Ataco bastante o meu “querido” Rio de Janeiro. Um amigo mais velho, bem bairrista, diz que faço isso para alimentar a inveja dos meus leitores que não moram no Rio. Inveja? Mas se eu mesmo, carioca da gema, escolhi sair da cidade. Como posso acreditar que é tão invejável assim a vida no Rio? Além disso, eu já criticava o Rio faz tempo, mesmo quando vivia lá. Principalmente quando vivia lá!
No que outro amigo responde: “você perdeu o direito de criticar o Rio, justamente porque não mora mais nele”. Mas faz sentido isso? Se eu quero justamente mudar o Rio, melhorar a qualidade de vida na “cidade maravilhosa” e no estado como um todo, como posso me abster das críticas construtivas só porque não vivo mais lá?
Se critico, é para alimentar a inveja; se não critico, nada estarei fazendo para mudar o que considero um retumbante fracasso, apesar de toda a beleza natural. O meu primeiro amigo, o provinciano, acha também que roupa suja se lava em casa, ou seja, cariocas só podem falar mal do Rio para cariocas. Mas não é exatamente esse tipo de pensamento tribal que está por trás do fracasso do Rio? Não falta justamente uma visão mais republicana, impessoal, do estado?
Entendo que boa parte do antiamericanismo, em especial dos “intelectuais”, é fruto da inveja. Os Estados Unidos, afinal, são um caso claro de sucesso, apesar dos pesares. Mas então quer dizer que toda crítica, agora, é movida pela inveja? Quando leio notícias como essa, pergunto-me: ter inveja do quê na vida do povo fluminense?
A iniciativa de alertar os moradores do Rio de Janeiro sobre tiroteios que ocorrem diariamente e assustam a população tem tido boa audiência. Lançado há oito dias, o aplicativo Fogo Cruzado mapeia, em tempo real, os locais onde estão acontecendo disparos de armas de fogo na Região Metropolitana do Rio. Somente nesse tempo, foram feitos 15 mil downloads.
O primeiro relatório, divulgado nesta quarta-feira (13), mostrou que, em apenas sete dias, 265 notificações de tiroteios foram enviadas para a ferramenta. A média é de pouco mais de 1,5 tiroteio por hora. Desses confrontos, 24 tiveram vítimas fatais e, em 20, pessoas ficaram feridas. Também foram registrados 50 confrontos decorrentes de operação policial.
A região da cidade com o maior número de registros foi o Conjunto de Favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio. Já na Baixada Fluminense, a cidade de São João de Meriti foi o local que mais cadastrou registros de violência.
São dados do Rio ou da Síria? Seriam do Iraque? É um verdadeiro caos! O colega bairrista, preso na sua bolha da Barra da Tijuca, pode alegar que tudo isso está muito distante de sua realidade. Claro, o aposentado que só circula pela orla, toma chope com os amigos e joga dama no calçadão pode até ver um Rio mais belo, ainda que baste abrir os olhos direito para ver o entorno apodrecido, a poluição visual, a falta de educação, a sujeira etc. Mas dá para viver assim?
A bolha não consegue resistir por muito tempo à dura realidade, até porque, no Rio, as favelas estão dentro dos bairros nobres, não apenas nas periferias. E a violência chega a todo lugar, assim como o trânsito caótico, os serviços públicos ruins, o transtorno causado por excesso de “malandragem”. Apontar esses problemas todos é alimentar a inveja dos outros? De quem? Qual inveja? Do nosso velho Oeste, terra sem lei?
O Brasil cansa. E o carioca provinciano cansa mais ainda. Tenta se convencer de que vive num paraíso, enquanto basta olhar para o lado para conhecer o inferno. E ainda acha que os outros morrem de inveja do Rio, por isso falam mal. Seria autoengano? E não é exatamente esse um dos grandes problemas do carioca em particular e do brasileiro em geral? Tapar o sol com a peneira e fingir que está tudo bem, desde que tenha samba, novelas e futebol regado a uma gelada?
Rodrigo Constantino
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