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Até na Suécia? “Extrema-direita” avança enquanto esquerda perde espaço
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extrema direita dos Democratas Suecos avançou menos do que o previsto pelas pesquisas nas eleições deste domingo na Suécia, mas se consolidou como terceira força no Parlamento e tirou votos dos blocos de centro-esquerda e centro-direita, tornando mais difícil a formação de um novo governo. O partido anti-imigrantes e anti-Europa, que segundo as previsões chegaria a 20% dos votos, ficou com 17,6%, quase cinco pontos a mais do que na eleição de 2014, quando teve 12,9%.

Embora a social-democracia tenha saído das urnas ainda como a maior força política da Suécia, ela perdeu votos neste domingo, com 28,4%, o pior resultado desde 1911, quando ficou com 28,5%. O partido, que domina a cena política desde o início do século XX, ficou acima dos 25% previstos nas pesquisas, mas com três pontos percentuais a menos que nas eleições de 2014.

Em que pese a mídia chamar de “extrema-direita” qualquer coisa à direita da social-democracia, o fato é que esse movimento mais nacionalista tem crescido no mundo todo. Enquanto os liberais democratas não compreenderem direito o fenômeno, vão ficar culpando bodes expiatórios, falando em “alienação das massas”, dos “perdedores com a globalização” ou de “racismo e preconceito”. Balela!

O fenômeno já foi tema de inúmeros textos aqui no blog, e é o foco principal do meu novo livro Confissões de um ex-libertário: Salvando o liberalismo dos liberais modernos. A tese central é a de que o pêndulo liberal extrapolou para o lado “progressista” e, alimentado pelo politicamente correto, tem produzido uma resposta na mesma magnitude à direita, com cores às vezes excessivamente nacionalistas.

Esse foi o tema da coluna do professor João Carlos Espada no Observador, antes de saber do resultado da eleição sueca. O professor mostra que o fenômeno vem se alastrando, que não estamos mais falando de Grécia, Espanha, Hungria ou Polônia, mas sim da Suécia, “paraíso social-democrata”, ícone do “liberalismo” moderno. O que explica isso? Diz Espada:

Não pretendo saber a resposta. Mas sustento que os factos estão a refutar as respostas politicamente correctas que até aqui têm inundado a comunicação social e os meios ‘bem pensantes’. Dizem eles que está a ocorrer uma onda ‘nacionalista’, ‘soberanista’ e ‘extremista’ contra os ideais ‘trans-nacionais’ ou ‘supra-nacionais’ ou ‘multiculturais’  da democracia liberal.

A primeira e fundamental questão que tem de ser colocada (e que venho colocando suavemente desde pelo menos um artigo que publiquei em 2012 no Journal of Democracy)  é muito simples: por que motivo deveria o sistema de regras gerais, que constitui a democracia liberal, ser identificado com um programa substantivo particular, (como é o caso do ‘multiculturalismo’, ou ‘governação supra-nacional’ ou ‘abertura total à imigração’)?

A identificação da democracia com um programa substantivo particular é um erro grosseiro que remonta pelo menos à funesta revolução francesa de 1789 e à versão continental do Iluminismo que a inspirou. Nesta interpretação, a democracia não deveria ser apenas um sistema de regras gerais, imparciais e iguais para todos, que pudesse garantir a concorrência pacífica e a alternância parlamentar entre propostas e partidos rivais. Na interpretação de 1789, a democracia devia ser uma ‘correcta libertação’ do povo contra preconceitos e tradições que até aí o tinham oprimido (ainda que, curiosamente, como recordou Isaiah Berlin, por sua própria vontade).

O resultado é conhecido. Em vez da tranquila e civilizada concorrência e alternância de propostas e partidos rivais no Parlamento (como acontece em Westminster há pelo menos 329 anos), tivemos no continente europeu guerras tribais entre seitas rivais, revoluções e contra-revoluções. E tivemos pobríssimas guerras ideológicas entre primitivos extremismos rivais — usando comuns linguagens rudimentares, de gosto pelo menos duvidoso. Por outras palavras, os extremos alimentaram os extremos.

É isto que está a voltar a acontecer. Como escreveu o norte-americano William Galston na mais recente edição da britânica The Spectator,  ‘um internacionalismo desenfreado alimentará a sua antítese: um nacionalismo desenfreado’. Este foi também o argumento que ele apresentou — sob o título, ‘Em defesa de um patriotismo razoável’ — na Palestra Memorial Ralf Dahrendorf, na mais recente edição do Estoril Political Forum. Sintomaticamente (para quem reparou) o título global deste Estoril Political Forum precisamente recusava a dicotomia infeliz entre nacionalismo e internacionalismo. Por isso se chamou ‘Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia’.

Por outras palavras, se os partidos clássicos aceitarem a errónea identificação da democracia liberal com a utopia supra-nacional e a imigração ilimitada, alguém vai aparecer no mercado eleitoral para oferecer o que os partidos clássicos não oferecem: a defesa do legítimo sentimento nacional. Só que esse ‘alguém’ vão ser partidos e/ou candidatos marginais, muitas vezes extremistas — que vão demagogicamente ocupar o espaço deixado vazio pelos partidos clássicos e pela sua incapacidade de defenderem um ‘patriotismo razoável’.

Estamos lidando com a Terceira Lei de Newton: para toda ação há uma reação em sentido contrário com mesma força e intensidade. É o famoso “backlash”. Os “progressistas” exageraram na dose, e claro que haveria uma resposta. O multiculturalismo avacalhou com a Europa, e óbvio que grupos nacionalistas surgiriam. Os movimentos raciais demonizam o legado da civilização ocidental, então era natural que “supremacistas brancos” aparecessem em cena. E por aí vai.

Como não compreender minimamente o fenômeno, sem preconceito, quando vemos a Suécia em chamas por conta de criminosos imigrantes, e quando avaliamos a reação frouxa das lideranças e a mídia que quase não fala do assunto, mesmo com crimes violentos disparando, para evitar constrangimentos e a acusação de racismo?

O triste é que a vitória de Trump e companhia, com esse estilo um tanto bufão e uma retórica agressiva, também produz mais “backlash”, e do outro lado vemos uma radicalização maior. Se Obama ajudou a parir Trump, Trump pode ajudar a parir um Bernie Sanders competitivo. No Reino Unido temos um ultra-radical socialista e antissemita como Jeremy Corbyn em ascensão. Os moderados e a própria democracia liberal ficam para trás.

É o ressurgimento do tribalismo com força total. Estou lendo Suicide of the West, de Jonah Goldberg, que fala exatamente sobre isso. O “Milagre” que a humanidade experimentou nos últimos 300 anos se deveu ao capitalismo e ao liberalismo, lutando justamente contra o velho e natural tribalismo. É preocupante que boa parte do mundo esteja se voltando para tribos fechadas hoje, em parte como resposta aos que quiseram “abrir” demais as coisas, destruindo tradições, quebrando tabus e esgarçando o tecido social. A mente ficou tão “aberta” que o cérebro caiu, pelo visto.

A resposta ao “globalismo”, ao multiculturalismo, ao “progressismo”, não é um nacionalismo fanático, um autoritarismo reacionário, mas sim um patriotismo saudável dentro da doutrina liberal-conservadora. O problema é que exageros costumam levar a reações exageradas. É como o bêbado que vira abstêmio da noite para o dia, o glutão que vira um faquir ou o marginal drogado que encontra “Deus” e vira um crente dogmático.

Não há meio-termo, moderação, qualquer gradação. Pula-se de um extremo ao outro sem passar por transição alguma. Poderemos sair de um modelo “progressista” que fecha os olhos para o problema da imigração e cair num sistema autoritário fechado e nacionalista, que trata qualquer imigrante como um problema. Será uma pena se as democracias liberais do Ocidente jogarem o bebê fora junto com a água suja do banho…

Rodrigo Constantino

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