Esquerda é pura retórica, imagem, sensacionalismo à frente dos fatos, da realidade, dos resultados concretos. Não foi por outro motivo que ficou conhecida a expressão “governo violino”: aquele que pega o poder com a mão esquerda, mas toca com a direita.
Não chega a ser bem com a direita… mas o fato é que muitos governantes de esquerda são forçados, pela realidade, a ceder, a abandonar muitas de suas ideias anteriores, seus sonhos românticos ou suas promessas vazias de campanha.
Estaria isso acontecendo agora com o socialista Hollande, justo no momento em que o cronista Verissimo declara que tem no garanhão francês um herói? O editorial do GLOBO de hoje aposta que sim, e relata como Hollande foi levado a sentar no colo do “mercado”, este ente abominável para as esquerdas, mas responsável pelos empregos e o crescimento econômico na prática. Diz o jornal:
O socialista François Hollande ganhou a eleição presidencial francesa em 2012 com uma plataforma antiausteridade, de crítica à condução alemã no enfrentamento da crise europeia. Ele seria o reverso de Angela Merkel. O discurso, música para os ouvidos de um eleitorado temeroso diante do futuro, recebeu aplausos também em outras paragens, como Brasília, onde residem convictos “desenvolvimentistas”, para os quais os nós atados nas economias são cortados por simples força de vontade política e na base do intervencionismo estatal.
[…]
Como era previsto e visível, o peso do Estado francês força uma carga tal de impostos que torna a França cada vez menos competitiva, e não apenas em relação à Alemanha, cujo nível de tributos sobre empresas é o objetivo que o governo Hollande deseja atingir. Não será fácil, mas é preciso buscar a meta.
O preço que o país tem pago é uma taxa de desemprego na faixa de 10% e 11% — o dobro do índice alemão —, devido à virtual estagnação econômica. Na base de tudo, encontra-se um Estado que custa à sociedade francesa 57% do PIB — o brasileiro, já obeso, tem um peso para o contribuinte equivalente a quase 40% do PIB.
Em seguida, o jornal cita o precedente com Mitterrand, socialista que chegou cheio das ideias estatizantes, colocou-as em prática, afundou sua nação no caos social e econômico, e precisou reverter as lambanças, ao menos em parte. Falei disso em meu livro Privatize Já. Eis um trecho:
Até mesmo os dirigistas franceses tiveram que sucumbir às imposições da realidade e partir para um grande programa de privatizações, em parte inspirado em Thatcher, mas menos radical que o dela.
Antes de dar este passo ousado para os padrões franceses, os governantes tiveram que ver o diabo de perto. E foi isso que o governo Mitterrand conseguiu fazer: aproximar bem a imagem do inferno. No início do governo, os socialistas adotaram um amplo programa de nacionalização de empresas, em grande parte financiado pela impressão de dinheiro. O resultado, amplificado pelas medidas trabalhistas citadas acima, foi uma disparada na inflação, que chegou a 14% ao ano, enquanto o desemprego superou a marca de 2 milhões e o déficit fiscal chegou a 3% do PIB em 1982. Como quase sempre acontece, as medidas criadas para melhorar a vida dos trabalhadores deixaram a situação deles muito pior.
Em 1983, porém, ocorreu a “grande virada”. Os socialistas abandonaram as políticas keynesianas expansionistas e partiram para um programa de austeridade, com metas rigorosas monetária e fiscal, corte de orçamento, demissões, abertura comercial e financeira e abandono do controle de preços. Após perceberem os estragos causados por suas medidas iniciais, mudaram radicalmente a direção em prol de mais liberdade.
Nunca é fácil fazer reformas liberais na França, pois os protestos e greves são muito frequentes. Há inúmeros interesses em jogo de grupos organizados que não aceitam perder privilégios. Essa razoável impotência reformista reduz o escopo das mudanças, limitando bastante sua eficácia. Mas os governos reformistas contaram com uma boa ajuda externa: os projetos de integração europeia ganhavam força, e para fazer parte do seleto grupo, era preciso antes colocar a casa em ordem.
Foi basicamente por esta pressão externa que os socialistas conseguiram adotar medidas macroeconômicas prudentes. A esquerda mais radical que dera apoio a Mitterrand sem dúvida ficou frustrada. Os liberais, por outro lado, gostariam de reformas bem mais ousadas que reduzissem o grau de intervencionismo. Mas o que o governo socialista fez a partir de 1983 já foi suficiente para alterar bastante a situação francesa, que vinha perdendo enorme espaço para seus pares, especialmente a Alemanha e a Inglaterra.
Se Hollande vai ou não conseguir reverter o estrago do socialismo francês, ainda não sabemos. O presidente não goza de muito apoio popular, e sabemos que não acredita nas reformas liberais, que promete a contragosto, por extrema necessidade.
Mas uma coisa é certa: se a França insistir na toada esquerdista, será a garantia de sua decadance, ainda que avec elegance, pois Paris é um charme…
Rodrigo Constantino
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