Por sua vez, depois do crescimento robusto da era Clinton e do crescimento risível da era Bush, além da trágica ocupação do Iraque, os conservadores americanos também viram suas doutrinas, militares e econômicas serem refutadas uma a uma. A desregulamentação do sistema financeiro vai ajudar a economia… O Obamacare vai quebrar o sistema de Saúde… O aumento dos gastos públicos vai desvalorizar o dólar e gerar inflação… Não há aquecimento global… Só bola fora. Mudaram de ideia? Claro que não. Continuam insistindo na tese de que austeridade fiscal e redução de impostos, sobretudo para os mais ricos, geram crescimento econômico. Para mostrar que estavam certos, aplicaram o receituário ao estado de Kansas, e Kansas quebrou…
Aqui, Padilha faz acusações injustas. Em primeiro lugar, a era Clinton contou não apenas com as reformas anteriores, que eram liberais, como com um Congresso republicano e um presidente bem mais moderado, que soube respeitar o básico das teses ortodoxas republicanas. A desregulamentação do sistema financeiro não foi a responsável pela crise, como tantos repetem por aí, e sim o intervencionismo maior do estado no setor, como já cansei de demonstrar. O Obamacare é, de fato, muito ruim para a economia, e tem custado caro, mas a principal crítica era sobre o abuso de poder pelo governo federal contra a liberdade dos estados, fundamental no modelo federalista. Aquecimento global? Ainda insistem mesmo nisso? Já não mudaram até para “mudanças climáticas”, termo mais vago que engloba qualquer coisa?
Mas o mais importante vem depois, com a guinada de 180 graus de Padilha: o grave erro dos republicanos “cínicos” seria ainda acreditarem na “tese de que a austeridade fiscal e redução de impostos, sobretudo para os mais ricos, geram crescimento econômico”. E não geram? Padilha dá como “prova” negativa o caso do Kansas, sem apresentar argumentos. Foi a austeridade que quebrou o estado, por acaso? Aliás, a austeridade do governo já foi responsável por alguma crise mundo afora? Ela não é uma necessidade imposta não só pela aritmética como pelas próprias crises geradas pela gastança de governos perdulários, como o próprio PT no Brasil?
Eis a mais gritante contradição de Padilha: ele ataca o PT por ser irresponsável com as contas públicas, e depois ataca os republicanos por defenderem a austeridade nas contas públicas. E pior: dá a entender que Trump é um péssimo candidato por representar esses valores tradicionais dos republicanos, logo depois de admitir que os conservadores tradicionais estão incomodados com Trump. Padilha diz, expondo ainda mais sua contradição:
A verdade é que tanto a doutrina dos conservadores americanos quanto a doutrina dos socialistas brasileiros só servem para gerar narrativas cativantes e slogans baratos, mas não servem para balizar políticas públicas sensatas.
De um lado temos os amigos do povo, os políticos altruístas e sábios que vão usar o Estado para promover justiça social e salvar os pobres da opressão dos ricos. Do outro, temos os grandes empresários e os empreendedores destemidos, que, livres das regulações e da tirania do Estado, vão desenvolver tecnologia, criar riquezas e beneficiar a todos. A primeira história vende bem na América Latina, sobretudo para artistas, sindicalistas e pseudointelectuais; a segunda vende bem no interior dos Estados Unidos, sobretudo para brancos de classe média e milionários.
Como se colocar no mesmo saco podre o PT e os republicanos já não fosse um acinte, Padilha fecha alegando que Trump seduz os brancos de classe média e milionários do interior dos Estados Unidos. Mas ora, não repetem que Trump só cresce em cima dos idiotas alienados? Então agora ele atende às demandas da ampla classe média branca, num país formado basicamente pela classe média branca? Então os Estados Unidos são um país de idiotas alienados?! Se isso é verdade e ruim, então só podemos concluir que é verdade também que os democratas demagogos, como Hillary e Obama, seduzem apenas as “minorias” e os bilionários, que ficaram faltando. E isso seria bom, pois são esses que carregam o país nas costas…
Hillary é a candidata dos banqueiros de Wall Street, de Soros, dos bilionários do Vale do Silício, e também das “minorias” organizadas, que insistem na “revolução das vítimas” e na “marcha dos oprimidos” da era do politicamente correto. A cartada sexual é amplamente usada por Hillary, como a racial foi por Obama. Se tirarmos as “minorias” e os podres de rico, que apoiam a esquerda, o que sobra além da classe média branca e dos milionários?
No fundo, Padilha representa aquele tipo muito comum no Brasil, como aquele outro cineasta, o Arnaldo Jabor: são antipetistas, mas continuam de esquerda, e olham com horror para os conservadores americanos. Adoram Obama, gostam de Hillary, e não entendem que a esquerda americana é cada vez mais populista e radical, como a mesma que detonam na América Latina. Seriam os “isentões” do Brasil, a nossa esquerda mais light, mas com nojinho de conservador americano. São os “liberais”, que não podem ser confundidos com os liberais clássicos.
Sim, esses também não gostam de Trump, e se o apoiam, é só porque gostam ainda menos de Hillary, que tinha como guru um radical como Saul Alinsky. Mas eis a perigosa contradição de Padilha: Trump foi criticado pelos motivos errados. O próprio Padilha reconhece que ele não agrada a base tradicional conservadora. E logo depois diz que ele atrai os típicos conservadores de classe média e milionários, que querem menos estado, menos impostos. Ora, quem dera! Trump gera tanta desconfiança justamente porque não representa esses valores.
Padilha mesmo diz isso no começo: “Depois de uma primária republicana ridícula, em que os candidatos conservadores se mostraram extremamente fracos e foram gradativamente eliminados da disputa pelo populismo histriônico de Trump, os conservadores ficaram em quintanilhas. Ou se afastavam de Trump e entregavam a Presidência aos democratas, ou coroavam Trump na convenção do Partido Republicano. Fora algumas exceções, notadamente Ted Cruz, os conservadores fecharam com Trump”. Ted Cruz sim, representava os valores tradicionais do conservadorismo. Não Trump.
Como, então, Padilha pode sair dessa premissa verdadeira e pular para a conclusão incoerente de que Trump é defendido por representar o conservadorismo tradicional de menos impostos e austeridade fiscal? Era tudo que os conservadores e os liberais clássicos mais gostariam, mas não sabem se podem confiar em Trump nisso.
Fica parecendo, portanto, que Padilha quis simplesmente atacar os conservadores tradicionais, colocando-os no mesmo time dos petistas, enquanto banca o “isentão” para defender a esquerda americana, cada vez mais radical, cada vez mais parecida com o próprio PT, a ponto de Obama, que queria mudar “fundamentalmente” a América, ter dito que Lula era “o cara”.
Verissimo é caricato, petista de carteirinha, não engana mais ninguém. Padilha é “imparcial”, detona o PT, e com isso ganha créditos importantes com o público geral brasileiro. E depois vai lá e detona os conservadores americanos, para defender a esquerda. A conclusão de ambos é praticamente a mesma: os inimigos são Trump, os conservadores e a austeridade fiscal. Aqui no Brasil, não seria surpresa se Padilha defendesse até mesmo um PSOL da vida. Ops! Já ia esquecendo que Padilha já deu apoio ao socialista Marcelo Freixo. Que novidade!
Arranhe a superfície de um “antipetista” muito moderado e “isentão”, que odeia os conservadores americanos e a austeridade fiscal, e logo aparecerá a imagem de um esquerdista radical. A forma pode ser mais contida, mas a mensagem continua tendo um conteúdo extremista. Isso deveria ter ficado claro quando ele tentou jogar petistas e conservadores no mesmo time. Quem faz isso, senão alguém louco para destruir a imagem do conservadorismo?
Rodrigo Constantino