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A Netflix é uma empresa que tem meu respeito. “House of Cards” a colocou em destaque, mas ela continuou avançando com coragem, nos trouxe o excelente documentário “Winter on Fire”, sobre a Ucrânia, que já comentei aqui, a série “Narcos”, que estou vendo e apreciando muito, e o primeiro longa “Beasts of no Nation”, que vi nesta quinta.

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O filme, dirigido por Cary Fukunaga e baseado no livro do nigeriano Uzodinma Iweala, relata a história de um garoto tragado pela guerra civil em seu país africano. As salas de cinema boicotaram o filme nos Estados Unidos, e os estúdios de Hollywood temem a chegada da Netflix em seu ramo de atuação. Compreende-se: o filme não adere ao politicamente correto que tem transformado os filmes de Hollywood em lixo proselitista.

A vida do pequeno garoto se transforma completamente, sua família é morta diante de seus olhos, seu pai era apenas um professor, e ele agora precisa sobreviver na selva, sozinho primeiro, depois em sua nova “família”, um bando de guerrilheiros sob o comando de um maluco.

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As imagens são chocantes, especialmente para quem acha que a vida é um parque de diversões, no Leblon ou em Paris, e que as principais bandeiras em prol da liberdade são o direito de abortar e o feminismo radical. Lembrei da cena do ótimo “Deus da Carnificina”, com Jody Foster no papel da representante da esquerda caviar, achando que é uma alma abnegada pois fez um livro sobre um país africano, enquanto o personagem de Christoph Waltz lhe traz à realidade sobre a vida na África.

O filme incomoda justamente por isso: esfrega a dura realidade africana na cara de quem “ama os africanos” de longe, como abstração, para ganhar pontos extras na imagem de ocidental “consciente” e “altruísta”. Não dá para colocar a culpa na “elite branca”, nos “imperialistas”, no “capitalismo”. É guerra tribal mesmo, a regra quando se trata da África, ou do mundo todo antigamente.

A violência gratuita serve para nos lembrar da importância da civilização, do seu valor, que jamais devemos tomar como algo dado da natureza, garantido. É instável, é mais a exceção do que a regra quando se trata de seres humanos, e compreender como foi possível, em alguns lugares, deixar esse tribalismo bárbaro para trás é a grande questão. A besta humana está lá, à espreita, aguardando a chance de tomar conta da situação.

Nesse aspecto, o filme lembra o clássico Coração das Trevas, de Joseph Conrad. “O horror, o horror”, aquele que não dá para definir direito com palavras, mas que sabemos existir. Sabemos que uma criança deve poder brincar, ser mais inocente, e que jamais deveria se tornar um soldado assassino. Mas o filme toca na ferida ao derrubar fantasias de quem acha que basta parir belas leis para tornar a vida das crianças uma maravilha.

Infelizmente, as boas intenções não bastam. Nunca bastaram. Ao contrário: podem pavimentar as estradas para o inferno. Sair do estágio de barbárie tribal para a civilização não é algo trivial. As pessoas honestas reconhecem isso e estudam a história para compreender como alguns povos conseguiram essa façanha incrível. Os desonestos, os posers de internet, preferem atacar fantasmas e adotar uma retórica sensacionalista, só para ficar bem na foto.

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O filme destrói a ilusão dessa turma. É um forte soco no estômago dos hipócritas. Merece ser visto, mas não é para os fracos.

Rodrigo Constantino