Já escrevi que desconfio de armação e emboscada na gravação do áudio que compromete o presidente Michel Temer, e que tudo está muito estranho, com esse papo oportunista e golpista de “diretas já”. Há muita coisa estranha no ar, e devemos ter o cuidado de não servir como massa de manobra para interesses obscuros de gente poderosa, lembrando que o Brasil definitivamente não é para amadores.
Não confio em boa parte da mídia, que fez um alarde enorme antes da divulgação seletiva da delação de Joesley Batista, e que acabou acertando no que não viu (Temer não aparece “comprando o silêncio” de Cunha, mas sim ouvindo confissões indecorosas de um bandido). O excelente editorial do Estadão hoje coloca o dedo na ferida:
O vazamento de parte da delação do empresário Joesley Batista para a imprensa não foi um acidente. Seguramente há, nos órgãos que têm acesso a esse tipo de documento, quem esteja interessado, sabe-se lá por quais razões, em gerar turbulência no governo exatamente no momento em que o presidente Michel Temer parecia ter arregimentado os votos suficientes para a difícil aprovação da reforma da Previdência.
Tampouco confio no Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. Todo esse acordo com o dono da JBS é por demais suspeito, pois benevolente ao extremo com quem foi, claramente, sócio do maior assalto já visto ao estado na história deste país. Os irmãos Batista eram unha e carne com Lula, e sua fortuna foi feita na era lulopetista, de forma nada lícita. Permitir que saiam livres e bilionários é o fim da picada! Desabafei no meu Facebook:
Os irmãos com nome de dupla sertaneja roubam bilhões, jogam titica no ventilador para se safar e lançam a nação no caos da incerteza, e depois querem sair livres, podres de rico, com um simples pedido de desculpas?!?!?!?! Ora, vão se catar! Só a cadeia serve para vocês…
Por isso tudo, acho que devemos ser cautelosos com as jogadas de Janot e sua turma nesse momento. Não vamos esquecer, por exemplo, que a vice de Janot teve que deixar o cargo ao ser flagrada fazendo manifestação contra o “golpe” do impeachment de Dilma. Ela Wiecko participou de protesto em Portugal, ocorrido em junho de 2016. Em vídeo, a subprocuradora segura faixa com a frase “Fora Temer”. Muito “republicana”…
Não vamos esquecer também que o então ministro da Justiça de Dilma, José Eduardo Cardozo, encontrou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em Buenos Aires, na Argentina, fora da agenda e durante viagem oficial, em um sábado de novembro de 2015. Tudo muito estranho, obscuro e, claro, suspeito.
Portanto, não sou ingênuo. Claro que desconfio da seletividade que estamos vendo, do diferencial de tratamento entre Marcelo Odebrecht e Joesley Batista. Circula pela internet até uma piada usando aquela história de nutella versus raiz:
Por isso tudo, posso até entender as preocupações de muitas pessoas que passaram a defender Temer com unhas e dentes, como Reinaldo Azevedo, que escreveu em sua coluna de hoje na Folha:
É claro que o presidente Michel Temer está sendo vítima de uma conspiração meticulosa e muito bem-sucedida. Todos sabem que os irmãos Joesley e Wesley Batista eram íntimos e grandes beneficiários do regime petista. Aliás, dava-se de barato: querem pegar o PT? Então peguem a JBS.
[…]
Sim, sou grato a todos os Torquemadas e Savonarolas da política porque admitem, na prática, agora sem nesga para contestação, que eu estava certo. Os procuradores têm um projeto de poder e estão destinados a refundar a República. E, por óbvio, seu viés é de natureza revolucionária, não reformista. Em recente prefácio que escreveu, o juiz Sergio Moro alcançou voos condoreiros: haverá dor.
Sim, sou grato a esses patriotas porque, quando afirmei, há meses, que a direita xucra estava se juntando a alguns porras-loucas, com poder de polícia, para devolver o poder às esquerdas, alguns tentaram me tachar de maluco. Perdi amigos –não por iniciativa minha. E, no entanto, tudo está aí, claro como a luz do dia.
Disse que entendo, mas calma lá! Por mais que haja cheiro de armação no ar, não podemos ignorar que a Lava Jato tem feito um fundamental papel de expurgar os políticos safados do poder, e por mais que a seletividade incomode, é preciso aguardar para ver se o PT vai mesmo se safar dessa. Há jornalistas prometendo bombas que atingem diretamente Lula e Dilma para hoje mesmo. Se acontecer isso de fato, a narrativa de conspiração perde força, pois todos os caciques serão atingidos.
E é assim que deve ser! Não podemos ter “bandidos preferidos”, ou fazer vista grossa por conta das reformas – que podem inclusive ser prejudicadas se um presidente “pato manco” insistir em ficar lá para se proteger, ainda que sem condição alguma de governar. Que a cúpula do poder, incluindo o senador Aécio Neves, também conspirava contra a Lava Jato, isso ficou claro nos áudios. E é postura indefensável para quem se diz republicano, liberal, legalista.
Não sou jacobino revolucionário. Aliás, sou tudo, menos isso! Minha inspiração é Burke, o inimigo número um dessa turma. Enxergo a Revolução Francesa como um retumbante fracasso. Não quero refundar nada do zero. Mas tampouco quero poupar notórios bandidos só porque os outros são ainda piores. Um leitor, Nei Plawiak, foi na veia quando disse:
A turma do PMDB governou o Brasil com Sarney. Foi “sócio” do Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma. Agora está no poder com Temer. Com tantas raposas experientes em conchavos, falcatruas, corrupção, vem agora dizer que caiu em uma “armação”? Temer recebe um camarada investigado pela PF em 7 casos, no Palácio Jaburu, às 22h30, fora da agenda oficial, conversam por 40 minutos assuntos nada “republicanos”, compra de juízes e procuradores, interferências na Receita Federal, Cade, BC, MPF, e ainda vem dar uma de “inocente”? Quem quiser defender a governabilidade, a estabilidade econômica, tudo certo. Agora, usar os mesmos argumentos dos “mortadelas” defensores de Lula e Dilma? Me poupe…
É duro correr o risco de ser usado por golpistas, mas não podemos também fingir que nada aconteceu, que Temer não foi atingido em cheio. Não é uma vítima; é cúmplice! E a Lava Jato precisa continuar com seu trabalho, de preferência sem seletividade, sem duplo padrão, sem poupar os mafiosos do PT. É o que os brasileiros decentes desejam…
Rodrigo Constantino