No debate desta segunda no programa 3em1, da Jovem Pan, o clima pegou fogo quando eu afirmei que há um viés esquerdista na imprensa brasileira (mundial, na verdade), o que Vera Magalhães rechaçou veementemente. Pretendo, com esse texto, embasar melhor meu ponto com alguns fatos. Aponto para esse viés há muitos anos, e julgo importante separar o joio do trigo no jornalismo.
Por isso começo afirmando meu respeito pelo trabalho da própria Vera e muitos outros jornalistas, que buscam, de fato, focar nas notícias em si. Vera está certa quando diz que Lula está preso e Dilma sofreu impeachment graças ao trabalho dessa mesma imprensa detonada como esquerdista.
E aqui é importante fazer essa distinção: jornalistas investigativos realmente buscam furos de reportagem, denúncias, e isso vai da esquerda à direita na política. Josias também está certo quando diz que tanto petistas como bolsonaristas usam a mídia como bode expiatório, acusando-a de “golpista”.
Nenhum governante gosta da liberdade de imprensa, pois não gosta de ser investigado ou receber perguntas incômodas. Governos com viés mais populista e autoritário, então, odeiam esse trabalho jornalístico, e adorariam contar só com seus bajuladores e puxa-sacos. A imprensa incomoda governos, e assim deve ser.
Mas o viés ideológico existe, o que não prejudicou tanto, em essência, esse trabalho da ala mais investigativa. As denúncias de corrupção foram feitas, as reportagens esmiuçaram escândalos petistas, e deu no que deu. É injusto não reconhecer esse mérito, e creio ser esse o ponto principal levantado por minha colega de bancada. Estamos de acordo aqui.
Quando digo que há um viés, é pela escolha das pautas, pela edição, pelas manchetes, e isso acaba influenciando a política a médio e longo prazos, ainda que os casos de bandidagem de políticos sejam denunciados. Vejamos alguns exemplos:
O MST e militantes disfarçados de alunos viram “ocupantes” quando invadem propriedades ou reitorias; terroristas desaparecem das chamadas quando são muçulmanos, dando vida a objetos inanimados como armas e caminhões (Transformers?); o PSOL recebe uma exposição incompatível com sua presença no Congresso, e quase sempre com luz positiva (aliás, a maior prova concreta e objetiva do viés que denuncio está na pesquisa com jornalistas para avaliar os melhores deputados, sendo que quase todo ano vence a turma do PSOL); os “especialistas” convidados são majoritariamente favoráveis às causas “progressistas”, como aborto, ideologia de gênero ou desarmamento; bandido morto pela polícia vira vítima de assassinato; abusa-se do termo “suspeito” mesmo quando se tem a imagem do crime sendo cometido; basta estar à direita do PSDB para ser rotulado de “extrema direita” ou “ultraconservador”, sendo que não existe “extrema esquerda”, nem mesmo para se referir ao PSOL; para cada um colunista de direita devem existir uns dez de esquerda; etc.
A Caneta Desesquerdizadora surgiu, com grande sucesso, justamente para apontar esse viés nas chamadas dos jornais. Eu mesmo vi minha missão como uma espécie de “media watch”, desmascarando muito desse viés ideológico. Faço isso há tempo demais para ignorar a existência do fato.
Que, é preciso frisar, não precisa ser fruto de alguma conspiração maligna. Como Bernie Goldberg, ex-âncora da CBS, argumenta em seu livro Bias, a imensa maioria dos seus pares adota ideias “progressistas”. Saem das faculdades com essa mentalidade, e vivem numa espécie de bolha que retroalimenta o processo. Falando aqui dos Estados Unidos, o sujeito lê o NYT e o Washington Post, vê a CNN, e acha que está bem informado, enquanto ridiculariza o viés da Fox News. Mas o viés esquerdista dos demais é bem mais forte do que o viés conservador da Fox!
O sucesso de audiência da Fox News mostra a demanda que havia para um ponto de vista menos enviesado à esquerda. O mesmo podemos dizer de veículos da mídia brasileira. A Gazeta do Povo cresceu bastante o número de assinantes, enquanto os concorrentes perdiam, porque soube se reposicionar ocupando esse nicho, com vários colunistas mais à direita e um editorial alinhado aos valores liberais e conservadores. A Jovem Pan foi pelo mesmo caminho, colhendo sucesso. E as redes sociais chegaram para abalar esse conforto da grande imprensa, para furar a bolha.
Aqui é preciso fazer uma pausa: as redes sociais e os sites de opinião não são substitutos adequados para o jornalismo. Entendo a preocupação da Vera e de outros com isso. Eu mesmo não me considero um jornalista, no sentido de buscar com total imparcialidade a notícia e simplesmente relata-la. Eu sou um comentarista, eu dou a minha opinião, eu não escondo meu viés liberal, e analiso a notícia em si, que vem das fontes jornalísticas primárias.
Essa mistura que muitos têm feito entre o jornalismo em si e a opinião só atrapalha, e é justamente o meu problema com o viés de muitos jornalistas: eles deviam focar em dar as notícias com o mínimo de impressão digital possível, deixando esse papel para os comentaristas. Mas na era das redes sociais, parece que ficou tentador demais “lacrar”, e os jornalistas se deixam levar por sua visão de mundo mais do que deveriam.
Dito isso, abomino a campanha difamatória do bolsonarismo contra a imprensa em geral, o que chamam de “extrema-imprensa”. Uma coisa é apontar o viés, como faço há anos; outra, bem diferente, é tentar destruir de vez a mídia, para deixar o caminho livre para os sites bajuladores. A reputação de parte da imprensa pode estar em baixa, a credibilidade pode ter diminuído, e isso é um alerta para mudarem, para reconhecerem o viés. Mas isso não quer dizer matar a imprensa, como desejam os autoritários. Isso seria jogar o bebê fora junto com a água suja do banho.
E é aqui que divirjo de alguns colegas. Eles acham que endossar as críticas bolsonaristas ao viés da mídia é fazer o jogo autoritário dessa turma, um pessoal que parte para ofensas, intimidação e assassinato de reputação, que demoniza a própria Vera, uma jornalista séria, em caminhão de som em manifestação, ou que faz “lista negra” dos jornalistas “vendidos”. Isso é inaceitável.
Como disse Silvio Navarro, “Demorei para responder às grosserias contra @veramagalhaes. É na pluralidade que mora a democracia”. É preciso ter mais respeito, o que, convenhamos, falta muito no universo bolsonarista, alimentado pelo ódio e o ressentimento, pelo sentimento de vingança. Eu, aliás, saí em defesa de Merval Pereira após a abjeta mentira do presidente, e não o fiz por “corporativismo”, mas por senso de justiça e preocupação com a liberdade de imprensa.
Mas não acho que negar o viés ajude na causa. Ao contrário: eu acho que dá mais munição aos bolsonaristas que querem destruir a imprensa. Porque a maioria percebe o viés, e se tentarem joga-lo para baixo do tapete, o tiro sairá pela culatra. Em parte, o fenômeno Bolsonaro, como o fenômeno Trump aqui, já é uma reação a esse viés da imprensa, é uma espécie de “dedo do meio” aos que insistem na campanha de difamação dos conservadores. Trump não goza de tanta reputação assim, mas a mídia mainstream menos ainda!
Por isso, negar a existência do viés, de uma turma enorme na mídia de torcedores contra governos mais à direita, é jogar lenha na fogueira nacional-populista. Trump se alimenta da revolta de muitos com essa mídia que faz campanha escancarada contra ele, e Bolsonaro vai na mesma linha. A postura arrogante de muitos jornalistas só prejudica a imprensa. É preciso mais humildade para reconhecer que há, sim, uma legitimidade em muitas críticas que fazem ao trabalho do jornalismo. O que não justifica, repito e enfatizo, a campanha difamatória geral de quem, no fundo, quer eliminar a liberdade de imprensa do mapa.
Sim, a imprensa tem um viés esquerdista. Não, a resposta não é asfixiar de vez a mídia e aplaudir as campanhas autoritárias e persecutórias do presidente. Foi essa mesma imprensa enviesada que sempre trouxe à tona fatos incômodos para governantes, de todos os partidos, de todas as inclinações ideológicas (ainda que com mais rigor quando se tratava de direitistas). Há má-vontade com Bolsonaro, sem dúvida. Reconhecer isso não é aplaudir o ataque bolsonarista à “extrema-imprensa”, e sim tentar salva-la.
Rodrigo Constantino
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