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Aumentar a taxa de poupança e expandir a rede de proteção social: a encruzilhada de Ciro Gomes

Por Roberto Ellery, publicado pelo Instituto Liberal

Não creio ser útil ou necessário lembrar meu rosário de críticas ao desenvolvimentismo, o interessado pode pesquisas no site que vai encontrar esse tipo de material em abundância, de fato, uma das razões que levou a escrever foi tentar contrapor a onda desenvolvimentista que dominava até meados da década passada. Entretanto tem um ponto que Ciro Gomes levantou ontem na entrevista na Globonews que é caro a muitos desenvolvimentistas e que quero comentar nesse artigo. Menos do que uma crítica ao desenvolvimentismo a questão que vou tratar é uma dúvida a respeito da viabilidade da proposta.

Ciro Gomes em um dado momento afirmou que países não crescem com poupança externa, na prática isso significa que se for presidente Ciro pretende que nosso crescimento seja financiado com nossa poupança. O problema é que a taxa de poupança no Brasil está na casa dos 16%, suficiente para financiar o investimento atual, mas muita baixa para financiar o investimento necessário para começar um período de crescimento sustentável. O leitor que estiver pensando que isso é efeito da crise está parcialmente correto, mas mesmo na época de bonança na virada da década a taxa de poupança no Brasil nunca passou dos 20%, ainda baixa para financiar uma experiência asiática.

Desta forma quando Ciro Gomes, ou quem quer que seja, afirma que vai fazer o Brasil retomar o crescimento e que esse crescimento não será financiado por poupança externa o que está sendo prometido é um aumento expressivo da taxa de poupança no Brasil. Como aumentar a taxa de poupança? Essa é a questão do artigo. Tudo ainda fica ainda mais difícil quando quem promete o aumento da taxa de poupança também promete manter ou aumentar a rede de proteção social. É muito difícil conciliar uma ampla rede de proteção social com altas taxas de poupança, isso acontece por vários motivos, dentre eles: (i) a manutenção da rede de proteção social demanda gastos do governo e assim força a poupança do governo para baixo, (ii) os gastos do governo são parcialmente financiados por impostos retirados de famílias e empresas, os altos impostos reduzem a renda disponível o que, tudo mais constante, deve levar a uma redução na taxa de poupança, (ii) a rede de proteção social oferece seguros que substituem a necessidade de poupar, para entender essa lógica considere que se você tem um carro e adquire um seguro contra roubo não há razão para fazer uma poupança para repor o carro em caso de roubo.

Os países da Ásia que conseguiram altas taxas de poupança de forma a não necessitar de financiamento externo fizeram isso com uma baixa rede de proteção social e com menos impostos que o Brasil. Por conta disso a poupança desses países, pública e/ou privada, é alta. Aspectos culturais podem até ter alguma relevância nessa história, mas incentivos econômicos importam. De fato, mesmo as sociais democracias europeias, como a Alemanha citada por Ciro Gomes, possuem baixas de taxas quando comparada à poupança dos países asiáticos.

A figura abaixo mostra a taxa de poupança média entre 1970 e 2016 para países da Ásia, para o Brasil e para algumas sociais democracias europeias. Note que os grupos são quase que perfeitamente separados com os países da Ásia na parte de cima, taxas de poupança mais altas, e os países da Europa na parte de baixo, taxa de poupança mais baixa. Apenas a Noruega quebra o padrão, fenômeno que provavelmente está relacionado ao petróleo que, na Noruega dos últimos dez anos a renda do petróleo correspondeu a cerca de 6,5% do PIB contra cerca de 1,6% no Brasil. Repare que o Brasil está encaixado na turma da Europa e bem fora da turma da Ásia.

Uma comparação dos países do Leste da Ásia e Pacífico (East Asia & Pacific), área do Euro (Euro area) e Brasil ajuda a reforçar o ponto que a taxa de poupança não é só função da renda, a figura abaixo faz essa comparação. Na figura fica claro que a taxa de poupança no Brasil está longe da taxa de poupança da Ásia, de fato desde a estabilização e do processo de aumento do gasto social nossa taxa de poupança está abaixo da dos países da Europa. Se fosse por renda média o Brasil (PIB corrigido por PPC de $14,077) deveria estar mais próximo do Leste da Ásia e Pacífico ($15,778) do que da Área do Euro ($38,859).

De forma grosseira o Brasil deixa de financiar investimento para financiar a rede de proteção social. Aqui não é uma questão de juízo de valor, cabe a cada um decidir o que prefere e tentar influenciar (ou não) a política na direção do que deseja. Pelo menos da maneira como eu vejo as coisas a escolha entre taxa de poupança e rede de proteção social, principalmente em um país de renda média ou média-alta, é um fato.

Se Ciro Gomes for eleito o caminho que ele propõe o levará a uma encruzilhada, em algum momento ele vai ter de decidir se quer que o Brasil siga o caminho do modelo asiático com altas taxas de poupança e baixa proteção social ou se vamos seguir o caminho de reforçar a rede de bem-estar social do país à custa de redução do investimento público e da poupança interna. No fundo, sei que alguns não vão acreditar, esse é o dilema entre escolher o desenvolvimentismo e o “neoliberalismo” do Consenso de Washington. Pode ser que alguém diga que é possível fazer as duas coisas, de certa forma Lula e depois Dilma tentaram isso a partir de 2006, deu muito errado. Talvez Ciro Gomes e seus economistas acreditem que deu errado por falta de competência ou habilidade dos governos petistas, eu acredito que deu errado porque não tinha como dar certo.

P.S. Se alguém estiver incomodado com o longo período da primeira figura talvez queira saber que eu fiz com períodos menores, em particular com o período das décadas de 80 e 90, mas não achei válido colocar no artigo, pois acrescentam muito pouco para o objetivo proposto.

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