Cuba é uma ditadura há mais de meio século e já ceifou a vida de milhares de inocentes. Mas não vemos artistas engajados assinando cartinhas coletivas contra o regime. O Oriente Médio possui inúmeras ditaduras e teocracias bárbaras que não respeitam liberdade individual alguma, mas é mais raro encontrar uma carta coletiva de repúdio a tais regimes por parte dos artistas do que diamante jogado na rua.
Mas quando se trata de Israel… aí sai de baixo! Muitos artistas engajados se unem para demonstrar sua revolta com o desrespeito aos direitos humanos por parte do governo democrático do povo judeu. O que se passa? O que esses artistas têm na cabeça? A quem querem enganar tentando colocar sua arte a serviço de um evidente antissemitismo?
Felizmente ainda temos colunistas como João Pereira Coutinho, que os coloca em seus devidos lugares e lhes passa um pito que deveria lhes causar imensa vergonha – se tivessem vergonha na cara. Em sua coluna de hoje, o português desceu o malho nesses artistas que assinaram documento contra Israel. Alegou que ninguém mais deveria levar a sério a opinião política dos artistas, ao menos não depois da ruína dos regimes totalitários, que foram tantas vezes não só legitimados, como exaltados por vários deles.
Com honrosas exceções, o fato lamentável é que o casamento entre arte e política costuma produzir péssimos resultados. Como defende Coutinho, a “arte pela arte” ainda é a melhor receita, como sustentava Nelson Rodrigues que, exasperado, bradava aos colegas dramaturgos: “Façam teatro!”. Ou seja, falem dos temas mais atemporais, da natureza humana, do amor, do “eterno”, em vez de usar a arte para fazer proselitismo ideológico. Muitos não aprenderam a lição.
Como, por exemplo, os 55 artistas que enviaram à Fundação Bienal de São Paulo uma carta aberta demandando a retirada do financiamento de israelenses ao evento. Para Coutinho, só o fato de escrever cartas abertas em manada já é prova de que não se trata de gente adulta. A arte, afinal, vive da autonomia individual, e “só covardes assinam em manada”. Seguem alguns trechos do nocaute do colunista nos artistas engajados:
Israel é o único país do Oriente Médio e do norte de África considerado “livre”. O resto oscila entre “parcialmente livres” (Tunísia, Líbia, Kuait) e “não livres” (Iraque, Irã, Arábia Saudita).
E, para ficarmos na vizinhança de Israel, é a desgraça: Jordânia, Egito ou Síria continuam antros de repressão. Os 55 artistas, que deveriam defender a liberdade de expressão como quem defende o oxigênio, assinam uma carta contra o único país que respeita essa liberdade em todo o Oriente Médio.
[…]
De resto, será preciso dissertar sobre a diferença entre os “direitos” das mulheres ou dos homossexuais em Israel e nos países em volta? Será preciso recordar o histórico de amputações de membros e lapidações de adúlteras que existe por aquelas bandas? E será preciso acrescentar alguma coisa à selvageria do Estado Islâmico do Iraque e do Levante, que pelo visto não incomoda os 55 artistas da Bienal de São Paulo?
Criticar Israel é legítimo. Nenhum governo está acima da crítica. Transformar Israel em pária internacional é uma forma de cegueira anti-semita. Eu só respeitarei a “coragem” dos 55 artistas no dia em que eles viajarem para Bagdá, Riad ou Gaza e escreverem uma carta contra os governos locais. Em defesa da liberdade e dos “direitos humanos”. Isso, claro, se ainda tiverem mãos para escrever.
Realmente, o que um artista desses que adota postura tão incoerente, demonstrando um grotesco duplo padrão moral, uma afetação extremamente seletiva em defesa dos direitos humanos, pode ter na cabeça? Arrisco responder: titica de galinha.
Rodrigo Constantino
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