Por Rafael Valladão, publicado pelo Instituto Liberal
O filósofo Olavo de Carvalho entrou definitivamente na seleta lista de homens que contribuíram para mudar os rumos do Brasil. Não é possível ignorá-lo no presente momento. É necessário que a nova direita, ainda inarticulada e dispersa, tome conhecimento do seu pai – pois não é nenhum exagero afirmar que Olavo gerou a nova direita no Brasil. Se é verdade o que escreveu o economista austríaco Ludwig Von Mises quando afirmou que “apenas ideias podem iluminar a escuridão”, então o filósofo conquistou seu espaço na história nacional como um verdadeiro catalisador de ideias políticas e filosóficas, lançando luz sobre a penumbrosa galeria intelectual do país. Sua contribuição se deu na propagação de ideias, mas também no estímulo permanente aos estudos e ao enriquecimento cultural de todos os brasileiros. Das aulas, conferências e livros de Olavo de Carvalho nasceu a nova direita: liberal ou conservadora, a favor da economia de mercado, crítica do lulopetismo e de suas origens ideológicas, propositiva e esperançosa. É preciso entender, porém, o que exatamente devemos ao filósofo e por que sua contribuição à história das ideias no Brasil foi fundamental na evolução da direita tupiniquim.
Antes de tudo, porém, é importante salientar que nenhum indivíduo pode isoladamente mudar o curso da história político-intelectual de país algum. Mesmo governantes autoritários como os reis absolutos ou os tiranos socialistas não puderam administrar o Estado sem considerar outros fatores além de sua própria vontade individual. Um ditador não dita tanto quanto coordena. Como escreveu Montesquieu, o despotismo é o regime do arbítrio e é insustentável, porque se baseia na vontade do chefe. Se o fundamento do governo despótico é a vontade, então todos temem a todos e ninguém governa a ninguém. Para tornar a política possível, não basta só a força. A análise sociocultural de Montesquieu em O espírito das leis nos faz ver que a sociedade está além da política e a condiciona de modo decisivo. Se mesmo os chefes totalitários estiveram condicionados a outros tantos fatores além de suas próprias vontades, como poderia Olavo de Carvalho, um intelectual e não um profissional da política, criar uma nova direita no Brasil? Trazendo os brasileiros à sala de aula. E esses brasileiros criaram outro futuro para o país.
É claro que o velho agiu não como um ideólogo, mas como um legítimo professor. A diferença consiste no seguinte: o ideólogo doutrina seus ouvintes na ortodoxia em que deseja alinhá-los, já o professor apresenta um universo plural de possibilidades intelectuais. O resultado esperado da doutrinação é a uniformidade mental que possibilita a obediência cega ao comando oficial; o produto da boa educação é uma postura curiosa de observação e reflexão permanentes sobre a realidade. É como a diferença entre diversidade e uniformidade. Francisco Campos, ideólogo da ditadura varguista, dedicou um livro à justificação teórica do Estado Novo. Em O Estado Nacional, Campos afirma que “o regime político das massas é a ditadura”, então Vargas teria legitimidade na medida em que seu poder pessoal, formalmente radicado no Estado, se estendesse implacavelmente a toda a sociedade civil. Campos foi fiel a Getúlio Vargas como o escol nazista foi leal a Hitler. Isso porque o ideólogo trabalha a favor de um projeto de poder, no estilo gramsciano do intelectual orgânico que ocupa posições estratégicas na sociedade, como um esquadrão de artilharia se organiza no campo de batalha. Ao contrário, o bom professor está além do governo porque não se dedica à execução de um projeto político, mas à realização cultural dos indivíduos, o que constitui um itinerário intelectual individualmente conduzido, impossível de ser controlado por outrem. Logo, o professor não conspira, mas inspira.
É difícil, porém, encontrar um professor que tenha assim influenciado a história do país. Não apenas porque o trabalho miúdo do professor se distribui em inumeráveis salas de aula, sem a audiência maciça de que necessita qualquer indivíduo para interferir decisivamente no curso da vida pública. A escassez de professores dessa natureza se explica também pelo desprezo que o brasileiro médio demonstra pelo conhecimento, desprezo do qual a negligência com os mestres é um dos efeitos colaterais. Se o conhecimento fosse genuinamente valorizado pelos brasileiros, não seria sequer necessário que uma personalidade se projetasse em nível nacional e lecionasse ao grande público, pela mesma razão por que uma sociedade organizada de modo espontâneo não precisa de governo forte e autoritário.
A ausência de ícones intelectuais com penetração nas classes menos abastadas talvez explique o entusiasmo idólatra com que tanta gente se agarrou à figura carismática de Olavo de Carvalho – ou “Aiatolavo”, na língua ferina de Reinaldo Azevedo. É verdade que Olavo se tornou um guru para tantas pessoas, porém isso não invalida sua credibilidade intelectual. A nomeação de Ernesto Araújo e Ricardo Vélez Rodriguez ao Itamaraty e ao Ministério da Educação, respectivamente, por indicação do filósofo, mostra que o professor não é influente apenas entre reacionários da pior espécie, como dizem os jornalecos do establishment, mas sobretudo entre os eleitores que levaram Jair Bolsonaro à presidência da República.
Uma pesquisa rápida (e honesta) no currículo do filósofo desmente a campanha de difamação levantada contra Olavo. Foi inicialmente como professor que Olavo de Carvalho conquistou o grande público. Seu Curso Online de Filosofia já conta com mais de quatrocentas aulas que passam pela religião comparada, letras e artes, ciências humanas, ciências naturais e ciências da comunicação. Trechos de suas aulas e comentários avulsos são publicados no Youtube e rapidamente repercutem nas redes sociais. Paralelamente ao trabalho docente, Olavo de Carvalho foi articulista dos maiores jornais do Brasil, onde polemizava com figurões como o marxista Leandro Konder. Já recebeu elogios de personalidades dos mais diferentes matizes ideológicos: de Jorge Amado a Meira Penna, o que evidencia sua relevância para além das fronteiras político-partidárias.
A vida do professor é marcada pela polêmica intelectual e pela pesquisa e o ensino de filosofia. Com 18 livros publicados, a mídia de sempre insiste em rotular Olavo de “figura folclórica da extrema-direita”, como o define em texto recente o jornal El Pais. Uma das características da extrema-imprensa é a distância entre a mentalidade de seus editores e o pensamento geral dos brasileiros: trata-se da elite iluminada pelo “pensamento crítico” na tentativa altruísta de esclarecer o povo ignorante. E é precisamente em função dessa distância que a velha mídia frequentemente trata com desdém as práticas, os valores e as pessoas queridas pela maioria dos brasileiros. Assim aconteceu com Olavo de Carvalho. O filósofo chegou à vida íntima de milhões de brasileiros, está nos smartphones e nas prateleiras da biblioteca particular. A nomeação de Ernesto Araújo e Vélez Rodriguez é tão somente uma manifestação pública da popularidade intelectual que Olavo de Carvalho logrou em vários níveis da sociedade brasileira.
Podemos dizer que a maior contribuição do filósofo ao ressurgimento da direita brasileira é de ordem intelectual. Isso pode soar como obviedade a ouvidos incautos, mas Olavo é também um polemista de primeira grandeza. É claro que Filosofia e polêmica são igualmente constitutivas da identidade do filósofo, mas não se confundem – a primeira quer pensar, a segunda quer causar. E embora a polêmica possa ser inteligente e provocativa (no melhor estilo Danilo Gentili), é evidente que a atividade filosófica é intelectualmente superior à polêmica. Isso quer dizer que Olavo não é um polemista barato que se meteu na filosofia em busca de passatempo, como a extrema-imprensa faz parecer. É precisamente o contrário: o velho é filósofo e toda a sua verve polêmica é condicionada pelo rigor filosófico. Suas afirmações veementes e ásperas refletem um espírito culto e simples. Como bom professor, Olavo sabe se comunicar com seus alunos: mistura raciocínios convincentes e argumentos incisivos com palavrões e comentários ácidos. A polêmica é apenas um tempero no pensamento do filósofo, não sua matéria-prima. O Olavo dos “fetos abortados” é uma caricatura do autor de 18 livros que elevou a intelectualidade do país a novos patamares. Como filósofo, portanto, Olavo formou uma parcela significativa da inteligência nacional e nos presenteou com escritores e analistas que, ensinados pelo velho, se dedicam agora à restauração da intelectualidade no Brasil. São escritores, jornalistas e personalidades da mídia em geral que se comunicam com os brasileiros no tom olaviano: linguagem acessível, ideias complexas.
É notável o florescimento intelectual da direita. Nomes como o cientista político e escritor best-seller Bruno Garschagen, o escritor e analista político Flavio Morgenstern, o cientista político Filipe Martins, o jornalista Felipe Moura Brasil e o antropólogo e escritor Flavio Gordon já são figuras conhecidas no debate público. Garschagen traduziu Roger Scruton e lançou dois livros imperdíveis sobre a mania obsessivo-compulsiva do Brasil com o Estado, ambos editados pela Record: Pare de Acreditar no Governo, publicado em 2015, e Direitos máximos, deveres mínimos, lançado neste ano. Flavio Morgenstern é o responsável pelo ótimo Senso Incomum, portal conservador com outros tantos excelentes nomes na lista de autores, e publicou Por trás da máscara em 2015, uma análise crítica e inovadora do memorável junho de 2013. Filipe Martins ganhou notoriedade por publicar análises no Senso Incomum, sobretudo a respeito das eleições internacionais – como a de Donald Trump. Filipe previu a eleição do republicano no momento em que a grande mídia antecipava em uníssono a vitória de Hillary Clinton. Felipe Moura Brasil é jovem e tem larga experiência jornalística: trabalhou na Veja por anos e agora trabalha no site O Antagonista, portal conhecido por emitir opiniões contrárias ao petismo, e na rádio paulista Jovem Pan. Flavio Gordon publicou em 2017 seu livro de estreia, A corrupção da inteligência, uma radiografia da contaminação ideológica da intelectualidade no país: dos corredores das faculdades públicas à extrema-imprensa.
Vendidos aos milhares, esses livros representam um novo momento na inteligência nacional. Pois além dos alunos diretamente formados por Olavo de Carvalho, o filósofo também puxou uma renovação editorial que trouxe ao Brasil escritores antes completamente ignorados pelo público leitor. As editoras É Realizações, Vide, Concreta e Kirion, por exemplo, publicam livros de autores recomendados por Olavo e logo consagrados no gosto dos leitores: brasileiros como o filósofo Mário Ferreira dos Santos, o historiador João Camilo de Oliveira Torres, o sociólogo e diplomata José Osvaldo de Meira Penna, o crítico literário, ensaísta e sociólogo José Guilherme Merquior e o economista Roberto Campos. Além de autores estrangeiros como Roger Scruton e Eric Voegelin, alguns retirados do ostracismo em função da chancela pessoal de Olavo de Carvalho. Como parte constitutiva da sociedade, o mercado editorial respondeu à crescente demanda da nova direita e nos abriu os horizontes culturais para além da hegemonia intelectual de esquerda. Note-se que esses autores lidos e comentados por Olavo de Carvalho foram sistematicamente excluídos das bibliografias acadêmicas e chegaram ao grande público como completos estranhos. Ora, a nova direita não se formou apenas no antipetismo. Suas proposições foram colhidas majoritariamente nos livros assinados ou recomendados por Olavo de Carvalho – dos conservadores burkeanos aos libertários fiéis de Rothbard.
Devemos perguntar a que se deve o sucesso do filósofo? Pois está claro que Olavo soube se comunicar com os brasileiros insatisfeitos com a hegemonia esquerdista, desejosos de ouvir argumentos contrários aos emitidos pela classe falante, interessados em estudar detidamente a obra de autores clássicos. Olavo contagiou boa parte dos jovens que descobriram o gosto pelas coisas políticas na explosão da nova direita: é hoje referência intelectual para moças e rapazes que, antes dos 20 anos, já se jogam de cabeça nos livros sobre história, filosofia e sociologia. É uma geração resgatada do cativeiro mental que, apresentada à diversidade de ideias do mundo civilizado, saberá elaborar uma trajetória independente de estudos e pesquisas. Se, como diz Aristóteles, “é natural em todo ser humano o desejo de conhecer”, os brasileiros estão enfim descobrindo sua verdadeira natureza.
O velho cumpriu sua própria recomendação à nova direita: é necessário vencer a guerra cultural antes de tudo. A política é um epifenômeno da cultura humana e não é independente da mentalidade coletiva. Se a transformação intelectual é lenta, seus frutos são duradouros porque conformam as gerações futuras. O filósofo foi coerente com suas convicções: atravessou décadas numa atividade intelectual ininterrupta, eventualmente mudando de opinião sobre questões pontuais, mas sempre fiel à busca pela verdade. O resultado está aí: o velho não apenas indicou dois ministros ao próximo governo, mas ajudou a torná-lo possível. A vitória presidencial de Bolsonaro é o atestado de paternidade da nova direita assinado por Olavo de Carvalho. É verdade que o incentivo à formação de uma intelectualidade alinhada à direita é a maior contribuição do filósofo à política brasileira, mas sua atuação cultural deve reverberar ao longo das próximas gerações e reafirmar o valor da alta cultura e das liberdades democráticas. Nas palavras do filósofo:
“Não há nada, nada mais urgente, neste país, do que criar uma geração de estudantes à altura das responsabilidades da inteligência. Ao dizer isso, estou consciente de pedir urgência para uma tarefa que, por sua natureza, é de longuíssimo prazo. A vida intelectual não se improvisa: ela resulta da confluência feliz de inumeráveis trajetos existenciais pessoais numa nova linguagem comum laboriosamente construída com materiais absorvidos, a duras penas, de tradições milenares. Quando a urgência imperiosa vem amarrada à demora invencível, o espírito humano é testado até o máximo da sua resistência. Nada mais difícil do que aliar a intensidade do esforço contínuo à longa espera de resultados incertos. Contra o desespero em tais circunstâncias, o único remédio está na fórmula de Goethe: ‘É urgente ter paciência.’”
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