecem respeito. Gente como John McCain, o republicano que morreu de câncer recentemente, e foi prisioneiro de guerra no Vietnã.
Na Guerra Fria, havia gente disposta a sacrificar tudo dos dois lados. Mas quem vai sustentar uma equivalência moral, como se não fizesse diferença sacrificar a vida para lutar pelo comunismo ou contra o comunismo? Todo relativista, no fundo, sabe que os valores americanos são superiores: ninguém escolheria viver na União Soviética, nem mesmo se fizesse parte da nomenklatura. Se fosse para ser do povão, então, nem pensar. Admirar o comunismo é algo que normalmente só a elite do conforto capitalista consegue fazer, bem de longe. Pergunte se o Chico quer viver na Venezuela ou em Cuba!
Espero ter deixado claro que esse papo de beleza no fervor de uma crença é coisa que não convence após maior reflexão. Tudo depende de qual crença. A turma romântica costuma focar apenas na estética, e suspira ao ver um “guerreiro da justiça social” apelando para uma retórica de heroísmo e determinação, mesmo que seja da boca para fora. Já se um simpatizante de Trump, ou de Bolsonaro no Brasil, realmente demonstrar vontade de sacrificar tudo por “algo”, aí será tratado como um fanático alienado, um doido perigoso e antidemocrata. É ou não hipocrisia pura?
As causas, crenças e ideais precisam ter valor intrínseco, independentemente do grau de convicção de seus adeptos. Jim Jones e seus seguidores acreditaram e morreram por uma ideia, mas era tudo uma perigosa ilusão, uma loucura. Uma pessoa pode defender com sua vida uma ideia estúpida, uma causa nefasta, uma utopia assassina, enquanto outra pode lutar com mais ceticismo e serenidade por uma boa causa, uma crença nobre.
No mundo relativista moderno ficou mais difícil entender isso. Caímos num subjetivismo excessivo, onde o que cada um pensa ou deseja importa mais que tudo. Se ele expuser tal crença com veemência, isso se torna indicativo de como essa crença é válida, dependendo de qual lado no espectro político ela estiver (vimos que há uma seletividade hipócrita aqui). Isso não faz o menor sentido.
Ou uma crença é verdadeira ou ela é falsa, e isso não tem ligação alguma com a disposição individual ao sacrifício por esta crença. Você pode acreditar no comunismo, pode acreditar no relativismo moral, pode acreditar até mesmo na inocência de Lula e no PT, e pode estar disposto a sacrificar tudo por essa crença (normalmente preferem sacrificar terceiros por ela). Isso não faz dela uma verdade. Faz de você, isso sim, um alienado intransigente, que vive no autoengano.
Acreditar em “algo” é sem dúvida fundamental, sendo a alternativa o niilismo. Mas é bom que seja em algo verdadeiro.
Artigo originalmente publicado pela Gazeta impressa
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