"Vou tirar a esmola estatal se não fingir que acredita em mim..."| Foto:

Qual o problema de mentir sobre “pequenas” coisas? Que mal há em se fabricar um currículo fictício, inventando doutorado inexistente? Bem, para os brasileiros, não há mal algum. É tudo parte da vida, da Lei de Gérson, do jeitinho nacional. Mas não é assim para os britânicos, alemães, americanos, japoneses, enfim, para todos esses “otários” que não sabem levar a vida com mais tranquilidade e gingado.

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A importância das “mentirinhas” foi o tema da coluna de Carlos Alberto Sardenberg hoje no GLOBO. Ele usa como pano de fundo um caso recente, de uma política que abandonou a corrida para assumir o lugar de David Cameron porque foi pega numa mentira. E olha que era uma mentirinha mesmo, daquelas bem insignificantes perto do que fez Dilma. Diz Sardenberg:

A deputada inglesa Andrea Leadsom abandonou a disputa pela chefia do governo do Reino Unido porque foi desmascarada ao apresentar um currículo “exagerado”. Não foi só por isso, claro, mas a imprensa e seus colegas do Partido Conservador bateram nesse ponto: como uma candidata a primeira-ministra pode tentar alterar sua biografia para se valorizar? O ato foi considerado uma falha moral e um erro de estratégia política.

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Se estivesse disputando algum cargo no Brasil, não teria que se preocupar com isso. Dilma Rousseff fez pior. Foi apanhada pela imprensa em 2009 com um currículo falso, apresentou umas desculpas esfarrapadas e seguiu em frente. Nem seus adversários bateram nesse ponto.

Na política brasileira, desvios de conduta e falhas morais não são consideradas. Os políticos não renunciam nem quando apanhados com contas secretas, por que iriam se preocupar com “mentirinhas”?

Ou a sociedade dá valor à verdade, ou não dá. Ou as pessoas se importam com as pequenas coisas, ou o caminho fica livre para os enormes deslizes. Basta ver o caso brasileiro: Dilma mentiu no currículo, roubou até foto de atriz para se passar por ela, e daí ao maior estelionato eleitoral da história foi um pulo. Deu no que deu.

Meus amigos sempre me consideraram rígido demais em questões éticas, muito intolerante com “malfeitos”. Mas me defendo com base em duas abordagens distintas:

  1. É a coisa certa a se fazer, tentar levar uma vida mais correta possível, calcada na verdade, na sinceridade, na integridade. E quando você aceita um pacto mefistofélico, de que serão apenas as ?pequenas? mentirinhas inofensivas, você pode muito bem se ver numa rua escorregadia, em que a brecha foi aberta para passar um boi, e acaba passando uma boiada. Posso não ser religioso, mas sinto a presença daquele ?observador imparcial? de que Adam Smith falava dentro de mim (os psicanalistas podem falar em obsessividade). É bom ser bom, faz bem não ser mentiroso, ponto final.
  2. É o melhor a se fazer, do ponto de vista prático e pragmático, focando em resultados. Quando se vive baseado em mentiras, isso passa a ser muito desgastante e arriscado. Você, cheio de telhado de vidro, pode acabar refém de chantagistas. Pode se enrolar cada vez mais. E o que vale para um indivíduo, vale para uma sociedade inteira. Aquela que menospreza a sinceridade como um valor acabará dominada pelos mais safados e oportunistas, pelos mentirosos profissionais, pelos? psicopatas!
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O tema é tão relevante para mim que precisei escrever todo um livro sobre nosso jeitinho, que me é insuportável. Será lançado esse mês em quatro capitais, e pela paixão que tenho pelo assunto, considero meu melhor livro, um desabafo e tanto de quem não aguentava mais viver em meio a tanta “malandragem” e precisou fugir um pouco, para respirar ares mais civilizados.

Não gosto muito nem mesmo daquelas mentirinhas sociais, das quais sabemos que não se vive sem, que podem até ser classificadas como educação. Ninguém diz ou deveria dizer que simplesmente não quer aceitar o convite, que não está nem um pouco a fim de ir na festa, que acha um saco a companhia daquele gente. Seria deselegante. Como seria impensável o marido dizer na lata que o vestido novo ficou horrível. Aristoteles já sabia que o homem é um animal político, social, e só pode abrir mão disso um Deus ou um bruto. Como não há homens divinos…

Portanto, não quero ser mal interpretado. Não sou um talibã de toda e qualquer verdade, um xiita dos incorruptíveis. Ao contrário: já escrevi aqui textos contra esses candidatos a novos Robespierre. Mas entendo perfeitamente o ponto de vista anglo-saxão, ou presente na maioria dos países desenvolvidos. Só mesmo os muito otários se acham tão malandros a ponto de enaltecer, em vez de condenar, as “mentirinhas”.

Devemos buscar uma vida o mais sincera e transparente possível, ainda que isso seja impossível em sua plenitude. E quando o caso é política, devemos punir aqueles que são pegos em mentiras, pois se fizermos vista grossa, as mentiras vão se somando como uma bola de neve, até se tornarem psicopatia. Basta ver Hillary Clinton, uma mentirosa compulsiva e vista dessa forma por muitos americanos.

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Será que eles já abandonaram completamente o apreço pela verdade? Será que também os americanos, principalmente os democratas de esquerda, já obtiveram doutorado na arte da malandragem? Se for o caso – e saberemos em breve – os Estados Unidos ficarão cada vez mais parecidos com um típico país latino-americano, dominado pela esperteza, e mais pobres, mais corruptos, mais desiguais. Na política, como em quase tudo na vida, as pequenas coisas importam!

Rodrigo Constantino