Por Paula Drumond Guedes, publicado no Instituto Liberal
São 4 da manhã de terça-feira e me encontro pensando a respeito do DemoDay do Startup Rio, que acontecerá hoje no Parque Lage.
O Startup Rio é um programa do governo do estado do Rio de Janeiro cujo objetivo é estimular o ecosistema de empreendedorismo de tecnologia. A visão de longo prazo é de transformar o Rio de Janeiro na capital de inovação da América Latina com representatividade semelhante à do Vale do Silício nos EUA.
Conheço o programa intimamente – o idealizei em sua versão “Herbert Richers”. O Startup Rio concede 100.000 empreendedores selecionados que estejam dispostos a montar seus negócios tech no Rio. Além disso, o programa oferece aos empreendedores um espaço físico no Catete, e acesso a conteúdo educacional vindo de experts do mercado.
A inspiração para o Startup Rio foi o programa Chileno, Startup Chile, criado pelo ex-presidente liberal Sebastián Piñera. Um dia, Sebastián se deu conta de que embora o Chile tivesse um ambiente muito favorável para negócios, ainda faltava o tesão por empreendedorismo no DNA Chileno.
A esperança do ex-presidente ao desenvolver o Startup Chile era de que o projeto atraísse empreendedores estrangeiros para sediar seus projetos no Chile. Ao importar empreendedores, o Piñera estaria trazendo um agente catalizador para que a cultura Chilena desse uma guinada em direção semelhante.
Confesso que a minha primeira intenção ao voluntariar meu tempo para a criação do Startup Rio foi de impedir que empreendedores e engenheiros de computação brasileiros se candidatassem para o Startup Chile… Cansei de ver manadas de alunos brilhantes saindo de núcleos de pesquisa de excelência como PUC, UFRJ e UFF para seguir ao caminho de Piñera.
Sofri ao observar o êxodo do capital intelectual do polo carioca. A brilhante sacada de Sebastian despertou uma ansiedade em mim, mas não fui a única a quem ele conseguiu provocar. O Startup Chile iniciou uma tsunami de projetos semelhantes pelos quatro cantos do mundo… De Singapura, a Londres, a Nova Iorque – todos os governos criaram suas próprias versões do mesmo projeto em uma tentativa de atrair empreendedores. Afinal de contas, o empreendedorismo é o principal motor de uma economia – quem consegue criar um ambiente em que jovens brilhantes podem prosperar tem um grande ativo gerador de empregos e estímulo econômico.
O que me leva a compartilhar reflexões a respeito do ecossistema empreendedor no Brasil… Uma pergunta que recebo com frequência de empreendedores estrangeiros é: “como é empreender no Brasil?”. Respondo com uma simples analogia: “empreender no Brasil é como fazer um rali de Tuk Tuk por Tamilnadu (região mais pobre da Índia): beiramos a morte ao menos 10 vezes ao dia, sua vida se torna intimamente vulnerável à irracionalidade de terceiros que, ora se lançam na frente do seu Tuk Tuk, ora usam o mesmo como alvo de amortecimento para seus caminhões sem freio. Não há regras de trânsito, não há mapa… Sequer há estradas! No final da jornada, a vitória é contabilizada pela sobrevivência de mais um dia.” Faço essa analogia pois sobrevivi a esse rali – eu sei. Em resumo: ambas as experiências (o rali e o empreendedorismo brasileiro) fizeram de uma ex-ateia uma pessoa um tanto espiritual…
Dada a hostilidade do ambiente empreendedor no Brasil, seria leviana ao acreditar que o Startup Rio resolve as questões do país. Neste contexto, o programa se torna apenas um bandaid contra uma hemorragia aguda.
De acordo com o National Venture Capital Association, empresas com características de startup representam 22% do PIB Americano e 11% dos empregos no setor privado. Sendo assim, abrigar um hub tecnológico é de interesse estratégico para qualquer estado e país.
Para conseguirmos atingir números semelhantes aos do EUA no Brasil precisaremos mais do que de um simples bandaid: precisaremos fazer mudanças estruturais no ambiente de fazer negócios por aqui. Acredito que seja possível conquistarmos mudanças concretas, em etapas ponderadas.
O primeiro passo é o reconhecimento do empreendedorismo como a chave da criação de valor em uma cadeia produtiva econômica.
Ao lutar para executar um projeto como o Startup Rio, o governo do Estado do Rio de Janeiro deu sementes de indícios de ter esse entendimento. Sigo no conselho e sei o quanto foi difícil superar obstáculos para que esse projeto seja concretizado.
O Segundo passo, e mais importante, é conseguirmos, como uma comunidade, transformar um programa em uma plataforma para mudanças estruturais.
Reconheço a boa disposição do governo do estado do Rio de Janeiro em dialogar a respeito do tema. Inseriram na pauta do Demo Day o painel de título: “O papel do estado no empreendedorismo digital”, o que é um bom começo de conversa.
Sinto muito não termos empreendedores nem fundos de Venture Capital participando deste painel – tenho certeza de que teriam bastante a complementar ao encontro.
Acredito veementemente que o impacto do Startup Rio será multiplicado quando conseguirmos emplacar vitórias que nos aproximem do contexto do dinamismo do empreendedorismo global, onde se exercem duas melhores práticas:
(1) contratos de trabalho entre partes voluntárias e
(2) impostos centralizados a níveis estaduais, apenas (leiam-se cargas federais mínimas)
Trata-se de características básicas e fundamentais para que o mercado funcione e, quem sabe, talvez até prospere (sejamos audaciosos em nossas pretensões!).
Uma conquista é a da coragem que os governantes envolvidos têm tido em mergulhar em um projeto ambicioso, inovador, e de difícil execução. Espero que os diálogos desafiadores já iniciados entre partes que frequentemente não conversam deem frutos a projetos mais grandiosos. Esses projetos demandarão ainda mais dedicação e coragem para serem executados.
Hoje, quando os empreendedores apresentarem suas 10 empresas ao público no Demo Day do Startup Rio, devemos lembrar que eles não serão os únicos sendo julgados. A capacidade do Estado de aproveitar a oportunidade de liderar a transformação do Startup Rio de um projeto bacana e bem feito para 150 pessoas em uma plataforma para mudancas estruturais também estará em jogo.
Eu acredito e aposto que isso é possível: conheço a equipe, que é dedicada e está fazendo um trabalho sério.
O Bat Sinal foi lançado, the stakes are high.
Aguardo o contato de colegas empreendedores com interesse e conhecimento de causa que queiram colaborar diante dos desafios e da oportunidade de transformarmos o projeto do Startup Rio em uma plataforma para mudanças estruturais. Está na hora de incentivar o empreendedorismo de forma mais robusta e duradoura. Para quem quiser colaborar (ou criticar), meu email ép.startuprio@gmail.com.
Uma coisa eu garanto a todos: como em qualquer corrida de Tuk Tuk, sobreviver não será fácil, mas a jornada será incrível e a conquista pagará as cicatrizes.
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