A morte suspeita do promotor argentino Alberto Nisman reacende o debate sobre o antissemitismo, ou a judeofobia, termo preferido por alguns. Afinal, o caso que ele denunciava envolvia o Irã e o maior atentado terrorista já realizado na América Latina, em 1994, tendo como alvo os judeus. Por que o povo judeu é perseguido há tantos séculos? Por que de tempos em tempos os judeus são atacados com tanto furor?
Na tentativa de responder essas questões, Dennis Prager e Joseph Telushkin escreveram um excelente livro que recomendo a todos. Trata-se de Why the Jews?, em que os autores procuram explicar a razão do antissemitismo milenar. Para tanto, refutam tentativas modernas de explicar o fenômeno, que negam o fator intrínseco ao judaísmo e partem para motivos exógenos, alegando causas sem ligação com a própria religião.
Para eles, as teses de bodes expiatórios não se sustentam, pois o ódio aos judeus é singular. Outros grupos já foram alvos desse ódio, mas nenhum foi tão permanente, universal e profundo como o antissemitismo. Pensamos no Holocausto mais recente, e também a mais nefasta expressão desse ódio, mas ele está longe de ser um caso isolado. Ao menos em três ocasiões nos últimos 350 anos surgiram campanhas de aniquilação dos judeus: os massacres no Leste Europeu em 1648-49, o próprio nazismo e as tentativas de destruir o estado de Israel por seus inimigos árabes.
Os acadêmicos buscam respostas nos fatores econômicos, na necessidade de bodes expiatórios, no ódio étnico, na xenofobia, no ressentimento gerado pela afluência e sucesso profissional dos judeus, etc. O único fator que não usam para explicar o fenômeno é o próprio judaísmo e o que ele representa. Causas econômicas, como na Alemanha, podem explicar o fermento do ódio, mas não as câmaras de gás. A inveja do sucesso de muitos judeus pode jogar lenha na fogueira, mas não explica o ódio a todos os judeus, inclusive aos pobres, perseguidos em várias épocas e locais.
Para os autores do livro, essas tentativas de retirar o judaísmo da judeofobia são um equívoco. O ódio aos judeus, segundo eles, existe porque são judeus e pelo que isso representa. Quando judeus se tornavam cristãos, obrigados ou não, deixavam de ser atacados. À exceção do nazismo, que tentou eliminar todos os judeus com base na origem genética, os demais casos perseguiam os judeus enquanto permaneciam judeus, mas não se importavam com convertidos.
Os judeus afirmam que existe apenas um Deus para toda a humanidade, o que implica ilegitimidade para todas as demais crenças; acreditam que são o “povo escolhido”, o que costuma despertar ressentimento; e defendem o monoteísmo ético, ou seja, fazem demandas morais que historicamente sempre foram motivo para tensões com outros povos. Para os autores, não é possível negar tais fatores na origem da judeofobia.
Além disso, os judeus foram sempre bem educados, pois sua religião sempre foi disseminada pela palavra, e enquanto o clero católico gozava de privilégios e os crentes eram, em boa parte, analfabetos, os judeus apresentavam as maiores taxas de alfabetização. Suas famílias, até por suas crenças, mostraram-se historicamente mais estáveis. A solidariedade entre eles sempre foi maior do que a média. Tudo isso ajudou a produzir uma qualidade de vida melhor entre os judeus, mas provocou hostilidade e inveja em muitos povos.
Ou seja, os autores vão buscar na origem do judaísmo e no que ele representava as causas da judeofobia. Ao representar uma ameaça aos valores principais e às crenças alheias, os judeus despertaram um ódio universal e profundo. Os quatro componentes básicos do judaísmo – Deus, Torah, Israel e o povo escolhido – desafiaram os deuses, as leis e as culturas de povos não-judeus.
Um fator básico da judeofobia seria, portanto, a rebelião contra esse monoteísmo ético, aqueles mandamentos que proíbem vários atos e impõem uma autoridade moral suprema. Em sociedades e culturas mais relativistas e permissivas, essa sombra moral pode ser insuportável. Ao obedecer aos mandamentos supremos, os judeus também poderiam entrar em conflito com certas leis estatais consideradas injustas. Os romanos, por exemplo, não admitiam que um padrão externo ao seu governo fosse adotado como métrica para a conduta.
Qualquer grupo agindo de forma diferente da maioria já pode ser alvo de hostilidade. O fato de que os judeus raramente eram “fracassos sociais”, e sim o contrário, ou seja, sua singularidade costumava resultar em mais estabilidade e progresso, fez com que tal hostilidade apenas aumentasse. Suas práticas provocaram antipatia nos demais. Em geral, os judeus apresentam taxas menores de alcoolismo ou uso de drogas e agressão às esposas, níveis mais altos de educação, sucesso profissional, solidariedade comunitária forte (tzedaka, caridade em hebraico, significa também justiça e é uma obrigação, um dever de todo judeu) e menos crimes violentos.
Todo crente se julga um “escolhido”, e esse fator do judaísmo não precisaria despertar tanto rancor nos demais, não fosse esse sucesso relativo dessa minoria diferente. É análogo ao que ocorre com os americanos no mundo moderno. Sua visão de “farol da liberdade” e líder dos países democráticos desenvolvidos gera revolta em muitos, especialmente por que os Estados Unidos são mesmo isso. Graças a eles a Europa foi salva do fascismo, do nazismo e do comunismo, por exemplo. Os americanos são diferenciados como nação, e isso produziu resultados melhores, o que costuma ser insuportável para muitos.
Não é por acaso que o antissemitismo, muitas vezes disfarçado de anti-sionismo, costuma ser pregado pelos mesmos que adoram atacar os Estados Unidos. Não tem nada a ver com se julgar um povo ou uma nação superior, como os arianos nazistas, e sim abraçar uma crença, um código moral e um comportamento vistos como moralmente superiores, e ter o respaldo dos fatos depois. Não é algo inato, genético, pois qualquer um pode endossar as mesmas leis morais. E não se trata de um privilégio arrogante, e sim de um fardo imposto. Muito mais fácil é repetir, com os relativistas, que todos são iguais independentemente dos seus atos e que não existe nada melhor ou pior no mundo, uma defesa lamentável do que há de pior por aí.
Em resumo, ao se diferenciar como povo e adotar uma postura de “escolhido” que segue um mandamento moral superior de seu Deus, o único existente, os judeus já estariam sujeitos à hostilidade dos demais. Quando essa singularidade se traduz em maior sucesso social, parece natural que a inveja, presente nos seres humanos de forma atávica, floresça e leve até mesmo ao ódio. Não é apenas o sucesso em si, pois, preservando a analogia com o antiamericanismo, outros países são ricos também, mas poucos estão dispostos a lutar com tanto afinco por seus valores diferenciados e defendê-los com clareza moral. É essa postura que tanto incomoda. Não a do fanático intransigente que, no fundo, é um inseguro e precisa destruir os outros; mas sim aquela de quem sabe lutar pelo que é certo.
O livro segue relatando os diferentes tipos de antissemitismo e todas as evidências históricas. Foca no antissemitismo cristão, especialmente no passado, até porque foi insuportável que uma seita religiosa nascida dos judeus não tivesse deles aprovação, pois o judeu Jesus não fora aceito pelo povo judeu como Deus em pessoa. Fala do antissemitismo islâmico, do secular no Iluminismo, do esquerdista, do nazista e do moderno, disfarçado de anti-sionismo, como se os judeus não fossem o alvo, mas somente sua nação Israel. Termina com algumas sugestões do que pode ser feito para mitigar tal antissemitismo no mundo.
Como a resenha já se alongou demais, vou parar por aqui. Mas insisto na recomendação da leitura para quem se interessa pelo assunto. E todos deveriam se interessar, pois o antissemitismo nunca fica limitado aos judeus. Começa com eles, pelos motivos listados acima, mas justamente por representar um ataque a esse monoteísmo ético por parte de relativistas e invejosos, costuma terminar com um ódio mais generalizado a tudo que a civilização representa, contra tudo o que significa um desafio moral mais elevado.
Rodrigo Constantino
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