Como alguém que já tentou debater com Ciro Gomes uma década atrás, sei bem de como as artimanhas de um populista podem impedir qualquer conversa séria calcada em argumentos. O jornalista Pedro Doria publicou um comentário sobre a “aula” que teve com o pedetista, não sobre política, mas sobre manipulação nas redes sociais, que divulgo na íntegra abaixo:
Esta semana, Ciro Gomes me deu uma aula. Não uma aula de política, ou de Direito, mas de como se fabrica uma lacração em tempos de internet. De como se ganha um argumento não pelo debate, mas pelo trecho de vídeo que você pode fabricar.
Costumo ter boa memória. Já foi melhor — mas é boa. O treino de jornalista, porém, impõe certas regras. Uma delas é de que não se faz uma afirmação sem ter certeza de que está correta. Escrevo mais do que falo — no jornalismo escrito a gente pode, após uma entrevista, voltar à rede e aos livros e elucidar dúvidas que surjam. Naquilo que é gravado em áudio e vídeo, não dá.
Em um determinado momento do último Segunda Chamada entrei num debate com Ciro sobre se o impeachment havia sido um golpe de Estado ou não. O debate é importante e há argumentos possíveis para os dois lados. O meu é de que a lei atribui aos senadores a decisão a respeito de se houve crime ou não — se eles julgaram, a decisão pode até estar errada, mas é legal. Juízes erram e isto não torna suas decisões ilegais.
Ciro me driblou com duas afirmações peremptórias: a primeira de que a Lei da Responsabilidade Fiscal não vale para presidente, só para governadores e prefeitos. A segunda de que entre os crimes de responsabilidade de um presidente da República não existe o crime ligado ao orçamento. Se nenhuma lei prevê o delito, ninguém pode ser condenado por ele.
O raciocínio é perfeito.
E me tirou de centro. Eu sabia que havia algo de errado — mas ele afirmou com tal convicção que balancei. Minha memória podia estar me traindo. Não fazia nenhum sentido o que dizia, mas talvez houvesse algum detalhe da lei que havia me escapado. Do qual não me lembrasse.
O raciocínio é perfeito, só não é baseado em fatos.
O que Ciro afirmou com convicção está simplesmente errado como qualquer pesquisa de dois segundos no Google pode constatar.
Evidentemente a Lei de Responsabilidade Fiscal inclui o Executivo Federal. E ela própria, em 2000, emendou a Lei do Impeachment.
<< Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária … 9) ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente; >>
É perfeitamente legítimo argumentar que primeiro o TCU e, depois o Senado, foram rigorosos demais na aplicação da lei. Ou que interpretaram errado o conceito de uma operação de crédito. De que a lei foi só uma desculpa e que o impeachment na verdade foi uma decisão política — eu sequer discordaria desta última.
Mas o argumento dele foi, na lata, de que a lei não existia.
Uma informação falsa que alimenta um vídeo que está sendo distribuído pela internet para a alegria de seus partidários. Ciro não é o único a usar este recurso, o de afirmar algo convicto tendo a certeza de que um jornalista treinado não vai retrucar a não ser que tenha de memória um detalhe ou um número obscuro qualquer.
Pois é: Ciro lacrou. A que custo?
Quando até um político do quilate dele, que sinceramente se dedica a estudar o Brasil, mergulha neste debate construído para a velocidade da internet, no qual os fatos valem cada vez menos, como perde a democracia.
Isto faz parte do buraco em que nos metemos.
Só não concordo com a concessão indevida ao político. Ciro não se dedica sinceramente a estudar o Brasil. Ele só se dedica sinceramente ao poder, e para tanto faz uso de todo tipo de malandragem. É o típico “lacrador” da era moderna, que joga para a plateia. Mas não falta no Brasil gente disposta a vibrar com um embuste desses, nem que seja para repetir que o desafeto ideológico foi “humilhado” no debate.
Infelizmente, muitos não ligam para a qualidade do debate em si, dos argumentos, da veracidade dos fatos. Preferem uma briga infantil em que um lado “detonou” o outro nas aparências. Em nosso país, nas redes sociais, a forma vale mais do que o conteúdo, e a forma que tantos admiram é aquela da briga ginasial…
PS: Esse tipo de encantamento com os “estratagemas de erística” não vem só da esquerda, claro. Olavo de Carvalho vive “humilhando” seus desafetos com xingamentos, apelidos bobos ou dialética marxista, sem precisar apresentar um só argumento real para “vencer o debate”. E boa parte do seu público vibra com isso. Não por acaso Olavo já elogiou Ciro e vive-versa, e muitos olavetes adoram puxar Ciro da cartola para me “humilhar” quanto não possuem mais argumentos para rebater os meus.
Rodrigo Constantino
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