Nenhum governo gosta de críticas. Nenhum governo gosta de uma imprensa livre. Atacar os jornalistas, portanto, é parte do cotidiano dos governistas. Trump fez sua campanha toda e agora sua presidência em torno dessa tática. Funciona bem por um motivo óbvio: a mídia mainstream anda muito corrompida mesmo, pelo seu forte viés ideológico. Há tão pouca credibilidade na grande imprensa hoje que os constantes ataques de Trump se tornam populares. Fake News é seu melhor amigo.
No Brasil também vemos forte viés ideológico na mídia. Em parte isso se deve a uma estratégia deliberada de ocupação, desenhada por Gramsci. Mas em outra parte, provavelmente maior, é simplesmente o viés natural da categoria. Jornalistas formados em nossas universidades, repletas de professores marxistas, dificilmente abandonam o ranço “progressista”, e levam essa visão de mundo para seu trabalho. Ou seja, não é preciso crer em teses conspiratórias para reconhecer o partidarismo da imprensa.
Não obstante, foi essa mesma imprensa, cheia de vermelhinho, que apontou para vários desvios petistas. O PT também repetia que era perseguido pela imprensa, numa inversão absurda: eis que, segundo a ótica distorcida dos petistas, a mídia era… de direita! Claro que isso é ridículo. Mas foram os furos de reportagem dos nossos jornalistas, mesmo a maioria sendo de esquerda, que expuseram os esquemas de corrupção da máfia petista – e tantos outros partidos.
Logo, é natural que quem esteja no poder queira detonar a imprensa. Não digo tecer críticas duras ao viés ideológico, pois isso é o que alguns de dentro já fazem há tempos. Eu mesmo, que escrevi e escrevo em vários veículos de comunicação dos mais importantes, o que me coloca como alguém que faz parte dessa mídia mainstream, não canso de bater nessa tecla, expondo o “progressismo” da nossa imprensa. Mas não falo disso, e sim de algo diferente: usar esse viés para tentar anular qualquer crítica, ou mesmo fatos incômodos que vêm à tona pela imprensa.
Todo governo deseja que o público se “informe” apenas pelos canais oficiais. A desculpa é não só o tal viés ideológico, que existe mesmo, mas também uma acusação bem mais grave de que há uma “agenda oculta” por trás de tudo que os jornalistas fazem. Que alguns possuem de fato tal agenda não resta dúvida, ainda que seja mais provável o simples alinhamento de visão de mundo. Muitos jornalistas tentam encaixar os fatos em sua narrativa ideológica preconcebida. Só que a teoria da conspiração dos governistas vai mais longe, bebendo disso para tentar calar qualquer crítica real.
Eis que, então, todos os jornalistas se tornam partícipes de esquemas terríveis arquitetados por George Soros, com suas “agendas ocultas”. Mesmo aqueles que sempre demonstraram independência, que criticavam duramente os governos anteriores, que sempre lutaram contra o petismo e também atacavam os tucanos. Mesmo aqueles associados ao lado direito da força, que possuem credenciais conservadoras ou liberais acima de quaisquer suspeitas. Todos precisam estar no mesmo saco podre, pois é a análise independente que todo governista teme, o trabalho investigativo e a cobrança de coerência que nenhum governo gosta.
Não vai colar. Pode render likes dentro da bolha, mas não convence a maioria, não seduz o independente. O caso da demissão de Bebianno deixou isso claro: os canais “oficiais” do bolsonarismo adotaram uma narrativa conveniente a cada momento, de acordo com o que o “mito” fazia. Após a demissão ser confirmada, porém, silêncio sobre o vídeo gravado pelo presidente se rasgando em elogios ao ex-ministro, tratado até ali como um oportunista mentiroso, um picareta e até mesmo um golpista em potencial. Pode ser tudo isso, mas quem vai cobrar de Bolsonaro uma explicação pelo ato estranho e contraditório?
Não os bajuladores de plantão, claro. O próprio presidente preferiu não postar em seu canal o vídeo, e seus filhos idem. Os “livres” da vida, que vivem de puxar o saco do presidente, também acharam melhor ignorar o teor da gravação em homenagem aos incríveis serviços prestados por Bebianno à frente da coordenação da campanha eleitoral vitoriosa. E aqueles “analistas” que faziam torcida disfarçada de análise, de olho em cargos públicos no caso de vitória, preferem atacar os jornalistas e analistas independentes, acusando-os de possuírem uma “agenda oculta”.
Qual é a agenda oculta do Felipe Moura Brasil, do Carlos Andreazza, ou minha mesmo? Afinal, eu continuo no mesmo lugar, mantendo minha coerência: sou liberal-conservador, crítico de governantes que se desviam do caminho reto, escrevendo para vários veículos de comunicação de forma independente. Eu não preguei o voto em Bolsonaro para conseguir um cargo no governo, o que nunca me interessou, mas sim porque era a opção menos pior. Minha agenda sempre foi transparente e continua a mesma: tornar o Brasil um país melhor, mais livre e próspero. Quem pelo visto tinha e tem uma “agenda oculta” é quem se fantasiava de analista para chegar ao poder. Não?
Rodrigo Constantino