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Aprovação de Trump e Macron em baixa: o culto à democracia ajuda a explicar
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“O que sempre fez do Estado um verdadeiro inferno foram justamente as tentativas de torná-lo um paraíso.” (Hoelderlin)

Em apenas cem dias de governo, o apoio popular a Emmanuel Macron caiu à metade na França. E olha que não foi por falta de maquiagem: o presidente gastou $26 mil com serviços de maquiagem em somente três meses! Segundo o jornal “Le Point”, os pagamentos foram feitos ao maquiador preferido do político, Natacha M, que deu dois recibos: um de 10 mil euros, outro, de 16 mil.

Antes que a turma conservadora parta para o ataque, é bom lembrar que a situação de Donald Trump não anda muito melhor nos Estados Unidos. Sua taxa de aprovação andou caindo bem também, e hoje se encontra em patamar reduzido. Trump tem tido dificuldade em entregar inúmeras promessas de campanha, a começar pela derrubada do Obamacare, uma das mais importantes.

O que explica essas quedas abruptas de popularidade já em começo de governo, da esquerda à direita? Parte da explicação está aqui: Macron, para ser eleito, prometia governar como o deus romano Júpiter, todo-poderoso no Olimpo. Vendeu-se como um reformista, e chegou ao poder com o aval de dois terços dos eleitores. Ou seja, as expectativas eram muito altas, pelo visto.

E essa tem sido uma tendência recorrente na política, nas democracias ocidentais. A crise de representatividade é evidente, e uma casta é formada para proteger os privilegiados que chegam ao poder (vide o gasto com maquiagem do presidente francês). A distância entre governo e governados é cada vez maior, e o povo não se sente representado. Por isso vários sequer se dão ao trabalho de votar.

Mas a maioria, que ainda vota, costuma depositar uma esperança irreal nos governantes. Muitos passaram a enxergar no governo uma espécie de deus moderno. É o que Gene Healy chamou de “culto à presidência” em seu livro com o mesmo título. Escrevi uma resenha para o GLOBO em 2009, mostrando como Obama era o grande ícone dessa fé política exagerada.

Quando as pessoas olhavam para o estado como um meio imperfeito para evitar o inferno, havia mais ceticismo, a palavra-chave que define o conservadorismo político. Mas quando passaram a enxergá-lo como um meio para trazer o paraíso ao mundo, aí começaram a inflar as expectativas, e o fracasso era inevitável. É como escrevi no texto:

Um dos grandes paradoxos das democracias modernas é a tendência a reclamar do governo ao mesmo tempo em que mais responsabilidade é delegada ao poder político. As pessoas condenam as conseqüências do aumento de concentração de poder no governo, mas acabam confiando ao mesmo a solução para todos os males do mundo. Parece haver uma dissociação entre o governo idealizado e os políticos de carne e osso que ocupam os poderosos cargos. Como abstração, o governo surge como um deus moderno, sendo o presidente seu messias enviado para nos salvar. Já no cotidiano, os políticos são alvos de ataques constantes e profunda desconfiança por parte do povo. Alguma coisa está fora de lugar.

[…]

O que está sendo negligenciado é a noção de que, ao ceder poder suficiente para o presidente realizar tantas maravilhas, também se está cedendo poder suficiente para o despotismo. O estrago que um governo ruim pode causar tende ao infinito. Mesmo partindo de uma premissa altamente questionável, de que o presidente eleito seria um indivíduo totalmente íntegro e capaz, é preciso lembrar as limitações de qualquer ser humano. Além disso, o alerta de que o poder corrompe jamais deve ser esquecido. Para piorar, o próprio jogo político leva à troca de favores e interesses particulares. Em primeiro lugar fica sempre a própria sobrevivência no cargo. 

Logo, mesmo assumindo as melhores qualidades de um presidente, seria indesejável concentrar tanto poder em suas mãos. Basta pensar na hipótese bem mais realista de que o presidente não terá todas essas qualidades, não será o Papai Noel, para qualquer um ter calafrios. A menos que nós mudemos o que pedimos do governo, nós teremos aquilo que, de certa forma, merecemos. Depois não adianta reclamar.

Mas a maioria reclama de qualquer jeito, e continua em busca de novos messias, de governantes capazes de resolver tudo de cima para baixo. Quando o populista promete medidas demagogas, como distribuir riquezas, salvar o planeta, acabar com a criminalidade ou coisas do tipo, ele vai concentrar ainda mais poder no estado, e falhar em todas as promessas.

Mas mesmo quando a promessa é de reduzir o estado, de “drenar o pântano” da capital, como fez Trump, fica claro que haverá uma enorme barreira real nesse objetivo, e a decepção dos iludidos também será garantida. O maior problema é mesmo depositar tanta esperança na própria política, no governo, na democracia.

No livro Beyond Democracy, os holandeses libertários Frank Karsten e Karel Beckman derrubam vários mitos ligados à democracia moderna de massas, segundo eles uma forma disfarçada de socialismo. Os “pais fundadores” americanos repudiavam a democracia pura e simples justamente por receio dessa concentração de poder, e por isso eram defensores de uma república federalista, com claros limites ao poder estatal, além de sua máxima descentralização (quanto mais local o poder, melhor).

Claro que, na prática, não é trivial garantir esses limites. Mas um primeiro passo fundamental é justamente não esperar demais da democracia e do governo, não achar que é dali que vem a solução para todos os nossos problemas. Para quem encara a democracia como um novo deus, ela certamente é um deus que falhou. Melhor resgatar a visão de Thomas Paine, de que o governo é um “mal necessário”, não uma fonte de benesses milagrosas.

Michel Oakeshott falava da “política de fé” e da “política de ceticismo” para separar esses dois perfis distintos, essas duas formas opostas de se abordar a política. As grandes desgraças ocorreram quando muitos passaram a buscar na democracia uma fé divina. Vamos resgatar o ceticismo saudável dos conservadores. Vamos lembrar que políticos são tão imperfeitos como nós, e sob um mecanismo de incentivos inadequado.

Quem já tentou administrar um simples condomínio, participar do conselho de sua gestão, tem ideia das dificuldades práticas do dia a dia, da necessidade de contemporizar, de ceder, de atender a diferentes visões de mundo e interesses, de lidar com personalidades bastante complexas.

Se nem mesmo num condomínio é trivial se chegar a acordos e oferecer uma boa gestão, imagine num governo com cada vez mais poder concentrado e metas ambiciosas – para não dizer impossíveis – de combater a miséria, gerar empregos, impedir o “aquecimento global”, derrotar o crime, pagar boas aposentadorias, oferecer transporte de qualidade, hospitais decentes e escolas de primeira, cuidar da cultura nacional, administrar estatais, definir a taxa “certa” de juros, fomentar investimentos, proteger as “minorias” etc etc etc.

A lista é longa, quase infindável, fruto dessa fé ingênua na política, nos governos, na própria democracia. A última alternativa viável para evitar os péssimos resultados e a crescente decepção instantânea é esvaziar essa lista de metas, reduzir o próprio escopo do governo, voltar a pensá-lo como um mecanismo imperfeito para impedir o inferno, não para garantir o paraíso.

Rodrigo Constantino

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